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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400002 

    TENDÊNCIAS

     

    Jovens e a mídia brasileira na prevenção de DST/AIDS e hepatites virais

     

     

    Maria Marta Avancini

    Historiadora e especialista em jornalismo científico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É responsável pela pesquisa que resultou no estudo "A mídia brasileira enfocando os jovens como atores centrais na prevenção de DST/Aids e hepatites virais: relatório final "

     

     

    Em uma década, a incidência de casos de Aids na faixa etária de 15 a 24 anos saltou de 9,6/100 mil pessoas em 2004 para 12,4/100 mil em 2013, um aumento de 29%, segundo o último Boletim Epidemiológico HIV-Aids do Ministério da Saúde, divulgado em dezembro de 2014. Ao todo, 4.414 novos jovens foram detectados com o vírus em 2013, ao passo que em 2004 eram 3.453. No mundo, cerca de 3 mil jovens entre 15 e 24 anos de idade são infectados por HIV a cada dia, segundo a Declaração Política sobre HIV/Aids da Assembleia das Nações Unidas.

    O dado sinaliza para uma tendência distinta daquela verificada para a população em geral, em que a epidemia tende à estabilização e à redução de número de mortes, o que gera preocupação e um questionamento: por que, apesar do aparente sucesso das políticas de saúde nesse campo e da ênfase na prevenção nas campanhas, ações educativas e midiáticas, o número de jovens que contraem o HIV está aumentando?

    Esse cenário foi o mote da pesquisa "A mídia brasileira enfocando os jovens como atores centrais na prevenção das DST/Aids e hepatites virais", realizada entre 2011 e 2012 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e pela ONG Andi - Comunicação em Direitos para o Ministério da Saúde (1). O estudo, recém-lançado, combina metodologias quantitativas e qualitativas, para compreender como a mídia aborda os temas relacionados ao HIV, Aids e doenças sexualmente transmissíveis (DST) e em que medida está se estabelecendo uma interlocução efetiva com os jovens para se transmitir o recado da prevenção.

    A mídia e as tecnologias de informação e comunicação (TICs), por suas características e por serem altamente atrativas aos jovens, despontam como canais privilegiados para difundir a mensagem da prevenção. No entanto, a pesquisa evidenciou uma série de barreiras que acabam por esvaziar esse potencial.

    Tomando como ponto de partida os resultados da análise da cobertura em jornais de circulação nacional e regional sobre HIV/Aids e DST realizada pela Andi entre 2007 e 2011, foram realizados grupos focais com adolescentes e jovens e workshops com a finalidade de motivar o debate sobre a cobertura.

    Segundo a Andi, em 31,6% dos textos jornalísticos são citadas medidas de prevenção do HIV/Aids, DST e hepatites. Quase metade dessas referências (49,6%) diz respeito ao uso do preservativo nas relações sexuais. Em segundo lugar, está a vacinação contra a hepatite (18,6%) e, em terceiro, as medidas de educação e informação preventivas (15,3%).

    Mas o resultado dos sete grupos focais com 60 adolescentes e jovens evidencia que não basta dar o recado. É fundamental considerar como este recado está sendo passado, o que pode abrir campo para se renovar as estratégias de comunicação sobre prevenção das DST, Aids e hepatites dirigidas ao público jovem. Foram ouvidos alunos de escolas públicas, privadas e jovens engajados em organizações sociais de comunicação, direitos humanos, além de jovens vivendo com HIV/Aids entre 13 e 26 anos.

    Para os participantes da pesquisa, apesar de a mídia associar a prevenção ao uso do preservativo, a informação tende a ser fragmentada e descontextualizada. Muitos demonstram desconhecimento sobre como usar corretamente o preservativo, além de terem vergonha de comprá-los na farmácia ou no supermercado. Finalmente, chamam a atenção para o fato de que, nem sempre, o acesso a preservativos nas unidades de saúde é assegurado.

    Chega a bomba da informação: "usar camisinha, usar camisinha, usar camisinha". Isso eu já sei, mas o que vai acontecer se eu não usar camisinha? (adolescente participante do grupo focal, São Paulo).

    Nem mesmo a possibilidade de o vírus HIV levar à morte parece mobilizar os jovens - afinal, eles pertencem a uma geração que não viu seus ídolos morrerem em decorrência da infecção. Paralela e contraditoriamente, o sucesso da política de distribuição de medicamentos antirretrovirais é um fator que colabora para reduzir a percepção do risco de contrair o vírus.

    As campanhas oficiais, que tendem a se concentrar no período do carnaval, pouco colaboram para a difusão de hábitos de prevenção, afirmam os jovens. A ênfase do discurso no risco de contaminação (em lugar de um tratamento positivo e naturalizado da prevenção), somada ao foco no uso do preservativo dissociada de informações sobre as DSTs, gera questionamentos e duvidas sobre por que seu uso é tão importante.

    Tem a campanha da prevenção, mas não tem aquela que explica como. As pessoas têm ainda essa dúvida, seria também legal focar nisso. [E as pessoas] vão ficar com menos vergonha de ir pro posto, porque também a gente passa preconceito em alguns postos, as pessoas olham pra quem vai pegar camisinha epensam: "Esse aí é pegador " (grupo focal com adolescentes, Distrito Federal).

    Os resultados dos grupos focais sugerem, então, que uma comunicação clara, objetiva e aprofundada pode conduzi-los à adoção de práticas de prevenção, pois, dessa forma, as mensagens passam a fazer sentido e a ter significado.

    No que diz respeito à interface com a mídia, essa demanda esbarra num elemento central da lógica de produção de noticias: a necessidade (constante) de novos dados e enfoques que justifiquem trazer o tema à pauta.

    Nesse sentido, nos workshops, os jornalistas justificaram que a cobertura sobre HIV/Aids, DSTs e hepatites tende a coincidir com os períodos em que há divulgação de novos dados e ações, o carnaval e o Dia Mundial de Luta contra a Aids (1º de dezembro). Participaram, ao todo, 57 jornalistas de 25 veículos de comunicação (jornais, revistas, internet, rádio, TV e mídia jovem).

    Eu não vejo dificuldade em fazer matéria, eu só vejo dificuldade em apresentar coisa nova. Não existe novidade, entendeu? O jornal está interessado em publicar boas matérias, mas só serão boas se houver alguma novidade (jornalista participante do workshop, Rio de Janeiro).

    Assim como os adolescentes e jovens, os jornalistas identificam uma certa banalização da mensagem "use camisinha", o que repercute negativamente na cobertura - como a mensagem é sempre a mesma, faltam ganchos para as notícias. Paralelamente, a cobertura tende a permanecer associada às políticas públicas na área, mais especificamente ao programa de distribuição gratuito de medicamentos às pessoas que vivem com HIV e com Aids. Também entre os jornalistas, há a percepção de que o sucesso das políticas brasileiras para o enfrentamento da epidemia do HIV/Aids afastou o tema do foco de interesse da imprensa, bem como tende a diminuir a percepção de risco com relação à infecção.

    Todo mundo comprou que a gente tem um programa que funciona. A gente distribui os medicamentos para as pessoas, temos uma tendência de queda, tudo parece muito bom. Do contato que temos com as ONGspercebemos que eles estão muito ativos. (...) (jornalista participante do workshop, São Paulo).

    Diante de um cenário em que a Aids, como fenômeno social, deixou de ter uma posição de destaque entre os valores que orientam os jornalistas na seleção dos temas que darão origem às notícias, constata-se uma necessidade premente: identificar um enfoque diferenciado, numa perspectiva de valorização do autocuidado e da vida, capaz de trazer o tema DST, Aids e hepatites virais ao dia a dia.

     

    REFERÊNCIA

    1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais. "A mídia brasileira enfocando os jovens como atores centrais na prevenção de DST/Aids e hepatites virais: relatório final". Brasília: MS, 2014.