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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.2 São Paulo abr./jun. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000200009 

    NOTÍCIAS DO MUNDO
    RESENHA

     

    Soldados de seis pernas

     

     

    Chris Bueno

     

     

     

    Já imaginou uma bomba de abelhas? Ou insetos criados especialmente para disseminar doenças? Ou ainda pragas controladas para destruir plantações de nações inimigas? De acordo com Jeffrey Lockwood, entomólogo e professor do Departamento de Ciências Naturais e Humanidades da Universidade do Wyoming, Estados Unidos, isso não é apenas imaginação, mas uma assustadora realidade. Em seu livro Soldados de seis pernas: usando insetos como armas de guerra, ele conta a história ainda pouco conhecida da utilização de insetos como armas de guerra e instrumentos de tortura e terror. Publicado originalmente pela Oxford University Press e lançado no Brasil no ano passado pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC), o livro já recebeu dois prêmios literários: a Medalha John Burroughs e o Pushcart Prize.

    Lockwood analisou de forma exaustiva documentos históricos e arquivos militares em busca de material para compor seu livro. O resultado é um relato bem documentado e assombroso sobre como simples insetos podem se tornar verdadeiras armas de destruição.

     

    ARMAS DE GUERRA

    Insetos são utilizados como arma há séculos. O relato de Soldados de seis pernas começa no paleolítico e chega aos dias atuais. Os primeiros registros de guerras narram a utilização de abelhas e vespas para desorientar exércitos inimigos. Na Idade Média, exércitos catapultavam colmeias de abelhas sobre os muros de cidades cercadas. Em 1942, bombardeiros japoneses lançaram recipientes de cerâmica cheios de vetores de cólera sobre cidades no sul da China, fazendo mais de 200 mil vítimas. Em 1960, estra-tegistas norte-americanos produziram mensalmente 130 milhões de mosquitos portadores do flavivírus com o objetivo de disseminar a febre amarela entre civis - o plano, no entanto, nunca foi levado a cabo. E não é só: os insetos também eram usados para torturar. Os persas amarravam seus prisioneiros em árvores e os cobriam de mel, deixando que vespas e outros insetos fizessem o resto. No século 19, o emir de Bukhara abandonava seus prisioneiros em um poço cheio de insetos carnívoros.

    Até mesmo a dengue tem espaço no livro. De acordo com o autor, mosquitos infectados com o vírus da dengue foram utilizados em Saipan (a maior das Ilhas Marianas do Norte, no Oceano Pacífico) durante a Segunda Guerra Mundial, e cerca de um terço da tropa inimiga contraiu a doença. Há ainda acusações de que o surto de dengue em Cuba em 1981, que deixou mais de 115 mil pessoas hospitalizadas e causou 158 mortes, tenha sido induzido pelos Estados Unidos. Menos de um ano depois, outro surto de dengue e de febre amarela aconteceu no Afeganistão - que também acusou os Estados Unidos.

    Os insetos também podem ser usados para atacar plantações e, assim, enfraquecer o inimigo, diminuindo suas provisões de alimentos e forçando-o a gastar recursos para combater novas pragas. Lockwood relata em seu livro as pesquisas realizadas pela França e pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, envolvendo o besouro da batata. Apesar de não haver provas, o autor explora as alegações de que a Alemanha tenha utilizado estes besouros na Inglaterra e que os Estados Unidos utilizaram "bombas" desses insetos em plantações na Alemanha e na Rússia. Alegações semelhantes, igualmente sem provas, surgiram durante a Guerra Fria, como a da Coreia do Norte que afirmava que os norte-americanos depositaram colêmbolos (pequenos artrópodes) em suas plantações.

     

    TECNOLOGIA AVANÇADA

    Os insetos ainda podem utilizados como sensores para a detecção de explosivos e outras substâncias nocivas. De acordo com Lockwood, abelhas podem ser treinadas para detectar e pairar sobre minas terrestres e vespas para sinalizar a presença de explosivos ou outros produtos químicos perigosos.

    Apesar de deixar importantes episódios históricos de fora e de alguns trechos beirarem o melodrama, Soldados de seis pernas é um relato fascinante. O autor consegue cativar o leitor, explorando a história ainda pouco conhecida dos insetos, mostrando o perigo da sua utilização como arma e levantando questões éticas, apontando para a possibilidade de um cenário muito mais sombrio na atualidade caso essa prática continue a ser utilizada em ações de violência e agressão. O último capítulo do livro é um alerta sobre o potencial destrutivo de insetos no contexto do terrorismo contemporâneo. Com o surto de dengue, zika e chikungunya, o livro de Lockwood dá muito a se pensar - e temer.