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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000200010 

    ARTIGOS
    DESLOCAMENTOS

     

    O controle da imigração "indesejável": expulsão e expulsabilidade na América do Sul

     

     

    Eduardo Domenech*

    Doutor em sociologia, professor do Centro de Estudos Avançados da Universidade Nacional de Córdoba e pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) com lugar de trabalho no Centro de Investigações e Estudo sobre Cultura e Sociedade, Argentina. Atualmente co-coordena o GTde Clacso "Migração, Cultura e Políticas". Email: eduardo.domenech@gmail.com

     

     

    Este artigo faz parte de um esforço coletivo por compreender a gênese e as transformações das políticas de controle das migrações internacionais na América do Sul (1) e de um particular interesse na produção histórica e social da "imigração ilegal". A literatura científica de maior circulação sobre o desenvolvimento do controle migratório nas sociedades ocidentais mostra um claro predomínio de pesquisas relacionadas com as políticas e práticas de controle realizadas, tanto no passado quanto no presente, por instituições estatais do Atlântico Norte (Estados Unidos, Canadá e União Europeia) e, em menor extensão, por outros Estados da região Ásia-Pacífico (principalmente Austrália). Em geral, há uma omissão ou atenção marginal daquelas que tiveram e ainda tem lugar em outras partes do mundo como a região sul-americana. Não há razões empíricas que justifiquem essa desatenção, já que alguns Estados-nação como o argentino e o brasileiro tiveram uma alta participação como países receptores de imigração durante a época da chamada "imigração de massas" ou das "grandes migrações" entre 1880 e 1930, promovendo leis que instituíram a figura da deportação. Em números absolutos, Argentina recebeu, até 1930, ao redor de 6,5 milhões de imigrantes, posicionando-se acima do Canadá (5 milhões) e Austrália (3,5 milhões) (2). Em termos relativos, a porcentagem da população estrangeira sobre a população total excedeu amplamente a existente naqueles tempos nos Estados Unidos. O Brasil, por sua vez, atingiu cifras absolutas que o posicionam entre Canadá e Austrália (4 milhões em média). Durante a última década do século XIX, o peso relativo da população estrangeira foi maior que nos Estados Unidos. Também tem sido esquecido o estudo das políticas e práticas de controle migratório no restante dos países sul-americanos que, apesar de não receber grandes quantidades de imigração, implementaram medidas específicas tanto para evitar o ingresso quanto para possibilitar a expulsão dos estrangeiros "indesejáveis".

    Uma figura do controle migratório, que é paradigmática da violência do Estado, é a deportação ou expulsão de estrangeiros. Na atualidade, no marco de processos migratórios Sul-Norte, as expulsões de estrangeiros mais estudadas são as chamadas "deportações massivas" (mass deportations) efetuadas por organismos governamentais dos Estados Unidos e de diversos países europeus (Grã-Bretanha, Alemanha, França, Espanha, Grécia etc), com a assistência de agências regionais intergovernamentais (por exemplo, Frontex), organizações multilateralais (a Organização Internacional para as Migrações, entre outras) e companhias de segurança privadas e globais (como G4S, uma das maiores). Até agora, na América do Sul não há uma produção sistemática sobre o tema nem linhas de investigação que proponham uma indagação ou reflexão sobre essa prática estatal, sua configuração e suas singularidades nessa região do mundo. É necessário levar em conta que alguns países da região oferecem a possibilidade de indagar sobre o processo de deportação tanto em contextos de migração Sul-Sul (especialmente entre países vizinhos) como Sul-Norte (em particular, a partir dos Estados Unidos e Europa). De qualquer maneira, algumas investigações críticas sobre as políticas e práticas institucionais e as experiências de migrantes (como o artigo de Piscitelli e Lowenkron neste Núcleo Temático) começaram a contribuir para o desvelamento e compreensão de uma prática estatal cujo estudo, até recentemente, também esteve relegado em outros contextos nacionais e regionais, em que a magnitude, brutalidade e espetáculo que adquiriu, impediu que continuasse despercebida. Este artigo, primeiro aborda alguns antecedentes históricos relacionados com as políticas de controle migratório e a instauração da deportação ou expulsão de estrangeiros em diferentes contextos nacionais da América do Sul. Em seguida, o texto mostra, a partir de legislação nacional e estatísticas oficiais, a vigência e persistência que tem a figura da expulsão no contexto regional atual. As duas partes buscam divulgar alguns aspectos históricos e políticos de uma realidade totalmente invisível e silenciada na região sul-americana com o propósito de chamar atenção sobre a necessidade teórica e política de questionar a existência de uma prática estatal arbitrária e violenta surgida em tempos antigos (3).

    AS ORIGENS DO CONTROLE ESTATAL DA "IMIGRAÇÃO INDESEJÁVEL" DURANTE A ÉPOOA DAS "GRANDES MIGRAÇÕES" Na América do Sul, a regulação estatal dos movimentos populacionais, sobre a forma de políticas de "estímulo" e "promoção" da imigração, começou a tomar forma junto ao processo de formação dos Estados-nação no período da independência. No entanto, adquiriu uma natureza mais sistemática no final do século XIX, a partir da consolidação dos Estados-nação, sua inserção no mercado capitalista mundial, e a chegada de numerosos contingentes de imigrantes de além mar. A institucionalização das políticas de fomento da imigração atingiu o seu apogeu no final do século XIX e começos do XX, com a consolidação dos aparelhos administrativo-burocráticos. As experiências nacionais desenvolvidas na América do Sul (e não só as sociedades conhecidas hoje como "sociedades de imigração") mostram que a população que se pretendeu atrair mediante as políticas de incentivo da imigração (com diferentes resultados em cada caso) era a "europeia". Com exceção da Argentina e do Brasil, na maioria dos países da América do Sul as tentativas estatais de promover a imigração e de intensificar os fluxos imigratórios transatlânticos, em particular europeus, não resultou em uma chegada massiva de imigrantes.

    Surgidas num período de políticas de progresso da imigração, as primeiras definições sobre o "imigrante" que apareceram na legislação dos países sul-americanos referem-se à figura do "imigrante desejável" forjada naquela época: trabalhador manual (com exceção do trabalho intelectual representado na figura do "professor") em idade ativa, que dê conta da conduta social e das habilidades ou competências laborais esperadas e tenha vontade de permanecer no país que o recebe. Ao final do século XIX e início do XX começou-se a delinear diferentes critérios de classificação de acordo com o caráter e a duração da permanência no país de destino. Por outro lado, na história de cada sociedade nacional há algum fluxo migratório ou algum fragmento daquela população que serviu para legitimar as medidas de controle instauradas (então aplicadas a outras populações ou grupos de estrangeiros, em longo prazo), além de possibilitar sua criação e aperfeiçoamento. Dois grupos sociais foram objeto de proibição, perseguição, detenção e deportação durante os anos das "grandes migrações": os chineses coolíes e os imigrantes anarquistas. Ambos os grupos têm sido e são fundamentais para a compreensão da gênese e a produção de políticas de controle migratório (4). Do mesmo modo, a história da imigração mostra que as proibições e ingressos e a expulsão ou deportação são dois dos elementos centrais instaurados na produção do imigrante (estrangeiro juridicamente ou não) como sujeito "ilegal".

    Muito antes da região sul-americana ampliar e reforçar as medidas de controle migratório com a volta restritiva dos anos 1930, os imigrantes chineses foram um dos primeiros coletivos de estrangeiros que sofreram as políticas de exclusão estatal devido à sua filiação étnico-nacional. No final do século XIX, nos anos 1880, Estados Unidos e Canadá implementaram leis específicas contra esses imigrantes: a "Chinese Exclusion Act" do ano 1882 ditada nos Estados Unidos e a "Chinese Immigration Act" de 1885 no Canadá. Na América Latina, a preferência pela imigração proveniente da Europa, baseada em políticas de população e no "branqueamento", também gerou em alguns países como Colômbia e Equador a rejeição explícita de estrangeiros originários da Ásia, em particular da China (5). Em diferentes contextos nacionais, as elites não viram a imigração asiática como "vantajosa" ou "conveniente" uma vez que não atendiam à definição de imigrante imaginado como agente de "civilização" e "progresso". Na década de 1880, alguns Estados sul-americanos receptores de imigração chinesa determinaram sua proibição: por exemplo, a Colômbia em 1887 e Equador em 1889.

    As medidas de controle da imigração chinesa em alguns países sul-americanos, mesmo sobre uma política de incentivo ou de promoção da imigração, vão se espalhar, no início do século XX, à população estrangeira em geral, até produzir-se na região, por volta dos anos 1930, com particularidades em cada sociedade nacional, um giro restritivo na regulação estatal da imigração. É nessa época que foram implantadas, e em alguns casos aumentaram, as exigências para ingressar ao "território nacional". Nos anos 1920 a entrada passou a estar subordinada à apresentação do passaporte e de certidões de "bom comportamento" e "boa saúde". Depois, o passaporte começou a incluir fotografia e impressões digitais. Dependendo do país, também exigiam outros documentos como: uma certidão de batismo ou uma constância que comprovasse que o candidato tinha exercido "profissão ou ocupação legal" durante os últimos cinco anos. Na década de 1930, alguns Estados como o colombiano também implementaram um sistema de cotas para restringir a imigração de certas origens nacionais e acrescentaram e especializaram as políticas de visas (com a criação de novas categorias).

    As mesmas políticas de fomento da imigração, cuja definição de "imigrante" supunha certa seleção, continham implicitamente uma fórmula de exclusão: todos os estrangeiros eram bem-vindos, salvo "exceções", representadas pelos imigrantes "indesejáveis" ou que fugiam à definição do "bom imigrante". Com o incremento das exigências burocrático-administrativas para o ingresso, a legislação migratória nacional de diferentes países começou a inserir um conjunto de indivíduos que deviam ser impedidos de entrar. Foram aqueles que não se enquadravam na definição de "imigrante" representada, em geral, na legislação migratória da segunda metade do século XIX. Estes eram os indivíduos que não eram "aptos para o trabalho", ou que poderiam causar "encargos públicos". Paulatinamente, surgiram longas listas de indivíduos ou grupos sociais cuja entrada ao território nacional não era adequada conforme os parâmetros oficiais e, consequentemente, tinha de ser restringida e, em alguns casos, proibida. Essas classificações estatais daquele tempo contidas na legislação migratória que regula a entrada, a permanência e a saída do território nacional concentram de forma paradigmática a figura do imigrante "indesejável", reunindo vários agrupamentos possíveis: os doentes (físicos e mentais), os criminosos e transgressores das leis jurídicas e morais, e os subversivos, incluindo principalmente os anarquistas.

    Nos diferentes países, as proibições ou restrições estabelecidas para o ingresso ao território nacional, além dos limites impostos pela própria definição de imigrante (desejável), estavam influenciadas pelas ideias eugenistas e higienistas características da época (a legislação geralmente indicava os "loucos", "otários", "imbecis", "cegos", "surdos", "mudos", "vagabundos", "incapazes de trabalhar devido à doença ou má condição física", "mendigos profissionais" etc). Por outro lado, a legislação daqueles anos determinada ao controle dos ingressos também incluiu um conjunto de indivíduos que eram considerados como infratores, marginais ou transgressores das leis jurídicas ou morais em consonância com os parâmetros do discurso penal desses tempos: incluindo os que não tinham um "ofício ou profissão honrosa que lhes permita ganhar o seu sustento", as "prostitutas", os "polígamos", aqueles que "traficam com a prostituição" ou "aqueles que se dedicarem ao tráfico de mulheres ou o tráfico de entorpecentes". Outro subgrupo foi constituído por aqueles indivíduos que haviam infringido as condições e requisitos da entrada legal ao território nacional. Finalmente, entre outros estrangeiros "subversivos", os anarquistas, ainda que ocasionalmente aparecessem mencionados de forma explícita, constituíam uma fração dos imigrantes definidos como "indesejáveis".

    A análise histórica mostra que a deportação (6) de estrangeiros, que teve o seu nascimento nesse período, foi configurada em um instrumento de controle social em diferentes sociedades nacionais, especialmente naqueles países que receberam grandes contingentes de imigração, a partir do crescimento e da expansão das lutas e movimentos trabalhistas no mundo, o que provocou a disseminação e consolidação das ideias anarquistas, através da migração (principalmente de italianos e espanhóis) e redes internacionais. Vale notar que, entre outras medidas, duas leis precursoras foram adotadas contra os anarquistas no continente: a Lei de Imigração de 1903 dos Estados Unidos, conhecida como Anarchist Exclusion Act que foi ampliada 15 anos mais tarde, e a Lei de Residência aprovada na Argentina em 1902. A relação entre a deportação e o anarquismo é especialmente importante para a compreensão histórica das políticas de controle migratório sobre a representação hegemônica construída sobre os imigrantes anarquistas como sujeitos "perigosos": ao contrário de outros indivíduos e grupos sociais "indesejáveis", os anarquistas eram portadores e produtores de uma ideologia que desafiou o Estado nacional, as fronteiras políticas, o sistema jurídico; suas ações levaram a uma queixa específica da violência do Estado, instituída como legítima.

    O CONTROLE MIGRATÓRIO E A EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS EM TEMPOS DAS "MIGRAÇÕES GLOBAIS" No começo da primeira década do século XXI foram realizadas algumas reformas na legislação e na política de imigração em distintos países sul-americanos. Essas mudanças ocorreram em um novo contexto regional, onde as ideias de "integração" econômica e política se tornavam cada vez mais fortes, em um momento de reconfiguração da ordem mundial, onde as migrações chegaram a ocupar um lugar privilegiado na agenda internacional. Assim, a diferença das deportações da época das "grandes migrações" é que as atuais são produzidas sobre uma política de integração econômica e política regional, acompanhada da vontade política de avançar na construção de uma "cidadania sul-americana", e um processo de regionalização da política migratória, junto à constituição de um regime global de controle das migrações internacionais a partir do qual se desenvolvem políticas de regulação dos fluxos migratórios impulsionadas por uma tecnocracia apegada a conceitos como "gestão", "administração", "governabilidade" ou "governança". Neste sentido, é necessário entender as deportações como parte significativa de um regime de controle das migrações, que articula "securitização" e "humanitarismo".

    A instauração gradual desse sistema de controle migratório, como sugeri no passado (7), concebeu novas formas de organizar e classificar os fluxos migratórios, modificando os critérios para determinar quais eram os "desejáveis" e "indesejáveis", assim como as renovadas concepções sobre o controle das fronteiras. Durante a segunda metade do século XX, as normas migratórias abandonaram, de certa forma, os critérios de exclusão e discriminação baseados na origem étnico-nacional e, em menor extensão, o ativismo político, evitando nomear explicitamente grupos sociais ou nacionais. Em vez disso, foram adotadas fórmulas mais gerais que protegiam a nação e o território de potenciais "perigos" e "ameaças" de outra índole. A associação entre a migração e a noção de "segurança" foi mantida ao longo do século XX, embora com reconfigurações. Seja denominada como "nacional", "pública" ou "humana", adquiriu novos sentidos e significados e ceifou novas vidas no começou do século XXI. As antigas categorias e classificações de "indesejáveis", tornaram-se, assim, incluídas nas "novas ameaças" estabelecidas pela chamada "comunidade internacional" como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e a migração indocumentada. Nesse sentido, as migrações "ilegais", mais recentemente nomeadas "irregulares", tornaram-se foco das políticas migratórias e seu combate (através de métodos coercitivos, de dissuasão ou consensuais) transformou-se em um dos principais fundamentos do endurecimento dos controles nas fronteiras. Na época atual de "migrações globais", as diferentes formas de expulsão (rejeições na fronteira, devoluções, remoções, retornos "assistidos" e "voluntários") fazem parte das "soluções" reservadas para novos "indesejáveis" que, de acordo com o novo dogma internacional ("migration management", "migration governance" etc), não ofereciam "benefícios" nem "vantagens" ou poderiam constituir algum tipo de "problema" ou "ameaça".

    Os números da deportação, que precisam ser lidos minimamente contemplando a tradição e história nacional em matéria de política de migração, o contexto e a realidade migratória de cada país/região e a nova divisão internacional do controle migratório (com zonas e linhas de demarcação específicas), indicam que essa prática estatal coercitiva está em vigor, com diferentes repercussões e singularidades nas diferentes partes do mundo (8). Na América do Sul, os poucos dados oficiais disponíveis de alguns países sulamericanos (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Equador) sobre rejeições e expulsões ou deportações mostram variações importantes (9). A média anual de expulsões ou deportações varia entre 300 e 3.000 casos dependendo do país e, em grande parte, são baseadas em situações de "irregularidade migratória". Excepcionalmente, nos últimos anos, tem atingido cifras muito mais altas, perto dos 5.000. As cifras das rejeições apresentam grandes diferenças: de acordo com o ano e país, variando de 100 a mais de 10.000. Alguns países têm uma maior concentração de expulsões ou deportações, enquanto outros de rejeições. No âmbito sul-americano, onde predomina a migração intrarregional, o maior número de imigrantes expulsos ou deportados é formado por pessoas oriundas dos países limítrofes que são, não por acaso, os que exportam também o maior número de imigrantes para o continente sul-americano. Na Argentina, entre as medidas de expulsão impostas durante o período 2009-2014 destaca-se o número de estrangeiros com nacionalidade paraguaia, boliviana e peruana. Na Bolívia, quase a metade dos estrangeiros deportados entre 2007 e 2010 são de nacionalidade peruana. No Equador, a maior quantidade de deportações entre 2006 e 2011 corresponde a cidadãos colombianos e peruanos; juntos atingem quase a totalidade. As rejeições (ou "exclusões" como são chamadas em alguns países andinos) mostram uma diversificação maior. Regionalmente, entre os grupos nacionais que prevalecem nas estatísticas de rejeições e expulsões ou deportações, além dos estrangeiros de países limítrofes, são os colombianos, chineses, cubanos, haitianos e dominicanos. A Colômbia constitui-se, em certa medida, uma exceção. Os países sul-americanos representam em torno de 12% do total e o maior número de deportados, expulsos e rejeitados não vem de um país limítrofe: os cubanos são amplamente o grupo nacional mais afetado. De qualquer maneira, os equatorianos tem o maior peso relativo sobre o total regional.

    A outra cara das deportações na região é a que revela aquelas feitas a partir da região do Atlântico Norte, principalmente desde os Estados Unidos e Europa, num contexto de migração Sul-Norte. Os "repatriados" e "removidos" de países sul-americanos possuem, em comparação com as outras regiões do mundo, uma participação baixa no total das deportações anuais executadas pelo governo dos Estados Unidos, mas em termos absolutos existem mais de 10.000 casos por ano envolvidos (pelo menos, nos últimos 10 anos). Os nativos brasileiros, colombianos e equatorianos são os mais afetados pelas deportações. Junto aos peruanos nativos, em 2010 representaram cerca de 83% do total de cidadãos sul-americanos deportados. Em relação à Europa, a agência de estatística Eurostat publica, desde 2008, dados sobre a população em situação migratória irregular, ordens de expulsão, expulsões e rejeições no ingresso por ano e país da União Europeia, mas evita dar detalhes sobre a nacionalidade ou os países de proveniência dos estrangeiros afetados por essas medidas. De qualquer maneira, os registros dos países de origem dos deportados possibilitam uma aproximação a essa realidade. O Boletim Mensal de Estatística de Migração Colômbia indica que o país europeu que produziu a maior quantidade de deportações de colombianos no ano 2012 foi Espanha (368 no total), ficando atrás dos Estados Unidos e Equador (895 e 509, respectivamente). Segundo os dados da memória anual da Direção Nacional de Migração para 2008, a Espanha realizou em torno de três quartos de todas as deportações para a Bolívia, seguida dos Estados Unidos. De acordo com a informação estatística produzida pela Direção Nacional de Migração do Equador, Espanha, França e Holanda são os três países europeus que reúnem o maior número de deportações de cidadãos equatorianos no período 2003-2007. Em geral, os números são de dois dígitos, mas em 2003 gerou-se a maior quantidade de deportações em um ano, causando somente o governo espanhol um total de 1.825 das 4.104 deportações anuais (10).

    Por outro lado, nos últimos dez anos foram aprovadas novas leis migratórias na Argentina, Uruguai e Bolívia e tem sido desenvolvidos diversos anteprojetos de lei que ainda estão em discussão no Chile, Brasil e Equador. Outros países, como a Colômbia, têm modificado os regulamentos migratórios existentes ou emitiram normativas adicionais. Com importantes diferenças entre países, as novas leis ou anteprojetos de lei diferem, em grande medida, da herança deixada pelas ditaduras militares da região sobre política migratória, esquecendo algumas normas que criminalizam a imigração e introduzindo outras que reconhecem explicitamente determinados direitos aos imigrantes e ao Estado como sua garantia (11). No entanto, essas reformas não atingiram o núcleo duro da "visão de Estado" em matéria de migração. A regulamentação estatal da migração e das vidas dos migrantes continua sujeita ao ingresso e residência legais, com garantias mínimas para aqueles que estão em uma "situação migratória irregular". A expulsão do território nacional, entre outros instrumentos de controle social dos estrangeiros, subsiste como figura legal e prática estatal legítima. A noção de "irregularidade migratória" e suas diversas modalidades estão sempre entre as principais causas de inadmissibilidade, expulsão ou proibição de (re)ingresso. A figura da expulsão (junto à "expulsabilidade") revela a "dupla pena" (12) a que estão expostos os imigrantes estrangeiros além de sua situação jurídica e administrativa: a imigração é apresentada ali como "falta", como o primeiro crime cometido, e a condição de imigrante como "agravante" das infrações cometidas. A ideia de que os sujeitos "expulsáveis" ou que podem tornar-se objeto de expulsões são aqueles "imigrantes que cometem crimes", que violam as normas jurídicas estabelecidas, tem gerado uma ampla aceitação das medidas de expulsão - uma prática política escondida, negada, disfarçada - entre distintos atores e setores da sociedade.

    Em termos gerais, na região sul-americana a inovação jurídica mais relevante destes últimos anos corresponde ao processo administrativo da expulsão: as novas leis ou anteprojetos de lei concebem a intervenção do poder judiciário e o "devido processo". Enquanto os procedimentos não transgridam, a normativa migratória não é interpretada de forma distorcida ou não manifesta qualquer irregularidade ou arbitrariedade em sua aplicação, essas práticas de controle migratório, com algumas exceções, geralmente não são questionadas pelas organizações defensoras dos direitos dos imigrantes. Em outras palavras, o seu horizonte utópico é limitado para que as expulsões ocorram com garantias judiciais e que os procedimentos não transgridam os direitos estabelecidos por lei. As únicas expulsões que têm sido expressamente condenadas são aquelas de caráter coletivo ou que envolvem crianças e jovens. Em vez disso, as campanhas ou mobilizações contra a deportação que têm sido desdobradas em contextos onde as detenções e expulsões adquiriram outras dimensões, supõem reivindicações que implicam em uma impugnação dessa prática estatal validada diariamente, porque compreendem que a mera existência da figura da expulsão ou deportação é constitutiva dos processos de criminalização da imigração e obriga aos imigrantes demonstrarem permanentemente que são bons imigrantes" e que merecem um lugar na sociedade receptora

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Em 2012, com financiamento da Secretaria de Ciência e Tecnologia da Universidade Nacional de Córdoba, a equipe de investigação começou a trabalhar sobre esta preocupação num projeto coletivo intitulado "Migraciones y políticas de control en América del Sur: retorno, legalización y expulsión". Dois anos depois, o projeto foi renovado sob o título "Migraciones y políticas de control: prácticas institucionales y experiencias sociales".

    2. Ver Sánchez Alonso, B. "La época de las grandes migraciones: desde mediados del siglo XIX a 1930". In: Mediterráneo Económico, 1, 2002.

    3. Ao longo do artigo usamos indistintamente os termos como expulsão e deportação. Na normativa migratória de alguns países, no entanto, são usadas distintas categorias para nomear um mesmo processo de coerção estatal consistente em remover cidadãos estrangeiros do território nacional.

    4. Entre os poucos trabalhos existentes de corte histórico que se concentraram nas práticas estatais de controle migratório em países sulamericanos, estão Cook-Martín, D. "Rules, red tape, and paperwork: the archeology of state control over migrants". In: Journal of Historical Sociology, 21 (1), 2008; Ramírez, J. Ciudad-Estado, inmigrantes y políticas. Ecuador, 1890-1950. IAEN, Quito, 2010.

    5. Outro dos grupos étnicos perseguidos, cujo ingresso foi proibido, é "os ciganos". Na década de 1930, começam a aparecer nas listas de "indesejáveis" da legislação migratória de alguns países da América do Sul. Assim aconteceu na Colômbia no ano de 1936, na Bolívia em 1938 e no Equador em 1938 e 1940.

    6. Na América Latina, entre seus primeiros usos, a noção de deportação era usada para descrever o exílio de opositores políticos (em tempos de formação dos Estados-nação) e era aplicado como castigo. Para uma revisão das formas históricas de expulsão e a prática moderna da deportação, ver Walters, W. "Deportation, expulsion, and the international police of aliens". Citizenship Studies, 6(3), 2002.

    7. Domenech, E. "La agenda política sobre migraciones en América del Sur: el caso de la Argentina". In: Revue Européenne des Migrations Internationales, 23 (1), 2007.

    8. Em geral, a informação estatística oficial sobre deportações é incompleta, descontínua, fragmentada e dispersa. Também, é muito pouco desagregada (geralmente são apresentados dados gerais, sem a distribuição por idade, sexo ou motivo da rejeição ou expulsão) e é difícil de encontrar. Os dados disponíveis e as diferentes formas e categorias para juntá-los tornam impossíveis as comparações. Em qualquer caso, servem para conhecer a magnitude do fenômeno, estabelecer alguns contrastes e mostrar tendências ou padrões.

    9. As flutuações ou variações nos níveis e quantidades não necessariamente supõem uma diminuição ou um aumento das práticas de deportação. Em alguns casos, podem estar relacionadas a questões metodológicas.

    10. Também a região da América Central e o Caribe tem uma alta participação no total de exclusões e deportações de cidadãos equatorianos.

    11. De modo algum quero sugerir que nas atuais formulações de leis e políticas é substituído um enfoque de "segurança" por outro de "direitos", mas que são produzidas novas articulações entre migração, seguridade e direitos. Para dar conta dessa articulação propus a noção de políticas de "controle com rosto humano". Ver Domenech, E. '"Las migraciones son como el agua': Hacia la instauración de políticas de control con rostro humano. La gobernabilidad migratoria en la Argentina". In: Polis. Revista Latinoamericana, 35, 2013.

    12. Sayad, A. La doble ausencia. De las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Anthropos, Barcelona, 2010.

     

     

    (*) Artigo original em espanhol traduzido por Marcela Salazar Granada