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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.3 São Paulo July/Sept. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000300007 

    MUNDO
    MANIPULAÇÃO GENÉTICA

     

    Prevenção de doenças mitocondriais já é realidade no Reino Unido

     

     

    Marianne Frederick

     

     

    Cegueira, fraqueza muscular, falência do coração e do fígado, diabetes, são algumas doenças que podem ser transmitidas a uma criança por mitocôndrias defeituosas. Evitá-las é o principal objetivo de um projeto de lei aprovado neste ano no Reino Unido, primeiro país a legalizar uma técnica de manipulação genética que permite gerar embriões que carregam o DNA de duas mulheres e de um homem, o que pode ser interpretado como um caso de tripaternidade.

    Quando é detectado algum tipo de má formação ou alteração mitocondrial, o núcleo saudável de um óvulo de uma mulher que deseja ter filhos é retirado e implantado em outro óvulo (sem o núcleo) de uma doadora que tenha mitocôndrias saudáveis. Depois, esse "novo" óvulo será fertilizado com o esperma do pai biológico. "Uma vez que as mitocôndrias contêm seu próprio material genético (o DNA mitocondrial), o embrião produzido mediante essa tecnologia seria portador de DNA de três pessoas: o casal responsável por conceber o embrião contribuiria com o DNA nuclear enquanto uma terceira pessoa contribuiria com o DNA mitocondrial", explica Marcos Chiaratti, professor do Departamento de Genética e Evolução, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

     

    Infertilidade em mulheres

    Segundo o pesquisador, a terapia de substituição de mitocôndrias tem sido proposta para tratar a infertilidade de mulheres, principalmente aquelas de idade mais avançada (acima de 35 anos), que não respondem a outros tratamentos comumente utilizados em clínicas de reprodução assistida. "Uma vez que há uma forte associação entre envelhecimento e o declínio da função mitocondrial, a mitocôndria tem sido apontada como um dos principais fatores responsáveis pelo declínio da fertilidade em mulheres devido à idade. Se confirmada a hipótese, a introdução de mitocôndrias doadas por uma mulher mais jovem teria o potencial de recuperar a fertilidade dos óvulos da mulher mais velha", afirma Chiaratti. São os genes nucleares os principais responsáveis por determinarem o fenótipo (características físicas) do indivíduo. "É esperado que a criança gerada por esta tecnologia seja fenotipicamente idêntica ao casal que concebeu o embrião", diz.

    Uma técnica semelhante , mas que inclui a transferência de citoplasma, foi empregada por Jacques Cohen e equipe no St. Barnabus Institute, nos Estados Unidos, no final dos anos 1990. Apesar das 17 crianças geradas comprovarem a eficácia da técnica, algumas delas apresentaram defeitos genéticos, o que levou a Food and Drug Administration (FDA) a vetar seu uso em clínicas de reprodução assistida no país. Apesar disso, a clínica americana de fertilização OvaScience, tem utilizado a transferência de mitocôndrias para tratar infertilidade feminina no Canadá, Turquia e Dubai. "O diferencial, em relação às tecnologias discutidas anteriormente, é que a empresa propõe a utilização de mitocôndrias doadas pela própria paciente. As mitocôndrias introduzidas nos óvulos são isoladas de células somáticas do ovário da paciente, aparentemente restabelecendo a fertilidade e sem a polêmica da tripaternidade", explicou.

     

    Prevenção de doenças

    O Parlamento inglês aprovou o uso da terapia apenas para mulheres portadoras de mutações no DNA mitocondrial. Segundo Chiaratti, diferentemente da transferência de citoplasma, as terapias para doenças mitocondriais requerem a completa substituição das mitocôndrias defeituosas por mitocôndrias sadias.

    Para Edson Guimarães Lo Turco, pesquisador da área de embriologia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a técnica é um avanço na prevenção de doenças mitocondriais. Entretanto, segundo ele, por se tratar ainda de uma técnica experimental, deve-se atentar para alguns pontos essenciais inerentes à qualidade de manipulação desses óvulos e ao esclarecimento do paciente de que o futuro bebê estará livre apenas de doenças estritamente mitocondriais. E sobre a geração de crianças com três tipos de DNA, Lo Turco prevê "um amplo debate social para preparar a sociedade para essa e outras novas realidades biotecnológicas".

     

    Atestado de eficiência brasileiro

    Em parceria com os pesquisadores Flávio Vieira Meirelles, da Universidade de São Paulo (USP) e Lawrence Charles Smith, da Université de Montréal, Marcos Chiaratti trabalha para comprovar a eficiência e segurança das terapias de substituição de mitocôndrias em modelos animais. Segundo ele, isso é importante porque ainda faltam estudos que comprovem que defeitos mitocondriais afetam a fertilidade dos óvulos e que a substituição de mitocôndrias pode restabelecer a capacidade de gerar bebês saudáveis. Em uma das linhas de pesquisa, eles primeiramente tratam os óvulos de bovinos com uma droga que causa danos à função mitocondrial, resultando na perda quase que total da fertilidade. "Em seguida, transferimos citoplasma de óvulos não tratados para os óvulos tratados com a droga, o que resultou no restabelecimento da fertilidade e nascimento de bezerros saudáveis", conta. "Temos encontrado resultados similares em camundongos, mesmo quando, ao invés de citoplasma, transferimos um concentrado de mitocôndrias embrionárias. Esses e outros resultados fornecem importantes subsídios acerca do potencial dessas técnicas, no entanto, em minha opinião muitos outros estudos ainda são necessários antes que essas metodologias possam ser usadas com segurança em humanos", finaliza.