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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.2 São Paulo Apr./June 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000200002 

    TENDÊNCIAS

     

     

    Avanços e retrocessos no marco legal da ciência, tecnologia e inovação: mudanças necessárias

     

     

    Abraham Benzaquen SicsúI; Mariana SilveiraII

    IFoi conselheiro nacional e secretário regional de Pernambuco da SBPC e, atualmente, é presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe)
    IIJornalista da Facepe

     

     

    Uma das grandes preocupações apresentadas, frequentemente, pelos especialistas é a ainda pequena participação do setor produtivo nos projetos de desenvolvimento e inovação no Brasil. A Lei de Inovação, de 2004, trouxe importantes modificações na legislação brasileira para regulamentar as atividades de pesquisa e desenvolvimento no país. Até então, era legalmente difícil a parceria com as empresas e a alocação de recursos públicos para a inovação empresarial. No entanto, verificou-se que, embora avanços efetivos fossem feitos, havia entraves a serem suplantados. O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (13.243/2016) foi proposto para desburocratizar e permitir maior parceria público-privada. Este, na prática, seu principal objetivo. A Lei de Inovação (10.973/2004) estabelecia, entre outras medidas, incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo com vistas à capacitação tecnológica, autonomia e desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regionais do país. Com esta lei e seus desdobramentos nas estaduais, um novo cenário começou a se configurar. Com ela, pretendia-se uma maior mobilidade de pesquisadores acadêmicos para uma atuação efetiva em projetos empresariais de desenvolvimento, além de maior flexibilidade para a alocação de recursos públicos que efetivamente levassem ao aumento da taxa de inovação no país.

    No entanto, verificou-se uma série de dificuldades burocráticas, advindas de outras leis, como a 8.666/1993, que dificultava atingir objetivos e avanços propostos pela Lei de Inovação. Com isso, iniciou-se um longo processo de negociação, cerca de oito anos, no qual se envolveram as principais lideranças políticas, empresariais e da comunidade científica para correção dessas distorções e para agilizar os processos de inovação no país.

    No dia 11 de janeiro de 2016, foi promulgado o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, com pompa e circunstância, e sancionada a Lei 13.243/2016. Tendo sido aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, esperava-se que fosse aprovada na forma em que foi encaminhada pelo legislativo para a sanção presidencial. No entanto, o Marco Legal apresentou surpresas na forma final: vetos.

    Sem dúvida, houve avanços com o Marco Legal com medidas para o incentivo à pesquisa, inovação e desenvolvimento com regras que disciplinam os setores públicos e privados. A matéria "Publicado com vetos Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação", do portal UOL Notícias (em 11, 12 e 13 de janeiro de 2016), ressalta que "segundo o governo e Congresso, a nova legislação permite maior flexibilidade de atuação às instituições científicas, tecnológicas e de inovação - ICTs. Um dos objetivos do Marco Legal é facilitar a aproximação de empresas e universidades, incentivando mais pesquisa, desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação no país. A presidente Dilma Rousseff destacou que, apesar do Brasil ter uma 'extraordinária capacidade de produzir conhecimento', infelizmente, esse conhecimento ainda não tem se traduzido em inovação produtiva integralmente. Segundo Dilma, com a nova legislação será possível transformar 'ciência básica em inovação' e 'inovação em competitividade, gerando um novo ciclo de desenvolvimento económico'".

    Esses avanços são importantes para a inovação no país. O Marco viabiliza as parcerias público privadas (PPPs) facilitando a articulação com empresas inovadoras, principalmente de porte médio e pequeno. Permite que um núcleo de inovação tecnológica (NIT) possa atender a várias instituições, dando efetividade a essas estruturas que necessitam de profissionais especializados em transferência de tecnologia e propriedade industrial, o que leva a custos não suportados por muitas das instituições de ciência e tecnologia. Regulamenta a Lei de Inovação no que tange ao trabalho com o setor privado e aumenta a possibilidade de pesquisadores universitários prestarem consultoria às empresas. Mas, há o problema com os vetos já citados. A Lei trata pesquisa como commodity e obriga a licitação de tudo que é utilizado nos laboratórios, além de regrar a contratação de pessoal, o que impede a prática de convidar especialistas para colaborar em projetos, trazendo novamente entraves burocráticos. Os vetos comprometem e desvirtuam muito do que foi negociado, por longo período, com os próprios parlamentares que participaram do processo e que reconhecem isso. Portanto existem impasses nesses vetos.

    Primeiramente, taxar bolsas de pesquisa para projetos de desenvolvimento em empresas, assim como se faz com salário, parece um desestímulo. Neste caso, vão cobrar INSS de bolsistas de ICTs privados, retirando o caráter de bolsa das mesmas. Outro problema é que o objetivo da lei era incentivar as empresas a investirem em desenvolvimento e, com a manutenção de impostos de importação para equipamentos de pesquisa e exame de similaridade para importação dos bens para pesquisa científica, tecnológica e inovação, cria-se novamente dificuldades burocráticas.

    Outro veto, proíbe a inclusão de taxas de administração nos instrumentos firmados por ICTs, empresas, fundações de apoio, agências de fomento e pesquisadores. O argumento de que, se é convênio, não cabe taxa de administração é pouco compreensível, uma vez que as instituições de articulação, como as fundações universitárias, necessitam manter suas estruturas para operacionalizar a intermediação.

    Outro problema com os vetos são as encomendas públicas de conteúdo tecnológico, visto que não há dispensa de licitação lato sensu e sim dispensa de licitação para pequenas e médias empresas que desenvolvem algum tipo de bem e serviço de conteúdo com órgãos públicos. A proposta de projeto de lei dizia que o órgão público contratante não precisaria fazer uma licitação para comprar o que ele mesmo fomentou e ajudou a desenvolver. Este item merece também muita atenção. Cai-se novamente na burocracia da Lei 8.666.

    É consenso, na atualidade, que a inovação é fundamental para o desenvolvimento de um país. Claro, não deixamos de comemorar o avanço do Marco Legal. Mas o próximo passo agora é superar um certo clima de frustração que foi criado com os vetos que, no nosso entender, continuam a dificultar que um país, moderno e dinâmico, mas com baixa taxa de inovação, possa superar suas crises. É fundamental uma mobilização para a relevância da retirada dos vetos, mantendo o texto original aprovado com unanimidade pelo Congresso Nacional. Nesta direção, começam a acontecer articulações e parcerias com o objetivo de fazer avançar o movimento em prol da inovação no Brasil.