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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo oct./dic. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400004 

    BRASIL
    ALIMENTOS ORGÂNICOS

     

    Qualidade desses produtos também depende de conhecimento do consumidor

     

     

    Leonor Assad

     

     

     

    Acompanhando uma tendência mundial de procura por alimentos considerados saudáveis, o interesse de consumidores brasileiros por produtos orgânicos tem crescido muito nos últimos anos. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para ser considerado orgânico, um alimento tem que ser produzido em um ambiente onde se utiliza como base do processo produtivo os princípios agroecológicos que contemplam o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando as relações sociais e culturais. Sendo assim, a produção de orgânicos não pode usar agrotóxicos, fertilizantes industrializados, antibióticos, hormônios, organismos geneticamente modificados, conservantes, aditivos e irradiação.

    No Brasil, desde 2003, a produção e a comercialização de produtos orgânicos são regulamentadas por lei federal (Lei 10.831), mas, pela impossibilidade de se fiscalizar regularmente todos os produtores, é muito difícil saber se o produto que estamos comprando na feira ou no supermercado é mesmo orgânico.

    Todo produto orgânico deve possuir um selo, obtido por auditoria ou por sistema participativo, que é uma certificação do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg), do Mapa, e é obrigatório desde 1º de janeiro de 2011. Uma exceção é feita para os produtos da agricultura familiar, vendidos em feiras livres e pequenos mercados locais. Neste caso, o produtor deve possuir uma declaração de cadastro de produtor orgânico familiar.

    Nessa venda direta e sem certificação é importante a relação de confiança entre consumidores e produtores, e estes devem fazer parte de uma organização de controle social (OCS) - que pode ser um grupo de agricultores familiares, uma associação, cooperativa ou um consórcio, com ou sem personalidade jurídica. A OCS deve garantir o livre acesso dos consumidores e dos órgãos fiscalizadores às propriedades e ao local de produção e deve ser cadastrada em órgãos fiscalizadores, que pode ser o Mapa, e o consumidor pode pedir a declaração de cadastro do produtor, para confirmar sua condição. Nesse sistema, a comercialização de produtos orgânicos só pode ser feita dentro do município produtor ou entre municípios vizinhos.

     

    GARANTIA

    A certificação é um mecanismo para garantir a procedência e a qualidade de um alimento orgânico, in natura ou processado. A legislação brasileira estabelece três mecanismos para certificação: por auditoria, por meio de sistemas participativos de garantia e pelo controle social para a venda direta sem certificação. Todos devem estar registrados no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. A auditoria é feita pelos chamados organismos de avaliação da conformidade (OAC), empresas públicas ou privadas, credenciadas pelo Mapa, que fiscalizam desde a plantação até o processamento e a comercialização e assumem a responsabilidade pelo uso do selo brasileiro. A certificadora tem que ser independente, sem vínculo direto com quem produz ou com quem compra.

    Já os sistemas participativos de garantia (SPG) são grupos formados por produtores, consumidores, técnicos e pesquisadores que estabelecem procedimentos de verificação das normas de produção orgânica daqueles produtores que compõem o SPG. Esses grupos se caracterizam pela responsabilidade coletiva de seus membros. Para desenvolver suas atividades, um SPG precisa estabelecer um organismo participativo de avaliação da conformidade (Opac), pessoa jurídica, também credenciado e fiscalizado pelo Mapa, responsável legal pelos produtores, pelo manejo adotado na produção e pela documentação do processo de certificação que permite o uso do selo do SisOrg. Para ter o selo brasileiro, produtos industrializados devem respeitar as normas de fabricação, para evitar qualquer contaminação do produto com substâncias indesejadas. O produto deve ser composto por no mínimo 95 % de ingredientes orgânicos. Os que têm proporção menor só podem ser chamados de "produto com ingredientes orgânicos " e essa proporção deve ser de no mínimo 70 %. Os com menos de 70 % de ingredientes orgânicos não podem ser vendidos como produto orgânico e não podem ter o selo brasileiro.

     

    ESTRATÉGIAS DIFERENCIADAS

    O selo de certificação de um alimento orgânico visa fornecer ao consumidor a garantia de que se trata de um produto isento de contaminação química. Mas não é possível garantir a ausência total de resíduos químicos nos produtos orgânicos, pois existem compostos persistentes no solo que podem causar contaminação ambiental. Também pode ocorrer derivação por proximidade com propriedades agrícolas que adotam sistemas convencionais. Por isso, na comercialização de orgânicos, a participação coletiva de produtores, consumidores e interessados no tema reveste-se de grande importância.

    Assim, é importante divulgar informações sobre o produto orgânico para diferenciá-lo de uma gama maior, chamada de produtos naturais. Marta Cristina Marjotta-Maistro, especialista em economia agrária da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), assinala que são necessárias estratégias que estimulem o entendimento do processo de produção de orgânicos: "nos pontos de venda, particularmente nos supermercados, é importante sinalizar claramente onde estão esses produtos e buscar, por exemplo, formas de apresentação das embalagens dos orgânicos que destaquem o conteúdo, distinguindo-os dos outros produtos que estão em embalagens de isopor". Marjotta-Maistro destaca ainda a importância de "estratégias de marketing ambiental, como meio de desenvolver a comunicação produtor/consumidor".

    Em um estudo da UFSCar para avaliar a oferta de produtos orgânicos em dez pontos de comercialização (oito supermercados, uma feira orgânica e uma feira-livre, localizados em um raio de cinco quilômetros do centro da cidade de Campinas, no interior de São Paulo), o pesquisador Felipe Campagna de Gaspari concluiu que não existe clareza quanto ao conceito de orgânicos e que, em alguns supermercados, diferentemente do que ocorre nas feiras, esses produtos estão dispostos no mesmo espaço de pré-lavados, selecionados e higienizados, o que dificulta a escolha correta do consumidor.

     

    QUASE UMA DINAMARCA

    Recentemente, o Ministério da Alimentação, Agricultura e Pesca da Dinamarca lançou um plano de incentivos para dobrar a área de agricultura orgânica no país até 2020. No Brasil, dados do Mapa apontam que a área total de produção orgânica já chega a quase 750 mil hectares, o que representa pouco mais de 1% dos 70 milhões de hectares cultivados no país. E mais, entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015, o número de agricultores cadastrados como orgânicos passou de 6.719 para 10.194, ou seja, aumentou cerca de 52%. Aqui a agricultura orgânica ocupa uma área quatro vezes maior que no país europeu - até porque o Brasil é quase 200 vezes maior que a Dinamarca -, mas ainda assim esses números são expressivos.

    Na Europa, a intenção de compra de alimentos orgânicos está relacionada com preocupações com a saúde, o ambiente e com aspectos como sabor, aroma, frescor e preço. No Brasil, trabalhos publicados na década de 1990 apontavam que as motivações para compra estavam ligadas mais à saúde do que com questões ambientais. Entretanto, estudos mais recentes apontam mudança nesse comportamento pois os consumidores parecem preocupados também com aspectos sociais e ambientais. Afinal, consumir orgânicos é estimular uma agricultura que adota práticas que conservam o ambiente e que contribuem para a qualidade de vida de quem vive no campo.