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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000200019 

    CULTURA

     

    Hilda Hilst em revista: escritora, que faria 85 anos em 2015, ganha exposição e reedições

     

     

    Mariana Garcia de Castro Alves

     

     

    Ao lembrar que Machado de Assis foi fortemente contestado em sua época, o poeta e linguista Carlos Vogt disse que dificilmente um escritor é compreendido o bastante para ser elevado à categoria de clássico por seus contemporâneos. "Mesmo a grande obra só ganha plenitude e elevação quando a vida é aplainada pelos biógrafos", afirma Vogt nos Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles (1999), em número dedicado a Hilda Hilst. E o caso da escritora parece ser bem esse. Hilda Hilst transitou pela poesia, prosa e teatro e teve sua obra reconhecida por críticos importantes como Leo Gilson Ribeiro (1929-2007) que a considerava detentora da "mais deslumbrante prosa poética do Brasil posterior a Guimarães Rosa". Contudo, apesar da aprovação por parte da crítica especializada, Hilda não teve a repercussão que merecia enquanto ela era viva. Falecida em 2004, aos 73 anos, seu trabalho foi editado com distribuição relevante a partir de 2001, quando a Editora Globo relançou suas obras reunidas em vinte volumes. Antes disso foram apenas edições com distribuição limitada, como os belíssimos livros publicados pelo artista e editor Massao Ohno ou as edições da Nankin, também uma casa de pequeno porte, e da Brasiliense, nos anos 1980. Hoje, pouco mais de dez anos após sua morte, encontrar um livro da poetisa ficou mais fácil. Em dezembro de 2014, a Editora Globo lançou mais um livro intitulado Pornô chic. A edição reúne os quatro títulos da Trilogia obscena (O caderno rosa de Lori Lamby, Contos d'escárnio: textos grotescos, Cartas de um sedutor e Bufólicas),além do inédito Fragmento pornográfico rural.

     

     

    AMPLIAÇÃO De acordo com Daniel Fuentes, presidente do Instituto Hilda Hilst, entre abril de 2013 e 2014, as vendas dos livros aumentaram 100%. Em entrevista para o jornal O Estado de S.Paulo, ele estimou um crescimento de outros 60% no mês de março de 2015, números que mostram que o interesse por Hilda Hilst e sua obra aumentaram. Uma biografia está sendo escrita, mas nome do autor é guardado em segredo por Fuentes, que também é responsável pela gestão dos direitos autorais da escritora. Na área do audiovisual, dois filmes sobre a obra da autora estão em fase de produção.

    De fevereiro a abril de 2015, esteve em cartaz no Itaú Cultural (na capital paulista), a exposição Ocupação Hilda Hilst, com centenas de anotações, desenhos e originais pertencentes ao acervo do Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (Cedae), ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e ao Instituto Hilda Hilst, que fica na Casa do Sol, uma chácara nos arredores da cidade de Campinas, onde Hilda morou de 1964 até sua morte. A mostra reproduziu o ambiente interno da Casa do Sol, com suas paredes cor de rosa onde foram penduradas molduras de pessoas admiradas pela escritora e que ela costumava chamar de "amados", como Freud, Emily Dickinson, Ludwig Wittgenstein, Kafka, Sartre, Caio Fernando Abreu, Lygia Fagundes Telles e Apolônio de Almeida Prado Hilst, pai de Hilda. A intenção da mostra foi reproduzir o cotidiano da escritora, trazendo suas referências, anotações, registros e desenhos. O ambiente foi concebido para que o visitante pudesse ler e reler as muitas obras, em uma tentativa de atender o grande desejo de Hilda: ser lida.

    Para Luisa Destri, doutoranda em literatura brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e que organizou a antologia Uma superfície de gelo ancorada no riso (Globo, 2012), existe uma mitologia em torno de Hilda Hilst que consolidou uma ideia de que sua obra é difícil e hermética. Na opinião dessa pesquisadora, "iniciativas como a Ocupação Hilda Hilstpodem gerar uma aproximação do público como o autor. A mostra foi como uma porta de entrada para o universo dessa autora, não só para seus livros, mas para seu cotidiano e sua intimidade", acredita a pesquisadora.

     

     

    Hilda deixou a cidade de São Paulo no fim dos anos 1960 para viver reclusa na Casa do Sol, rodeada de cachorros - eram quase 100 - onde passou a se dedicar integralmente à literatura. "A mudança de Hilda para Campinas representa um ponto de virada na sua vida e também na sua produção literária. Há referências concretas à Casa do Sol em sua obra, mas o lugar tem também uma importância simbólica", aponta Destri. "Hilda tinha um projeto muito consciente de criação literária quando se mudou para Campinas. Tinha metas e desejos que buscou cumprir naquele espaço", diz. Apesar de viver distante de grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, ela não vivia isolada, ao contrário. A Casa do Sol era também uma casa de muitos encontros, com outros escritores, poetas, músicos.

    L0NG0 CAMINHO A despeito das iniciativas em torno da obra de Hilda Hilst, ainda não se pode dizer que sua obra seja lida pois não é uma autora comprada pelos governos para compor o acervo de escolas e bibliotecas, por exemplo. Ademais, na espetacularização da literatura, muitas vezes interessam mais as excentricidades do artista que as implicações estéticas da obra. Para Alcir Pécora, professor de teoria literária na Unicamp, a imagem de mito excêntrico construída em torno de Hilda pode ter obscurecido a importância literária de sua obra.

    Sua "virada" para a pornografia é emblemática no sentido de mostrar que a autora pode ainda não ser bem compreendida. No final dos anos 1980, Hilda anunciou que, a partir daquele momento, só escreveria bandalheiras. A declaração foi uma forma de chamar atenção, explicitando um desejo recorrente: ser lida. Entretanto, a partir daí, sua obra passou a ser vinculada a uma literatura menor. E não é difícil ainda encontrar menções na imprensa que fazem essa associação. Com preocupações metafísicas e, ao mesmo tempo, obscena na transgressão, Hilda ainda tem um longo caminho a trilhar.

    Independentemente disso e dos eventos que divulgam seu trabalho, o bom mesmo seria poder voltar à primeira experiência de leitura, recuperar o impacto do contato inaugural com o texto de Hilda Hilst, em águas "às vezes lodosas, às vezes claras", como disse uma vez o jornalista e escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996). Águas nas quais a poeta nos lança, sem perdão, como se jogasse "nenúfares num tanque de águas podres".