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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo out./dez. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400007 

    MUNDO
    ASTROBIOLOGIA

     

     

    A busca por vida fora da Terra continua em planetas semelhantes ao nosso

     

     

    Roberto Belisário

     

     

    A descoberta aconteceu em maio de 2014. Naquele dia, o astrofísico Joseph Twicken trabalhava diante dos computadores do Centro de Operações Científicas, perto da baía de São Francisco, na Califórnia, analisando dados recebidos pelo telescópio espacial Kepler sobre a luminosidade de algumas estrelas distantes. Orbitando ao redor do Sol desde 2009, o objetivo do telescópio era procurar planetas semelhantes à Terra ao redor de estrelas semelhantes ao Sol, com potencial de vida extraterrestre. Após mais de cinco anos de buscas, Twicken percebeu que finalmente haviam encontrado um desses mundos irmãos, há cerca de 1400 anos-luz da Terra, na direção da constelação do Cisne, batizado de Kepler-452b. Nos meses seguintes, sua equipe realizou uma análise mais fina dos dados e cálculos sobre as características do planeta e da estrela, até anunciarem a descoberta, em 23 de julho. Quase tudo era parecido com nosso mundo: o tamanho, a quantidade de energia recebida da estrela e até o tempo para completar uma volta ao redor dela. E estava na chamada "zona habitável", aquela faixa de distância da estrela em que é possível existir água líquida na superfície. Após essa descoberta, qual o próximo passo?

     

     

    BIOASSINATURAS DA VIDA

    Na verdade, a missão Kepler e sua sucessora, a K2, têm um objetivo mais amplo: determinar quão raro ou frequente é um mundo como o nosso. Para isso, o telescópio compôs uma amostragem de planetas semelhantes à Terra nas zonas habitáveis ao redor de estrelas do mesmo tipo que o Sol. As análises dos dados das 111.800 estrelas observadas pelo telescópio já confirmaram a ocorrência de 1030 planetas extrassolares (exoplanetas), 12 deles dentro da zona habitável. Para saber se esses locais efetivamente possuem vida, os cientistas procuram "bioassinaturas", características semelhantes as da Terra e que possam ser captadas por instrumentos. O primeiro planeta candidato foi detectado em 2000, a 154 anos-luz daqui.

    Em entrevista recente para o Canaltech, o pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia, da Universidade de São Paulo (USP), Douglas Galante, explicou que existem várias características que alcançam toda a vida na Terra: ela é baseada em células, usa a água como solvente universal, é composta por moléculas orgânicas, ou seja, com cadeias de carbono e fundamentada no DNA ou RNA.

    Assim, uma parte importante da busca por vida fora da Terra procura no espaço moléculas orgânicas, como aminoácidos e bases nucleicas (componentes do DNA e do RNA), bem como seus precursores (substâncias capazes de formá-las por reações químicas).

    Tais moléculas já foram encontradas em meteoritos que caíram na Terra, e precursores já foram registrados em nebulosas interestelares. Em um cometa, a primeira detecção conclusiva de um aminoácido aconteceu em 2009, quando foi observada glicina em amostras coletadas e trazidas à Terra pela sonda espacial Stardust, que visitou o cometa Wild 2, em 2004.

     

    SIMULAÇÕES DO ESPAÇO CÓSMICO

    A presença de materiais orgânicos precursores da vida em cometas e meteoritos é importante para a hipótese da panspermia, segundo a qual parte das substâncias bioquímicas necessárias para o surgimento da vida na Terra e em outros planetas pode ter vindo do espaço, atiradas na sua superfície pela queda desses corpos. Para isso, essas substâncias teriam que sobreviver por tempo suficiente em ambientes interestelares, apesar de ali elas estarem sujeitas à ação de raios ultravioletas e raios-X emitidos por estrelas próximas. Experimentos em laboratório que simulam as condições reinantes no espaço cósmico indicam que várias dessas moléculas são de fato capazes de sobreviver por dezenas de bilhões de anos naquelas condições, como demonstrou , Sergio Pilling, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap) em 2011. Os raios-X e ultravioletas foram simulados no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que produz esses tipos de raios.

    O estudo de Pilling faz parte de outro tipo importante de pesquisa na astrobiologia, as simulações em laboratório das condições reinantes no espaço cósmico, na qual se busca compreender como as moléculas orgânicas se formam e podem sobreviver ali. Aminoácidos e bases nucleicas têm aparecido, por exemplo, em simulações em laboratório da atmosfera de Titã, o maior satélite de Saturno.

     

    LAGOS SOB O GELO

    Há vários indícios da existência de oceanos em condições habitáveis por organismos vivos debaixo das carapaças de gelo existentes na superfície de Europa, um dos maiores satélites de Júpiter.

    Para tanto, cientistas tentam compreender ambientes terrestres considerados análogos, por exemplo lagos subglaciais debaixo do gelo da Antártida, mantidos líquidos pela atividade geotérmica.

    O maior deles é o lago Vostok, com área de 14 mil km2, debaixo de 3770 metros de gelo, que pode abrigar um ecossistema microbiano isolado há milhões de anos do ambiente exterior.

    A busca de microrganismos extremófilos - capazes de enfrentar ambientes parecidos com o que existe no espaço - é estender os limites da vida como a conhecemos e assim poder identificar mais locais fora da Terra onde a vida poderia ocorrer, mesmo aquela do mesmo tipo encontrado no nosso planeta. Alguns desses extremófilos já tiveram sua resistência testada no ambiente do próprio espaço cósmico. Em 2005, um experimento enviou dois tipos de líquens ao espaço em um foguete - Rhizocarpon geographicum e Xanthoria elegans. Após passarem 16 dias no satélite russo Foton-M2, submetidos à radiação cósmica comum no espaço, chegaram todos vivos de volta à Terra.

     

    Extremófilos no Brasil

    Extremófilos são encontrados em locais muito gelados, como na Antártida, em regiões áridas, em lugares com alta temperatura, como as fontes geotérmicas, em lagos muito salgados ou muito ácidos etc. Cientistas brasileiros, inseridos no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), vêm contribuindo com as pesquisas sobre extremófilos que vivem no continente gelado. Mas não é necessário ir tão longe. No território nacional há ambientes considerados extremos onde são procurados organismos altamente resistentes. Um trabalho de 2013, de pesquisadores da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) elencou vários. Há ambientes hipersalinos em manguezais e lagoas, destacando-se a de Araruama, no Rio de Janeiro. O solo do Cerrado apresenta grande acidez e alta concentração de alumínio e ali já foi encontrada a bactéria Flavobacterium sp.. Há também as áreas impactadas por poluição de metais pesados, como zinco e cádmio, jogados na baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro - ali foram encontradas várias bactérias que crescem em ambientes muito ácidos.