SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.68 número2 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.2 São Paulo abr./jun. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000200004 

    NOTÍCIAS DO BRASIL
    RESIDUOS SOLIDOS

     

    Lixões continuam por toda parte

     

     

    Leonor Assad; Thais Siqueira

     

     

    Em meio a campanhas de combate ao Aedes aegypti, que incluem mosquitos virtuais passeando pelas páginas dos sites de instituições do governo federal, a população de vários municípios brasileiros continua se deparando com um tipo de criadouro que parece se proliferar com a mesma facilidade que os mosquitos: lixo acumulado nas cidades e em áreas rurais. Mesmo assim, em Brasília, onde está o maior lixão a céu aberto das Américas, a 15 km do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, continuam fortes as pressões para que os municípios brasileiros tenham mais tempo para extinguir os lixões.

    Após tramitar por 20 anos no Congresso Nacional, a Lei nº 12.305/10 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

    A PNRS determina que a gestão de resíduos sólidos tem que ser compartilhada entre os geradores (fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes) e o cidadão. Também proibiu o lançamento de resíduos a céu aberto - o que inclui os lixões -, excetuados os de mineração, e determinou a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (por exemplo, em aterros sanitários), a ser implantada em até quatro anos após a data de publicação da Lei. Ou seja, até agosto de 2014.

     

    MAIS DO QUE COLETAR, GERIR

    A necessidade de adiar o fim dos lixões e a construção de aterros, mostra que a gestão de resíduos sólidos urbanos não tem sido prioridade em boa parte dos municípios brasileiros. Gabriela Otero, coordenadora técnica da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), lembra que, a rigor, lixões são proibidos desde 1981, quando entrou em vigor a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31/08/1981). Posteriormente, a chamada Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12/02/1998) considerou crime ambiental, passível de pena de um a cinco anos de reclusão, lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos. Otero salienta que o diferencial da PNRS foi regulamentar e estabelecer prioridades no tratamento de resíduos, indicando que não basta coletar, é preciso gerir.

    A PNRS não trata expressamente do encerramento de lixões; mas, ao estabelecer a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, impõe que nos planos municipais de resíduos sólidos devem existir metas para a eliminação e recuperação desses lixões. No entanto, "em meados de 2015, três anos após ter se esgotado o prazo estabelecido pela PNRS, apenas 35% dos 5.570 municípios brasileiros possuíam um plano de gestão integrada e de gerenciamento de resíduos sólidos", acrescenta Otero.

    O professor de administração pública da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Vinícius Ferreira Baptista, considera que a PNRS reflete uma vontade de se pensar na gestão de resíduos sólidos urbanos de forma moderna, ampla, com segurança, sem desperdício, rápida e eficiente.

    Na opinião dele, a dificuldade de consolidar a PNRS relaciona-se com a falta de recursos, de quadros técnicos e gerenciais qualificados e de vontade política. "O gestor público de um município de pequeno porte não tem condições físicas, financeiras, políticas e estruturais para implantar a PNRS, afirma Baptista. "Física, porque não tem espaço para construir um aterro sanitário; financeira, porque, além do aterro, precisa de instrumentos, máquinas, veículos e demais bases de suporte para logística de lixo comum, logística reversa e coleta seletiva; política, porque ter um aterro evoca questões estéticas, de saúde, humanitárias e legais que muitos não querem enfrentar; e estrutural, por envolver a municipalidade em projetos e programas que precisam ser conduzidos por pessoal capacitado para além da dualidade comando-controle de gestão usual", explica.

    Já Otero considera que não faltam recursos nem profissionais capacitados: "na verdade, por um lado, faltam oportunidades para profissionais atuarem na gestão de resíduos sólidos na esfera municipal e, por outro, articulação política, pois é necessário integrar secretarias de meio ambiente, saúde, saneamento, educação e priorizar a gestão dos resíduos".

     

     

    MAIS TEMPO

    As ações de prefeitos para adiar prazos da PNRS são lideradas pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) sob a alegação de que as responsabilidades com relação ao destino do lixo têm sido repassadas às administrações municipais sem a devida contrapartida técnica e financeira. Por isso os prefeitos lutam para que os prazos da lei sejam revistos. Na Medida Provisória (MP) 678, vetada em 2015, os governos municipais teriam até 2016 para elaborar os planos de gestão integrada e de gerenciamento de resíduos sólidos e até 2018 para promover a disposição final dos rejeitos em aterros sanitários. Agora o objetivo da CNM é aprovar o PL 2.289/2015, ainda em tramitação, que determina prazos diferenciados conforme o tamanho da população do município e destaca a necessidade de apoio técnico e financeiro.

    Manfred Fehr, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que atua na área de gestão ambiental, considera que não houve tempo suficiente para os municípios se adequarem às regras e metas impostas pela lei de 2010. Para ilustrar sua opinião ele utiliza uma parábola: "Imagine um diálogo entre um mestre e um discípulo. Discípulo: Mestre, como faz para ser sábio? Mestre: faço boas escolhas. Discípulo: e como aprendeu a fazer boas escolhas? Mestre: experiência. Discípulo: e como adquiriu experiência? Mestre: fazendo más escolhas". Fehr informa que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que regulamenta a PNRS, tem vigência indeterminada e horizonte de 20 anos, com atualização a cada quatro anos. O plano, de 2011, manteve o prazo até 2014 para se eliminar os lixões. "Mas, em três anos, os administradores municipais apenas chegam a fazer as más escolhas a que têm direito. Ninguém nasce sábio", pondera. Para ele, os critérios a partir dos quais as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos foram fixadas não são claros. Isso criou a falsa impressão de que a culpa do atraso é dos municípios.

     

    LIXO E LUCRO

    Outra questão importante a ser considerada quando se avalia a PNRS são os interesses económicos, porque os resíduos têm valor. Nesse sentido, segundo Baptista, "a PNRS deu visibilidade aos catadores de materiais recicláveis. Eles tiveram que ser incluídos, mesmo que indiretamente, nas políticas de gestão dos recursos sólidos urbanos. Prefeitura, atravessadores e a indústria da reciclagem como um todo perceberam a importância do trabalho dos catadores", afirma.

    E acrescenta: "o lixo é um bom negócio quando existe a coleta seletiva que gera materiais de valor com baixo custo, a partir do trabalho dos catadores, e também quando não existe nenhum tipo de política para gestão dos resíduos, porque nessa situação o município não tem responsabilidade sobre nada". Para o professor da UFRRJ, a PNRS é uma política pública que nasceu desagregada e segue assim. "Não importa o quanto se ajuste, não vai dar certo se o principal não for feito: um pacto baseado nos interesses comuns a todos os atores envolvidos".