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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo oct./dic. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400010 

    PALEONTOLOGIA
    ARTIGOS

     

    Microfosseis: pequenos organismos que geram grandes informações sobre o passado

     

     

    Silane A. F. da Silva CaminhaI; Fátima Praxedes R. LeiteII

    IPalinóloga, professora e responsávelpelo Laboratório de Paleontologia e Palinologia do Departamento de Geologia Geral da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Atualmente ocupa o cargo de coordenadora pró-tempore do curso de geologia
    IIPalinóloga, bolsista PNPD do Programa de Pós-Graduação em Geociências da UFMT e pesquisadora do Laboratório de Paleontologia e Palinologia da UFMT

     

     

    Microfósseis podem ser organismos inteiros ou partes deles, como por exemplo carapaças ou placas, que se preservaram por processos geológicos. Os que formam carapaças são separados pelo tipo de composição química. Podem ser carbonáticos, cuja carapaça é formada por carbono (C) e oxigênio (C) associado a um outro elemento principalmente ao cálcio (Ca); ou silicosos, compostos por elementos de silício (Si) e oxigênio (O).

    O tamanho varia conforme o grupo estudado de alguns milésimos de milímetro a poucos centímetros. Para observá-los é necessário o uso de equipamentos como microscópios e lupas que ampliam o tamanho original em 10, 100 ou até 2000 vezes.

    O nome microfósseis é usado, então, para definir o grupo de diminutos organismos que viveram no passado e o conjunto de deles é estudado pela micropaleontologia.

    A classificação que organiza os microfósseis em categorias pode ser artificial, ou seja, sem que haja uma relação de parentesco entre eles ou natural, com relações de parentesco. Os palinomorfos, objeto de estudo da palinologia, formam um grupo artificial. Isso ocorre porque eles são isolados por um método de preparação química que elimina a poção carbonática e de silicatos e concentra matéria orgânica. Significa dizer que todos os pequenos fósseis mineralizados são destruídos durante a preparação e todos os de parede orgânica são preservados. Estruturas de plantas vasculares (angiospermas, gim-nospermas e pteridófitas), algas, fungos, cistos de protistas, parte orgânica de foraminíferos e restos de pequenos animais são comu-mente recuperados por possuírem parede orgânica. Devido a essa natureza heterogênea dos palinomorfos, eles são categorizados em grupos menores de acordo com critérios morfológicos (1).

    Aqui apresenta-se alguns grupos organizados por reinos de acordo com o sistema de classificação natural.

    Os representantes do reino Monera apresentam células sem núcleo organizado. As cianobactérias são um exemplo e estão presentes no registro fóssil desde 3,5 bilhões de anos e representam, por isso, o mais antigo registro de vida celular no planeta. Elas são células que podem agrupar-se em longos filamentos ou em finas camadas. Vivem em ambientes aquáticos e alguns inóspitos, com temperaturas extremas, por exemplo. Quando fragmentos inorgânicos ficam aprisionados em níveis ricos em cianobactérias formam os estromatóli-tos, estruturas laminadas que formam rochas muito comuns no final do Pré-cambriano. Algumas cianobactérias juntamente com outras algas de afinidade desconhecida são agrupadas dentro dos Acritar-cas. Elas foram os primeiros seres a realizar fotossíntese, processo que transformou completamente a atmosfera primitiva tornando-a rica em oxigênio e permitindo que a vida evoluísse posteriormente até tornar-se o que hoje conhecemos (2; 3).

    No reino Protista todos organismos são eucariotas, ou seja, têm células com núcleo organizado. Podem ser unicelulares ou multicelulares, mas sem tecidos especializados. Os mais antigos foram encontrados na China e datam 1,8 bilhão de anos, ou seja, só depois de quase 2 bilhões de anos do primeiro registro de procariotas do reino Monera (4). Dentre os protistas, destacam-se para a micropa-leontologia alguns grupos como descrito abaixo.

    Os dinoflagelados são algas unicelulares, em sua maioria marinhas que possuem flagelos e alguns são fotossintetizantes. Eles são preservados no registro fóssil devido à parede interna orgânica sendo, por isso, considerado como palinomorfos marinhos (5). Com avanço da exploração de petróleo em seções marinhas brasileiras, o estudo de dinoflagelados se fortaleceu nos anos 1970 e 1980. Desde então, tornou-se um dos principais grupos de microfósseis analisados em bacias da margem continental brasileira (6). Os dinoflagelados surgiram no final do Triássico e se tornaram abundantes e com alta diversidade no Cretáceo, sendo por isso, usados como fósseis guias das principais seções cretáceas marinhas. Muitas delas com alto potencial petrolífero (7).

    Os foraminíferos são uma classe de protistas amebóides. Normalmente têm uma carapaça ou testa exterior com uma ou várias câmaras, feitas de sílica, carbonato de cálcio ou partículas de sedimento aglutinadas. Seus pseudópodos formam uma fina rede externa para a captura de alimentos. São geralmente aquáticos, principalmente marinhos, e a maioria das espécies vivem sobre ou dentro do sedimento do fundo do mar, com um pequeno número de espécies pelágicas de várias profundidades. As formas mais antigas vêm desde o Cambriano (8).

    Os nanofósseis calcários agrupam os elementos de composição carbonática formado pelos cocólitos, placas calcárias dos coccolitofo-rídeos, e outros grupos não identificados. Coccolitóforídeos são algas unicelulares com um esqueleto externo, planctónicos e exclusivamente marinhos. Elas podem ser encontradas em grandes quantidades por toda a zona onde a luz solar alcança dentro do oceano (9). Estes e os foraminíferos, juntamente com outros organismos que possuem carapaça com carbonato de cálcio, são responsáveis pela formação de extensos depósitos de rochas carbonáticas de origem biogênica.

    Outros protistas tais como radiolários e algumas diatomá-ceas se diferem dos anteriores por terem o corpo protegido por uma carapaça formada por sílica. A sílica é mais resistente ao processo de dissolução em altas profundidades e, por isso, são os principais elementos encontrados em sedimentos de mares profundos, onde a pressão é tão alta que dissolve o a carapaça formada por carbonato.

    Já os ostracodes, diferentemente dos outros grupos descritos acima, são invertebrados e, portanto, animais. Eles possuem duas valvas quitinosas impregnadas por carbonato articuladas na região dorsal. Seu tamanho varia de 0,1 a 32 mm. Existem aproximadamente 20.000 espécies viventes habitando mares, lagos e rios. Algumas espécies são adaptadas a um modo de vida semi-terrestre em solos úmidos e folhas em decomposição. Devido à sua alta taxa de especiação e à capacidade de preservação, são utilizados em bioestratigrafia e reconstruções ambientais. Estudos de elementos-traços e isótopos estáveis da carapaça desses animais podem indicar variações climáticas principalmente dos períodos glaciais e interglaciais que ocorreram no globo nos últimos milhares de anos. A origem do grupo está bem documentada desde o Ordoviciano (10;11;12).

    Com hábito aquático, predominante marinho, os microfósseis acima dão informações somente sobre esses ambientes. Existe, no entanto, um grupo exclusivamente terrestre que são os grãos de pólen e esporos.

    Os grãos de pólen e esporos são células reprodutivas de plantas superiores e inferiores, respectivamente. Eles possuem uma proteção orgânica externa muito resistente composta por esporo-polenina que se fossiliza facilmente desde que não haja oxidação no ambiente de deposição. Sua dispersão pode ser pelo vento, água e com auxílio de polinizadores como pássaros e insetos. A morfologia dos grãos de pólen e esporo é variada podendo ser diferenciada por simetria, abertura e ornamentação. Através do estudo das características morfológicas é possível identificar a família da planta que o produziu e, assim, obter dados sobre o habitat e hábito e, consequentemente, inferir sobre o ambiente onde vivia (1).

    Pela sua diversidade, abundância e ampla distribuição geográfica, os microfósseis, de maneira geral, representam uma ferramenta muito importante para o estudo da evolução da vida nas diferentes etapas do planeta ao longo do tempo geológico. Por essa razão são usados, muitas vezes, como a única ferramenta para estabelecer a idade de rochas sedimentares. A indústria do petróleo, por exemplo, utiliza a distribuição temporal de diversos tipos deles para datar camadas e encontrar níveis ricos em petróleo e gás em suas prospecções. No Brasil, estudos micropaleontológicos foram muito úteis para a descoberta de petróleo e gás e mais recentemente do pré-sal, um dos sistemas petrolíferos mais conhecidos, e estima-se que com esse achado a reserva de petróleo e gás aumentará nos próximos anos, incrementando também o poder econômico do país (13).

    Os microfósseis habitaram os mais diferentes ambientes da Terra e cada um deles foi ocupado por grupos e formas específicas. Devido a isso, o estudo micropaleontológico associado, algumas vezes, a métodos isotópicos nos dá informações do paleoclima, salinidade, profundidade de mares antigos, disponibilidade de nutrientes e composição e diversidade da biota do passado (14).

     

    ESTUDO DE CASO: A AMAZÔNIA HÁ MILHÕES DE ANOS ATRÁS

    Rochas sedimentares presentes na Amazônia são registros da história daquela região. Há mais de 30 anos um projeto milionário financiado pelo governo federal perfurou em 84 testemunhos de sondagem com profundidade variando de 50 a 411 metros, totalizando um pouco mais de 14 quilômetros de rocha. O objetivo dessa exploração era conhecer a disponibilidade e qualidade do carvão da região, pois níveis com carvão são bem comuns na região de fronteiras entre Brasil, Colômbia e Peru.

    Uma comparação a ser feita quando se trabalha com rocha em subsuperfície é com uma máquina do tempo. Quanto mais profundo for perfurado a rocha, maior a chance de se encontrar intervalos mais antigos e, consequentemente, mais antigo é o "lugar " que se visita. O estudo micropaleontológico dessas seções permitiu acessar informações sobre a idade aproximada daquelas rochas e sobre o ambiente em que elas foram formadas.

    Sobre a idade das rochas, elas variam entre 23 milhões a 3 milhões de anos atrás em período conhecido como Neógeno. A idade é estabelecida por meio da associação de grãos de pólen e esporos. Muitos deles têm seu primeiro aparecimento bem conhecido em outras localidades da América do Sul e alguns deles já se extinguiram, como é o caso da Grimsdalea magnaclavata (Figura 1).

     

     

    A reconstrução paleoambiental do Neógeno da Amazônia mostra 3 tipos ambientes diferenciados pela composição palinológica, são eles: o de planície de inundação representado por grãos de pólen de árvores, arbustos de Malvaceae e Euphorbiaceae principalmente, lianas e samambaias típicas de florestas tropicais úmidas. O de pântanos, composto por grãos de pólen de palmeiras, gramíneas e samambaias típicas de ambiente pantanoso e de lagos, representado pela presença de gramíneas, plantas herbáceas de As-teraceae e muitas algas de ambientes de água doce (15). A figura 1 mostra a diversidade de formas de grãos usados como marcadores ambientais e de idade.

    Outros microfósseis usados para inferir o ambiente naquela região são os ostracodes. Algumas modificações morfológicas na carapaça deles indicaram mudanças na salinidade em alguns intervalos, fato confirmado também pela presença de foraminíferos e dinofla-gelados, sugerindo que em determinados momentos a Amazônia foi coberta por água do mar ocasionada principalmente pelo aumento do nível global do mar (16). Esses episódios de entrada de água marinha podem explicar porque nos rios da Amazônia, atualmente, encontra-se espécies de origem marinha como peixe-boi, botos e arraias. Esse é um dos exemplos de como eventos ocorridos no passado afetam, e muito, o que conhecemos do presente.

     

    CONCLUSÕES

    Aqui apresentou-se as características de diversos grupos de microfósseis e suas aplicações no entendimento de ambientes do passado e como a indústria do petróleo utiliza essas informações para datar camadas com potencial para geração de óleo e gás.

    A escolha do grupo de microfósseis a ser estudado é feita levando-se em conta o tipo de ambiente que se pretende estudar (marinho ou continental), idade estimada da rocha (bilhões, milhões ou milhares de anos), tipo de amostra (alta ou baixa oxidação).

     

    NOTA E REFERÊNCIAS

    1. Traverse, A. Paleopalynology. Springer. 2008

    2. Biello, D. Scientific American, 9. 2009

    3. Schopf, W. Life's origin: the beginnings of biological evolution. University of California Press. 2002A

    4. Prothero, D. Bringing fossils to life: an introduction to Paleobiology. Columbia University Press. 2013).

    5. Lana, C.; Beurlen, G. Anuário do Instituto de Geociências. 30 (1) 2007

    6. Arai, M.; Lana, C. Boletim de Geociências Petrobrás, 12, 175-189. 2003.

    7. Arai, M. Arquivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 63(3). 2005

    8. Zerfass, G.; Andrade, E. Terrae Didatica 3(1). 2008.

    9. Guerra, R. M.; Tokutake, L. R.. Terrae Didatica 7(1). 2011.

    10. Horne, D.; Holmes, J.; Rodriguez-Lazaro, J.; Viehberg, F. Developments in Quaternary Sciences, 17, 2-323. 2012.

    11. Almeida, C.M. "Taxonomia, distribuição estratigráfica e paleocologia de ostracodes do Cretáceo superior, Coniaciano, ao Mioceno da bacia de Santos, margem continental sul do Brasil ". Tese doutoramento, UnB. 2009

    12. Horne, D.; Holmes, J.; Rodriguez-Lazaro, J.; Viehberg, F. Developments in Quaternary Sciences, 17. 2012

    13. Riccomini, C.; Santa'Anna, L. G.; Tassinari, C.C.. Revista USP, 95. 2012.

    14. Rodrigues, G. B. e Fauth, G. Terrae Didatica, 9, 34-49. 2013

    15. Jaramillo, C. et al. "The origin of the modern Amazon rainforest: implications of the palynological and paleobotanical record ". In: Amazonia: landscape and species evolution. Wiley-Blackwell. 2011.

    16. Linhares, A. P. et al. Geologia Colombiana.36 (1) - Edición Especial. 2011

    17. The Archean World, Peter Sawyer, Smithsonian Institute: http://oce-an.si.edu/slideshow/ocean-throughout-geologic-time-image-gallery

    18. Os autores agradecem ao Programa de Pós Graduação em Geociências, Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá. Ao CNPq pelo apoio à pesquisa (processo no. 476020/2013-1). Ao dr. Cláudio Magalhães, especialista em ostracodes, pela ajuda com a descrição dos pequenos crustáceos.