SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.67 número4 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo oct./dic. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400012 

    PALEONTOLOGIA
    ARTIGOS

     

    Estado da arte sobre a ictiofauna mesozoica do Brasil

     

     

    Valéria Gallo

    Professora associada do Departamento de Zoologia, do Instituto de Biologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atua no Laboratório de Sistemática e Biogeografia. Email: gallo@uerj.br

     

     

     

    A era Mesozoica foi um tempo geológico caracteristicamente quente e com os mais altos níveis oceânicos já registrados na história do planeta, com grande diversidade biológica, especialmente na paleofauna marinha. Com a ictiofauna não foi diferente, sendo extremante diversificada e abundante, incluindo formas filogeneticamente basais e avançadas de peixes Chondrichthyes e Osteichthyes. A maioria dos táxons de níveis de generalidade mais amplos da ictiofauna atual já estava presente nos paleoambientes marinhos mesozoicos, interagindo e afetando tanto os ecossistemas daquela época quanto os subsequentes. Naturalmente as ictiofaunas lacustre e fluvial também sofreram, porém em menor escala, o impacto das amplas mudanças que ocorriam nos mares, conhecidas em conjunto como Revolução Marinha do Mesozoico (1;2).

    Os fatores que foram mais atuantes na diversificação da ictio-fauna marinha mesozoica possivelmente abrangem as extinções em massa ocorridas no final do Permiano e início do Triássico, as rupturas continentais, a formação de inúmeros mares epicontinentais pelas crescentes transgressões marinhas e as flutuações do nível do mar com consequente formação de novos oceanos (2). Com isso, surgiram possibilidades de intercâmbio de componentes das ictio-faunas que viviam nas plataformas continentais da América do Sul e África, assim como nas recém-estabelecidas conexões entre o equatorial Mar de Tethys e o Oceano Atlântico.

    Neste contexto, destaca-se o acervo ictiológico do Mesozoico brasileiro, constituído por material abundante, de relativa diversidade taxonómica e com um bom estado de preservação, com destaque para as bacias do Araripe, Pelotas, Grajaú e Sergipe-Alago-as. Esta diversidade inclui tanto táxons de Chondrichthyes (e.g., as extintas Hybodontidae, Anacoracidae, Sclerorhynchidae e Rhombodontidae,além dosaindaviventesLamnidae,Rhinobatoidea e Myliobatidae), como de Osteichthyes (e.g., as extintas Semionotidae, Pycnodontidae, Aspidorhynchidae, Pleuropholidae, Cladocyclidae, Pachyrhizodontidae, Dercetidae, Enchodontidae e Mawsoniidae, além dos ainda viventes Lepisosteidae, Amiidae, Elopidae, Albulidae, Elopomorpha incertae sedis, Clupeomorpha, Clupeocephala incertae sedis, Gonorynchiformes, Euteleostei basal e Holocentridae). Diversos táxons possuem distribuição restrita a essa era, enquanto outros continuaram suas trajetórias evolutivas, com representantes atuais. Este material ictiológico provém tanto de afloramentos, quanto de testemunhos de sondagem. Como exemplo deste último, destaca-se o registro das primeiras ocorrências e descrições de peixes na formação Atlântida, efetuadas apenas na década de 1990 (3;4).

    Recentemente, novos táxons de Chondrichthyes e Osteichthyes foram descritos para o Mesozoico brasileiro.

    Uma nova raia-viola foi reconhecida na formação Santana, que representa o Cretáceo inferior da bacia do Araripe (nordeste do Brasil), e nomeada tStahlraja sertanensis Brito, Leal & Gallo, 2013 (Figura 1) - os nomes dos táxons extintos são precedidos por uma cruz, indicando a sua condição fóssil.

     

     

    Está preservada nas famosas concreções carbonáticas do Araripe. Além dessa raia, apenas uma outra havia sido registrada na formação Santana, tIansan beurleni (Santos, 1968), porém ambas diferem claramente em várias feições morfológicas (5;6).

    Um novo celacanto foi identificado na formação Codó, Cretáceo inferior da bacia do Grajaú (nordeste do Brasil) e nomeado †Axelrodichthys maiseyi Carvalho, Gallo & Santos, 2013 (Figura 2). Este peixe também está preservado em concreções carbonáticas, porém estas da formação Codó são menos expressivas do que as da formação Santana, mencionadas anteriormente. Além disso, o gênero †Axelrodichthys também ocorre na bacia do Araripe, nas formações Crato e Santana, porém pertencendo a uma outra espécie: tA. araripensis Maisey, 1986. Ambas as espécies podem ser distintas por diversas caraterísticas morfológicas. Na verdade, as ictiofaunas das formações Crato e Santana podem ser correlacionadas com aquela da formação Codó, nas quais estão presentes os táxons extintos Semionotidae, Aspidorhynchidae, Cladocyclidae, Pachyrhizodontidae e Mawsoniidae, e os ainda viventes Amiidae, Albulidae, Chanidae e Characiformes. Some-se a essas ocorrências a presença de †Axelrodichthys no Cretáceo inferior e superior da África, ou seja, esse gênero estaria distribuído na Gonduana Ocidental.

     

     

    Para a formação Atlântida, Cretáceo superior da bacia de Pelotas, foi proposta a espécie †Parawenzichthys minor Figueiredo, Gallo & Delarmelina, 2012, um pequeno euteleósteo proveniente de um testemunho de sondagem extraído de uma profundidade de cerca de 4.000 metros de sedimentos (8). Essa formação possui uma assembleia de peixes composta por tubarões lamniformes e diversos osteictes, dos grupos fósseis picnodontídeo, cladociclídeo, dercetí-deo e enchodontídeo, e dos viventes clupeomorfo e holocentrídeo (9). Embora alguns estudos biogeográficos apontem para uma relação espaço-temporal dessa assembleia com aquelas de Marrocos e México (10; 11), fP. minor compartilha algumas similaridades morfológicas com Wenzichthys congolensis (Arambourg & Schneegans, 1935), proveniente da formação Cocobeach, Cretáceo inferior da bacia do Gabão (oeste da África).

    Em adição a essas novas ocorrências, os peixes mesozoicos vêm sendo estudados mais recentemente no âmbito da biogeografia histórica, considerando que, no decorrer da era Mesozoica, a fragmentação terminal dos supercontinentes Gonduana e Laurásia e a formação dos oceanos Atlântico e Pacífico resultaram em reconhecidos eventos vicariantes. Estes eventos provavelmente influenciaram na constituição da biota marinha atual, bem como, em menor escala, nas ictiofaunas lacustre e fluvial.

    Esses estudos biogeográficos estão sendo realizados para a compreensão do processo de abertura do Atlântico Sul, as possíveis conexões entre as diversas bacias marginais do leste brasileiro e oeste africano, e as prováveis ligações marinhas com as bacias sedimentares interiores do Brasil.

    Neste contexto, destaco o estudo de Parméra et al. (12), que resultou na obtenção de padrões de distribuição da ictiofauna cretácica do intervalo Aptiano-Albiano, no Gonduana Ocidental, utilizando a análise de traços. Há um interessante padrão na bacia do Araripe, indicando a existência de duas biotas distintas: uma mais ao norte, denominada Araripe Setentrional; e outra ao sul, designada Araripe Meridional. Entre as duas biotas, existe uma interseção, na qual foi encontrada uma fauna exclusiva, indicando a presença de uma terceira biota com características próprias. Um outro padrão localiza-se no centro-norte do Gonduana Ocidental, sendo denominado Trans-Gonduana. Esse padrão indica uma similaridade entre a ictiofauna dos dois continentes e reconhece a quebra do Gonduana como o evento que as separou. Um outro padrão localiza-se no norte do Gonduana Ocidental, o qual representaria uma provável conexão marinha local (Conexão Marinha Nigeriana), originada através de transgressões marinhas, promovendo um intercâmbio das ictiofaunas através de ingressões marinhas e mares epicontinentais

     

    REFERÊNCIAS

    1. Roy, K.. "Effects of the Mesozoic marine revolution on the taxonomic, morphologic, and biogeographic evolution of a group: aporrhaid gastropods during the Mesozoic". Paleobiology, 20(3): 274-296. 1994.

    2. Gregory, F.J.. "Mesozoic marine revolution". In: Encyclopedia of Life Sciences. Chichester, John Wiley & Sons. 2002.

    3. Figueiredo, F.J.; Gallo, V.; Santos, R.S. & Aires, J.R.. "Cretaceous fishes of the Pelotas basin, Brazil". Journal of Vertebrate Paleontology, 16(3): 33A. 1996.

    4. Gallo-da-Silva, V. & Figueiredo, F.J.. "Pelotius hesselae, gen. et sp. nov. (Teleostei: Holocentridae) from the Cretaceous (Turonian) of Pelotas basin, Brazil". Journal of Vertebrate Paleontology, 19(2): 263-270. 1999.

    5. Brito, P.M.; Leal, M.E.C. & Gallo, V.. "A new lower Cretaceous guitarfish (Chondrichthyes, Batoidea) from the Santana formation, Northeastern Brazil". Boletim do Museu Nacional, Geologia, 75: 1-13. 2013.

    6. Brito, P.M. & Seret, B.. "The new genus lansan (Chondrichthyes, Rhinobatoidea) from the early Cretaceous of Brazil and its phylogenetic relationships". In: Arratia G. & Viohl G. (eds.). Mesozoic Fishes-Systematics and Paleoecology. München, Verlag Dr. Friedrich Pfeil, p. 47-62. 1996.

    7. Carvalho, M.S.S.; Gallo, V. & Santos, H.R.S.. "New species of coelacan-th fish from the lower Cretaceous (Albian) of the Grajaú basin, NE Brazil". Cretaceous Research, 46: 80-89. 2013.

    8. Figueiredo, F.J.; Gallo, V. & Delarmelina, A.F.P.. "A new protacanthop-terygian fish from the upper Cretaceous (Turonian) of the Pelotas basin, southern Brazil". Cretaceous Research, 34: 116-123. 2012.

    9. Gallo, V.; Figueiredo, F.J. & Coelho, P.M.. "Paleoictiofauna da formação Atlântida, Cretáceo superior da bacia de Pelotas, sul do Brasil". In: Gallo, V.; Brito, P.; Silva, H.M.A. & Figueiredo, F. (orgs.). Paleontologia de vertebrados: grandes temas e contribuições científicas. Rio de Janeiro, Interciência, p. 113-131. 2006.

    10. Gallo, V.; Cavalcanti, M.J. & Silva, H.M.A.. "Track analysis of the marine palaeofauna from the Turonian (late Cretaceous)". Journal of Biogeography, 34: 1167-1172. 2007.

    11. Blanco, A.; Gallo, V.; Alvarado-Ortega, J.. "Robertichthys riograndensis from the lower Turonian (upper Cretaceous) Vallecillo Lagerstätte, NE-Mexico: description and relationships". In: Arratia G.; Schultze H.-P. & Wilson, M.V.H. (eds.). Mesozoic Fishes 4-Homology and Phylogeny. München, Verlag Dr. Friedrich Pfeil, p. 389-397. 2008.

    12. Parméra, T.C.C.; Gallo, V. &; Silva, H.M.A.. "Padrões de distribuição da ictiofauna aptiana-albiana com base no método pan-biogeográfico de análise de traços". In: IX Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, 2014, Vitória. Paleontologia em Destaque-Edição Especial, Boletim de Resumos. Porto Alegre, Sociedade Brasileira de Paleontologia, p. 100. 2014.