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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000100006 

    BRASIL
    INTELIGÊNCIA

     

    Dificuldade de identificar e investir em pessoas com altas habilidades pode minar o talento nato

     

     

    Victoria Flório

     

     

    Sucesso de bilheteria, o filme Quem quer ser um milionário (2008), adaptação do livro do diplomata indiano Vikas Swarup, conta a história de um jovem pobre de Mumbai que tem o curso de sua vida transformado pelo desempenho surpreendente em um programa de auditório. Muitas outras pessoas, excepcionalmente inteligentes, ficaram famosas pela participação destacada nesse tipo de programa, como o brasileiro Ricardo Tadeu de Soares, nos anos 1980, e o norte-americano Christopher Langan, em 2008. Soares, que em 1992 entrou para o livro dos recordes como o advogado mais jovem do mundo (aos 16 anos), é o presidente da cervejaria subsidiária AB InBev, no México, desde 2013. Langan, mesmo considerado o homem mais inteligente dos Estados Unidos, não chegou a concluir o ensino superior e, atualmente, faz pesquisa sem filiação a instituições universitárias.

     

     

    Ambos tidos como pessoas fora dos padrões, Soares e Langan trilharam diferentes caminhos, e foram confrontados com desafios e oportunidades. O brasileiro teve apoio familiar, frequentou ambientes acadêmicos excepcionais ao longo da vida e é considerado um homem de sucesso.

    Langan teve uma infância muito pobre, pouco suporte familiar e uma base escolar ruim, ou seja, menos condições para desenvolver suas habilidades. Sua pesquisa não é reconhecida, apesar de seus talentos intelectuais. Malcom Gladwell, autor do bestseller Fora de série (2008), trata exatamente dessas pessoas fora dos padrões, sejam homens de negócio, estrelas do rock ou gênios da ciência.

    Segundo dados da Associação Nacional para Crianças Superdotadas nos EUA, entre 6% e 10% da população de estudantes daquele país é de alunos com altas habilidades/superdotação, o que representa entre 3 e 5 milhões de pessoas (2013-2014). Para os norte-americanos, os dados significam que ajudar as crianças com altas habilidades/ superdotação é uma questão de desenvolvimento nacional.

    No Brasil, a especialista em educação especial, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD), Suzana Graciela Pérez Barrera Pérez, estima que há mais de 2,5 milhões de alunos com altas habilidades/superdotação matriculados nas escolas públicas e privadas da educação básica.

     

    IDENTIFICANDO ALTAS HABILIDADES

    A educação especial não é uma modalidade elitista, mas que visa atender ao público tanto de alunos com altas habilidades/ superdotação quanto de portadores de deficiência e transtornos de desenvolvimento, cada um dentro de suas necessidades específicas.

    Em setembro de 2015, foi aprovado o projeto de lei para dispor sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento aos alunos com altas habilidades ou superdotação na educação básica e superior.

    Porém, segundo a ConBraSD, o projeto não prevê como será feita a identificação dos alunos e corre o risco do esvaziamento de cadastro -assim como aconteceu com o censo escolar que já registrava os alunos com altas habilidades/superdotação desde 1996 -, caso os professores continuem sem a formação adequada para lidar com a questão.

    Para valorizar esses talentos especiais é preciso saber identificar as crianças com altas habilidades/ superdotação. De acordo com pesquisa publicada em 2013 pelo Departamento de Educação de Newfoundland e Labrador, no Canadá, não há um critério único para incluir ou excluir indivíduos dentro do conceito de superdotação que pode ser evidenciada em muitos domínios como o linguístico, o lógico-matemático, o espacial, o musical, o interpessoal, o tecnológico, nos esportes e até na relação com os animais. A maneira como professores podem entender, identificar e lidar com crianças com altas habilidades, ou superdotadas, envolve critérios múltiplos de observação das habilidades cognitivas, como aptidão e criatividade, das realizações dos alunos e da opinião de pais, professores e colegas sobre o desempenho dessas crianças.

     

    ATENDIMENTO

    Tanto os alunos com altas habilidades/superdotação, como seus familiares e professores têm o direito de serem atendidos no Brasil. Inclusive, a legislação prevê que o atendimento dos alunos seja feito em salas com recursos multifuncionais. Para Suzana, a política pública para atender aos alunos com AH/SD é somente na área educacional. Há dispositivos que preveem o atendimento: LDB, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e, teoricamente, deveria existir um núcleo de atividades de altas habilidades/superdotação (NAAH/S) em cada capital brasileira.

    Ela conta que esses núcleos, criados em 2005 pelo Ministério da Educação (MEC), com recursos da Unesco e em parceria com as secretarias de educação dos estados, "funcionam de forma muito irregular, dependendo de interesse e apoio de cada secretaria". Os NAAH/S fariam a identificação e, em alguns deles, também o atendimento educacional e capacitação de professores. Instituições privadas e filantrópicas também realizam atendimento a esses alunos, mas o número ainda é pequeno.

    Suzana Pérez esclarece que "a escola deveria trabalhar com os alunos de forma diferenciada, mas não o faz porque há poucos profissionais capacitados, visto que nas formações que o MEC oferece para professores de educação especial raramente são oferecidos conteúdos relativos a altas habilidades/superdotação".

    Além disso, os professores de aula regular desconhecem o tema e há muitos mitos e crenças populares equivocadas e isso faz com que as crianças sequer sejam identificadas. "Por isso, eles continuam invisíveis e excluídos da educação", lamenta a especialista.

    Suzana acredita que vincular altas habilidades/superdotação e sucesso é um mito constatado por diversos autores. "A habilidade acima da média tem um componente genético, mas também um componente ambiental. Ninguém desenvolve o potencial se não tiver oportunidade de desenvolvê-lo".