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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.3 São Paulo jul./set. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000300004 

    BRASIL
    POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA

     

    Espaços científicos e culturais ainda concentrados nas capitais e voltados para o público escolar

     

     

    O Brasil é, hoje, a sétima maior economia e está entre as 15 nações com maior produção científica do mundo, liderando na América Latina. No entanto, ainda, precisa avançar no que diz respeito à transferência de conhecimento para a população. Os locais de interação pública com conteúdos relacionados à ciência, tecnologia e ao conhecimento de modo geral têm melhorado, mas ainda se espalham de modo heterogêneo pelo território nacional. A grande concentração de espaços científicos e culturais nas capitais, mesmo que isso seja coerente com a distribuição urbana da população, deixa ainda a maioria dos municípios sem acesso ao que é produzido pelas instituições de pesquisa e ensino. "Hoje, os principais centros e museus de ciência estão localizados nas grandes capitais, o que é resultado da nossa própria história. Mesmo vivendo um processo de interiorização das universidades, ainda não temos a mesma proporção com a criação desses espaços. O interior carece de espaços científicos e culturais", afirma Carlos Wagner, presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC). A afirmação é reforçada pelos dados da pesquisa "Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil" (MCTI, 2010), que mostra que entre as razões para não visitar ou participar de eventos científicos, 36,8% dos entrevistados disseram que não existem iniciativas do tipo em suas regiões".

     

     

    Segundo a última edição do guia Centros e Museus de Ciência do Brasil 2015, organizado pela ABCMC, Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Museu da Vida da Fiocruz, e atualizado em 2015, existem 268 espaços científicos e culturais no país, dentre os quais estão os centros e museus de ciência, jardins botânicos, planetários e observatórios, zoológicos e aquários. Este número equivale a 7,5% dos 3585 museus atualmente cadastrados no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), do Ministério da Cultura.

     

    Levantamentos uniformes

    A expectativa é que esse número cresça nos próximos anos, seja pela abertura de novos espaços, seja pela identificação e cadastramento de instituições já existentes, mas, sobretudo, pela colaboração entre referências nacionais de cadastros que possam unificar esses dados. As estatísticas ainda são discrepantes, como detectou o guia do Ministério da Cultura em relação ao número de museus brasileiros disponíveis em levantamentos internacionais. Segundo dados do Instituto Latino-Americano de Museus (Ilam), por exemplo, o Brasil possui 249 instituições científicas (museus e centros de C&T, jardins botânicos, aquários, observatórios e planetários), mas os números são bastante incompletos para jardins botânicos (10), quando existem 34 cadastrados na Rede de Jardins Botânicos do Brasil; e apenas 49 zoológicos e aquários, enquanto a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil registra 124; e meros 4 planetários e observatórios, versus os 44 - de diferentes portes, incluindo os móveis - listados pela Associação Brasileira de Planetários, sem contar os observatórios que podem chegar a 82, de acordo com levantamento dos astrônomos Priscila Oliveira e Irineu Varella, incluindo aqueles de universidades e escolas, públicas e particulares.

     

     

    "A quantidade [de centros e museus de ciência] ainda é muito pequena para um país de dimensões continentais como o nosso. Além disso, alguns se encontram fechados e muitos dos centros e museus são bem pequenos e específicos", comenta Roseli de Deus, ex-diretora (2008-2010) da Estação Ciência, da Universidade de São Paulo (USP), e coordenadora geral da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace).

     

    Desafios a superar

    Um exemplo bem sucedido é o museu da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Espaço do Conhecimento, inaugurado em 2010 e que no ano passado recebeu quase 70 mil visitantes, 80% dos quais espontâneos. Dentre as estratégias adotadas por esse museu, que se diferenciam da maioria de outros espaços similares, está o fato de possuir parceria com a iniciativa privada, estar localizado em área central, externa ao campus da instituição, e ser pensado, sobretudo, para o grande público e não para as escolas. "Enquanto outros centros e museus de ciências se esvaziam durante as férias escolares o nosso cresce de 2 a 3 mil visitantes", festeja René Lommez, diretor científico culturaldo museu mineiro, localizado em local privilegiado, na Praça da Liberdade em meio ao circuito de 12 espaços culturais de Belo Horizonte. Entretanto, mesmo almejando que seu público continue crescendo, o diretor confessa que há um limite de capacidade na infraestrutura atual, como ocorre em boa parte dos museus e centros brasileiros. Geralmente, as instituições estão abrigadas em edifícios provisórios ou antigos e que não foram projetados para esse objetivo. A diretora da Febrace concorda que a maioria dos centros e museus de ciências tem foco no público escolar e que lidar com o público geral envolve outros desafios. "Além do atendimento aos finais de semana para atrair visitantes, são necessários maiores investimentos para oferecer novidades, programações especiais e um trabalho mais estruturado e intenso de comunicação direcionado para os públicos que se quer atingir", elenca. E lidar com o chamado público espontâneo exige estabilidade financeira para planejar diferentes estratégias de ação.

    A Estação Ciência, tradicional museu de ciências da USP, fechou as portas para visitação pública há cerca de dois anos, por problemas estruturais, mantendo apenas uma exposição - Estação Natureza -, externa ao prédio, para visitas agendadas com escolas. Nesse meio tempo, temeu-se que a estação também encerrasse suas atividades. Michel Sitnik, analista de comunicação da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, responsável pela Estação Ciência, afirma que o museu deverá voltar à ativa em breve. Nos dias 10 e 11 de julho ocorreu o evento "Ciência à Vista: I Seminário Internacional de Políticas Universitárias de Difusão Científica" reunindo especialistas em museus de ciência, brasileiros e estrangeiros, para discussão de novas estratégias que garantam, não apenas a continuidade de um espaço tradicional em São Paulo, mas sua inovação, modernização e sustentabilidade.

    Na Bahia, um decreto (nº 14.719) de 2013 determinou que um dos museus pioneiros no país, o Museu de Ciências da Bahia, fosse transferido da Secretaria de Educação para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), o que provocou mobilização da comunidade científica em função da incerteza sobre a mudança do acervo (fechado para visitação escolar desde 2010) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) para o Parque Tecnológico. Ainda sem nenhuma posição oficial, há sinalização para a recuperação e reabertura do museu, com investimentos em novos espaços. Em ano de crise, esta parece ser uma boa notícia.

     

    Financiamento

    Em artigo de 2004 (Jornal da Ciência da SBPC, nº 535, 2004.) Pedro Muanis Persechini e Cecília Cavalcanti afirmam que o primeiro edital público para centros e museus de ciência foi lançado pelo CNPq no final de 2003, destinando R$4 milhões a esses espaços, recursos que foram disputados por cem instituições de todo o Brasil. Até 2005, essas instituições tinham na Fundação Vitae (1985-2005) sua maior fonte de financiamento. Em um período de 20 anos, a Vitae investiu, conforme apontam os autores, 98,7 milhões em popularização da ciência, sendo responsável pela criação e expansão de muitos dos centros e museus de ciência atualmente existentes no país, como é o caso do Espaço Ciência, em Pernambuco, e da Seara da Ciência, no Ceará. Atualmente, muitas dessas instituições são ligadas a universidades públicas e dependem da abertura de editais para tocarem seus projetos, já que a universidade arca apenas com os custos de manutenção desses espaços.

    O diretor do Espaço do Conhecimento da UFMG lembra que, muitas vezes, os editais não atendem a todas as necessidades do museu, por exemplo para continuidade de exposições permanentes, e que seria preciso criar um dispositivo novo, que atendesse essas demandas. "Muitos editais estão baseados na ideia da interatividade como prioridade dos museus e não promovem a proteção e promoção do patrimônio científico", lamenta. Talvez esteja aí a mudança da percepção do que seja um museu que, ao contrário da imagem tradicional de um espaço de acervos e coleções de objetos antigos relevantes, seria um local moderno que promove interações com objetos eletrônicos, inovadores, mesmo que muito mais caros para se manter e que se desatualizam rapidamente. Para Wagner, da ABCMC, os investimentos são sempre insuficientes e seriam necessários mais editais voltados para a popularização da ciência. "Investimentos deveriam ser parte da política de Estado. O cenário atual é de cortes, o que desestabiliza a gestão dos espaços [de ciência e conhecimento]. Construir é mais fácil do que manter", finaliza.

    Outro desafio para essas instituições é a formação da equipe, incluindo aí os próprios diretores de museus que, muitas vezes, dividem as tarefas do museu com as de docente universitário. Hoje, existem cinco cursos de pós-graduação em museologia no país (três mestrados, um doutorado e dois mestrados profissionais), de acordo com a Capes, apenas um voltado para a área de preservação de acervos de ciência e tecnologia, do Museu de Astronomia (Mast), que ainda aguarda homologação. "Hoje, precisamos ainda de mais formação continuada e permanente dos profissionais e que a população se aproprie desses espaços. Precisamos tornar públicos esses ambientes", defende o presidente da ABCMC, com a concordância do diretor do museu da UFMG.

    Para Roseli de Deus, da USP, apesar do engajamento das equipes de museus no país, é preciso investir em profissionalização, ampliar o público e firmar parcerias público-privadas de modo a garantir a sustentabilidade e a atualização das instituições. "Estes espaços precisam ser inseridos em políticas de Estado, enquanto espaços de educação não formal, de grande importância tanto para o público escolar como para o público geral", defende.

     

    Germana Barata
    Colaboração Giselle Soares