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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.3 São Paulo July/Sept. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000300003 

    BRASIL
    POLÍTICA DE C&T

     

    Estamos vivendo um processo de "descerebramento"?

     

     

    Victória Flório

     

     

    Recentemente, a brasileira Mariana Vasconcelos recebeu uma bolsa para estudar no Vale do Silício, Califórnia, em uma instituição ligada à Agência Espacial Americana, Nasa. Ela foi selecionada entre mais de 500 participantes do mundo todo pela criação do aplicativo Agrosmart, que otimiza o consumo de água na irrigação agrícola. Em 2013, o aplicativo Hand Talk - que traduz conteúdos do português para Libras (Língua Brasileira de Sinais) - criado pelo cientista da computação Ronaldo Tenório, foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), como melhor aplicativo do mundo na categoria inclusão social. Seria o reconhecimento internacional de jovens como Mariana e Ronaldo um impulso para que cientistas e aspirantes à carreira científica busquem outros países como via de acesso ao competitivo mundo acadêmico e ao mercado de trabalho internacional? Segundo pesquisa publicada pela Belta 2015 (Brazilian Educational & Language Travel Association), o número de brasileiros estudando no exterior aumentou 500% na última década. Só em 2014, mais de 230 mil jovens foram estudar fora do país (em 2013 eram 34 mil). Muitos deles têm o sonho de construir uma carreira internacional, seja na academia ou no mercado de trabalho. Em entrevista para o portal UOL (2014), Carlos Hauer Junior, presidente do Student Travel Bureau (STB), a fuga de cérebros brasileiros tende a aumentar em 50% nos próximos cinco anos. Apesar de ser uma pergunta cuja resposta envolve muitos fatores, ela surge, mais uma vez, incômoda: há atualmente uma fuga de cérebros no Brasil?

     

    Fuga de cérebros?

    Em 1968, quando o físico brasileiro Moysés Nussenzveig alertava os participantes do Primeiro Congresso Latino-Americano de Física (no México) sobre a evasão de cientistas, já usava a expressão "brain drain", fuga de cérebros. Preocupado com o número de pesquisadores brasileiros no exterior, Nussenzveig fez um esforço para apontar as causas do êxodo: a falta de autonomia financeira e estrutura das universidades (eram, então, 40 universidades no Brasil, mais da metade, federais) seriam os principais responsáveis. Segundo o físico e historiador da ciência, Olival Freire Júnior, pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovacão da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na década de 1960 tivemos uma nítida fuga de cérebros no Brasil. Cientistas como Sergio Porto, Leite Lopes, Cerqueira Leite, Moysés Nussenzveig, entre outros, saíram do país porque as condições materiais não eram favoráveis, um cenário que foi agravado pelos problemas políticos impostos pelo Golpe de 64. Em 1966, houve até uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado para apurar a evasão de cientistas.

    A despeito do chamado "milagre econômico" da década de 1970 ter motivado a volta de muitos pesquisadores, nas décadas seguintes, com aumento da inflação, crise econômica e desesperança, a evasão voltou a aumentar. De acordo com dados do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela), com sede em Caracas, entre 1990 e 1997 houve um aumento percentual de 242% no número de brasileiros qualificados vivendo em países ricos, o segundo maior aumento registrado entre os países da América Latina no período (no México o aumento foi de 270%). Os dados foram publicados pela BBC Brasil, em 2009.

    Em 2012, o então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antônio Raupp, alertava, em matéria da revista Exame, sobre a necessidade de se criar políticas públicas que impedissem a fuga de cérebros do país. Naquele ano, o Brasil estimava enviar, somente para os Estados Unidos, cerca de 20 mil pesquisadores - entre alunos de graduação e pós-graduação. Para Freire, a evasão pode ser um momento de crise ligado a fatores na economia, mas é difícil imaginar que os cientistas que estão deixando o país não vão voltar.

     


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    Brasileiros sem fronteiras

    Segundo estudo da OCDE, o investimento do Brasil por aluno no ensino superior é de US$11 mil. O valor é menor na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), menos de US$1 mil por aluno. Os EUA, por exemplo, investem anualmente, em média, US$26 mil por estudante e em P&D são US$3 mil por aluno. Esse investimento em P&D nas universidades representa um grande diferencial para estudantes brasileiros. Foi o que atraiu o físico paraense Cássio Sozinho Amorim, pesquisador e bolsista da Japan Society for Promotion of Science, que está no Japão desde 2008. Amorim acredita que existe reconhecimento no Brasil, mas em se tratando de recompensas financeiras fica um pouco a desejar. Ele conta que em países como China e Japão, essa questão funciona de modo totalmente diferente, porque um indivíduo não deve se destacar muito mais do que o grupo. Já Tábata Amaral de Pontes escolheu Harvard, nos EUA, para cursar ciência política. Ela foi aprovada com bolsa integral em seis universidades norte-americanas.

    Durante o ensino médio Tábata atuou como co-fundadora do VOA, um projeto educacional na Grande São Paulo, que prepara alunos de escolas públicas para olimpíadas científicas. Ela acredita que essa iniciativa ajudou seu ingresso em Harvard porque eles valorizam habilidades como liderança, iniciativa etc, que não são levadas em conta nos processos seletivos das universidades brasileiras. Quando voltar ao Brasil, a jovem cientista pretende usar a experiência no exterior para transformar a educação no país, seu maior sonho. Recentemente, ela ajudou a fundar o Mapa do Buraco, movimento que busca engajar o jovem no debate nacional sobre educação.

     

    Atraindo talentos

    Países desenvolvidos têm um bom percentual de sua população universitária estudando fora, mas, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em média, os países desenvolvidos receberam três universitários estrangeiros para cada estudante nacional que saiu para estudar fora. Na Austrália esse número é 18:1, no Reino Unido 13:1, nos EUA 11:1, enquanto que, no Brasil, há menos de um estudante estrangeiro para cada estudante que deixa o país. Um dos motivos para isso é o fato das universidades brasileiras não adotarem o inglês como língua oficial nos cursos. O governo federal e a iniciativa privada têm feito esforços para atrair estudantes internacionais. Uma parceria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Itamaraty e de universidades brasileiras oferece bolsas de estudo para estudantes estrangeiros, mas atrai especialmente o público latino-americano. É o caso do colombiano Olmar Gómez que escolheu a Universidade Federal da Bahia (UFBA) para fazer o doutorado em matemática. Ele conta que uma das maiores dificuldades que enfrenta aqui é ter que se dedicar exclusivamente ao doutorado, condição imposta aos bolsistas. "Na área de ensino é desejável que a gente dê aulas ao mesmo tempo em que pesquisa. Mas, por outro lado, a bolsa e a dedicação exclusiva refletem diretamente na qualidade da minha pesquisa". Na Colômbia, os estudantes de doutorado não recebem bolsa. Ele teria que desembolsar entre R$ 60 mil e R$ 100 mil reais para concluir o doutorado.