SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.67 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.3 São Paulo jul./set. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000300006 

    MUNDO
    MUDANÇAS CLIMÁTICAS

     

    Causas semelhantes, impactos diferentes

     

     

    Leonor Assad

     

     

    No domingo 14 de junho de 2015 a cidade de Tbilisi, capital da Geórgia, amanheceu em situação desastrosa. Leões, ursos, tigres e um hipopótamo vagavam pelas ruas cobertas de lama e detritos. Dezenas de casas e carros estavam danificados. Durante a madrugada, uma chuva intensa, que durou cerca de cinco horas, transformou o pequeno córrego que atravessa a cidade em um rio caudaloso. As águas destruíram o zoológico local, muitos animais escaparam e outros tantos morreram. As inundações mataram pelo menos 16 pessoas. Em maio, temperaturas próximas de 45º C, que atingiram a Índia durante semanas, mataram mais de 2,2 mil pessoas. No mesmo mês, ao menos 31 pessoas morreram em consequência de tempestades que devastaram partes dos estados do Texas e de Oklahoma, nos Estados Unidos, e o norte do México. No final de abril, fortes chuvas que caíram em Havana, Cuba, deixaram três mortos e mais de 10 mil desabrigados. No Brasil, em junho as cheias nos rios Solimões e Negro atingiram seu maior nível em 100 anos, colocando Manaus e outros 43 municípios em situação de emergência, complicando o dia a dia de mais de 400 mil pessoas no Amazonas.

     

     

     

    Fenômenos extremos

    Dados do EM-DAT, um banco de dados internacional sobre as catástrofes naturais, apontam que nos últimos 115 anos ocorreram no mundo mais de 500 eventos com temperaturas extremas (ondas de frio ou de calor intenso e condições severas no inverno), que mataram quase 174 mil pessoas no mundo. Mantido desde 1988 pelo Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (Cred, na sigla em inglês), o EM-DAT contém dados sobre mais de 18 mil desastres ocorridos no mundo a partir de 1900. Nele constata-se também que, até hoje, ocorreram cerca de 660 eventos de seca severa e mais de 3,7 mil tempestades com grandes danos, que causaram mais de 13 milhões de mortes e afetaram mais de três bilhões de pessoas.

     

    Sem fronteiras

    De acordo com Carlos Afonso Nobre, doutor em meteorologia e um dos autores do 4º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um estudo recente procurou olhar até que ponto o aquecimento global poderia explicar alguns dos eventos extremos no tempo e no clima que têm ocorrido nos últimos anos: "Chegaram à conclusão de que - o que é intuitivamente esperado - cerca de 70% das recentes ondas de calor podem ser atribuídas parcialmente ao aquecimento global, já que o planeta está inequivocamente mais quente, o que leva à ocorrência de mais ondas de calor". No entanto, o pesquisador acrescenta: "chegaram à conclusão de que 18% dos recentes eventos extremos se devem parcialmente ao aquecimento global". O que chama a atenção é que isso está sendo observado com um aquecimento médio de 0,8º C. Nobre salienta que os especialistas estimaram que, para um aquecimento de 2ºC, mais de 50% das secas extremas estariam ligadas ao aquecimento global. Ou seja, a continuidade do aquecimento global fará aumentar a frequência e a intensidade de eventos extremos meteorológicos e climáticos.

    Nobre, que é membro do World Climate Research Programme (WCRP), afirma que a atmosfera desconhece fronteiras e barreiras e conecta todas as regiões do planeta. "Muitas vezes uma perturbação atmosférica em uma região propaga-se como uma onda afetando outras regiões, em alguns casos, bem distantes. O exemplo mais conhecido dessa interconectividade é o fenômeno El Niño". O El Niño é caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, e que pode afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento a nível mundial. As chuvas normais que ocorrem sobre o Pacífico Ocidental se deslocam para o centro do oceano e modificam as circulações atmosféricas em escala global. A onda de calor na Índia, por exemplo, é atribuída ao atraso do início das chuvas intensas de verão, as chamadas chuvas monçônicas. Há um El Niño em curso e este pode estar relacionado à recente onda de calor na Índia.

    Mas o fato de que a atmosfera interconecta as perturbações de modo global não explica que extremos climáticos, que aconteçam simultaneamente em regiões distantes entre si, estejam correlacionados. A não ser para fenômenos mais conhecidos, como o El Niño, em geral é difícil atribuir causalidade para esses eventos como, por exemplo, relacionar a onda de calor na Índia com as chuvas excessivas em estados do sul dos EUA. Outro aspecto importante é que esses eventos extremos podem ocorrer em qualquer parte, independentemente de região ou país, como se viu recentemente. Mas a forma como as pessoas são afetadas por esses eventos e a capacidade que essa população local tem de se recuperar são diversas.

     

    Vulnerabilidade e resiliência

    A carioca Tânia Barreto estava em Houston, no Texas, na noite de 23 de maio, quando seu celular disparou uma série de alarmes anunciando risco iminente de enchente. Instalada em uma casa de um bairro próximo ao Brays Bayou, um canal que atravessa a cidade, Tânia não se deu conta da gravidade do risco. Na manhã do domingo, 24 de maio, o caos estava instalado. O canal havia transbordado em consequência de uma chuva que não se registrava há 40 anos: foram 250 milímetros em três horas. Na quinta-feira que se seguiu à inundação do Brays Bayou, o Houston Chronicle, jornal local, registrava a manchete "Disaster could be much, much worse" (O desastre poderia ter sido muito, muito pior). Com efeito, as inundações seriam muito maiores se obras não estivessem sendo conduzidas há décadas visando melhorar a capacidade de drenagem do Brays Bayou.

    O caráter e a gravidade dos impactos de eventos climáticos e meteorológicos extremos também dependem do grau de exposição e da vulnerabilidade das comunidades afetadas e de sua resiliência. Resiliência é a capacidade de um sistema de antecipar, absorver, acomodar ou se recuperar dos efeitos de um evento perigoso em tempo hábil e eficiente, garantindo a preservação, restauração ou a melhoria da sua estrutura e de suas funções básicas.

    Tânia Barreto é consultora em projetos de agricultura e ambiente e pôde perceber a rapidez com que os moradores se recuperaram dos danos sofridos. "No dia seguinte, internet e coleta de lixo reciclável ainda não estavam normalizadas. Mas casas e ruas estavam sendo limpas e, como muitos moradores possuem seguro, móveis, carpetes e outros utensílios danificados foram descartados e substituídos por novos. As ruas na segunda-feira amanheceram com muito material para ser recolhido, o que foi feito de forma bem rápida", explica.

    Situação bem diferente enfrenta a Geórgia, pequeno país situado no Cáucaso, na fronteira entre a Europa e a Ásia. Ocupa uma área um pouco maior do que a do estado da Paraíba e possui uma população de cerca de 4,3 milhões de pessoas, das quais 20% vivem em Tbilisi. Com economia frágil, a Geórgia precisará de ajuda externa para se recuperar dos impactos causados pelas inundações.

    Os extremos climáticos afetam mais profundamente os países menos desenvolvidos porque possuem menor resiliência social e econômica para fazer frente aos choques causados pelos extremos. Nobre afirma que "uma das políticas públicas mais importantes de adaptação às mudanças climáticas é aumentar a resiliência quanto aos extremos climáticos". E este, apesar de longo, é o caminho que precisamos percorrer em um mundo tão desigual quanto o nosso.