SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.68 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.2 São Paulo abr./jun. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000200010 

    OLIMPÍADAS
    ARTIGOS

     

    Apresentação: Jogos Olímpicos Rio de Janeiro 2016

     

     

    Alberto Reinaldo Reppold Filho

    Professor associado e diretor da Escola de Educação Física e coordena o Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É membro da Academia Olímpica Brasileira e professor visitante da Academia Olímpica Internacional (Grécia)

     

     

    Em uma década, o Brasil saltou da periferia ao centro do cenário esportivo mundial. No segundo semestre deste ano, quando se encerrarem os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, o país terá sediado quatro grandes eventos em menos de dez anos. Na história esportiva internacional, não existem precedentes. Nem nações com economias fortes e estáveis, longa tradição esportiva e experiência em organizar competições de vulto, obtiveram sucesso na candidatura para sediar, em período tão curto, tantos eventos esportivos de grande magnitude.

    Em 2007, a cidade do Rio de Janeiro recebeu os Jogos Pan e Para-pan-Americanos. Nos primeiros, estiveram presentes 42 países e cerca de 5.600 atletas. No segundo evento, compareceram 25 países e em torno de 1.100 atletas. Tratavam-se, é verdade, de acontecimentos menores quando comparados com os grandes eventos esportivos que estavam por vir. Entretanto, deixaram uma ideia dos desafios a serem enfrentados. Para o comitê organizador do Pan 2007, o evento marcou a história esportiva do país, provando para o mundo que o Brasil era capaz de organizar grandes competições. Essa posição foi reiterada em julho de 2013, quando o Comité Olímpico Brasileiro (COB) comemorou o sexto aniversário da abertura do evento. O presidente da entidade declarou que o sucesso dos Jogos Panamericanos de 2007 representou a "porta de entrada para a conquista dos Jogos Olímpicos Rio 2016" (1). Os órgãos públicos de controle, as organizações não-governamentais e a mídia esportiva trouxeram uma visão diferente da apresentada pelo COB e pelo comitê organizador do Pan: gastos acima do previsto, suspeitas de desvio de dinheiro público e de superfaturamento nas obras, falta de participação popular no processo de tomada de decisão e, encerrados os Jogos, instalações esportivas subutilizadas.

    A Copa das Confederações, outra competição de importância mundial, marcou o calendário esportivo brasileiro de 2013. O evento aconteceu no mês de junho, envolvendo oito seleções, e serviu de preparação para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. Seis cidades brasileiras sediaram os jogos: Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. A disputa entre as cidades para abrigar a competição teve início em 2009 e encerrou-se somente em 2011, quando a Fifa anunciou as seis sedes do torneio. A acirrada disputa evidenciou a relevância que os governos e as lideranças locais atribuem a tais eventos. No gramado, a seleção brasileira recuperou seu prestígio, afetado pelo insucesso na Copa da África do Sul, em 2010, e por posteriores fracassos, vencendo na partida final a seleção espanhola, considerada, na época, a melhor equipe de futebol do planeta. Fora do campo, a Fifa e o governo brasileiro festejaram o recorde de público nos estádios (média de 50 mil pessoas por partida) e o sucesso financeiro do evento. A Copa das Confederações, entretanto, não aconteceu sem problemas. O período da competição foi marcado por manifestações populares nas principais cidades do país. Entre as reivindicações estavam: redução da tarifa e melhoria do transporte público, segurança para a população, combate à corrupção, e maiores investimentos em educação e saúde. Além disso, os manifestantes criticavam os elevados gastos com a Copa do Mundo de Futebol e com os Jogos Olímpicos de 2016. Nas proximidades dos estádios, aconteceram inúmeros confrontos entre policiais e manifestantes. Os meios de comunicação deram visibilidade aos acontecimentos, e as imagens percorreram o país e o mundo, mostrando a insatisfação de uma parte significativa da população brasileira com a realização desses eventos.

    Em 2014, nos meses de junho e julho, o país recebeu o maior evento do futebol mundial. Foram 32 seleções nacionais e mais de 700 atletas. A Copa do Mundo de Futebol envolveu 12 cidades brasileiras. Dezoito cidades (2) candidataram-se a sediar os jogos, tendo a Fifa enfrentado dificuldades para realizar a escolha devido à grande disputa entre as candidatas. Para atender as pressões dos estados e municípios, foram escolhidas 12 cidades e não 10, como inicialmente previsto pela Fifa. Definidas as cidades-sede, teve início a mobilização em torno das providências para receber o evento. A preparação para a Copa exigiu um enorme aporte de recursos públicos. Somente para a construção e reforma dos estádios foram gastos 8,38 bilhões de reais, sendo 3,81 bilhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), 3,95 bilhões de investimentos dos governos locais, e 611 milhões de investimentos privados. Os investimentos para o evento totalizaram 27,1 bilhões de reais, dos quais somente 4,33 bilhões foram de investimentos privados (3). No valor estão incluídas obras de mobilidade urbana, portos, aeroportos, segurança, telecomunicações, infraestrutura de turismo e instalações complementares para o evento. O governo brasileiro alimentava expectativas de que a Copa trouxesse um retorno financeiro considerável para o país, especialmente no turismo. O Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) estabeleceu por meta atrair 600 mil turistas para a Copa. Em outubro de 2013, teve início uma campanha com o objetivo de melhorar a imagem do país no exterior, de maneira que o turista estrangeiro não temesse os protestos, os problemas nos aeroportos e os preços abusivos nos hotéis. O projeto contou com investimentos de 10 milhões de dólares e foi veiculado em sete países: Argentina, Chile, Colômbia, México, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido. A segunda etapa da campanha atingiu mais países e aconteceu em período próximo ao evento. No terreno esportivo, a seleção brasileira apresentou um triste desempenho, frustrando as expectativas dos torcedores. Para a Fifa, contudo, a Copa foi um sucesso financeiro e de público. O evento teve uma assistência total nos estádios de 3,42 milhões de pessoas, com a média de 53.5 mil espectadores por jogo. Foi o segundo maior público de toda a história das Copas do Mundo. O maior ocorreu nos Estados Unidos, em 1994, com 3,58 milhões de pessoas. Nas fan fest, organizadas nas 12 cidades-sede, estiveram presentes 5,15 milhões de pessoas. Dos 3,14 milhões de ingressos vendidos, mais da metade (1,63 milhões) foram adquiridos por residentes no Brasil, seguidos dos Estados Unidos (203 mil ingressos), Argentina (66 mil), Alemanha (60 mil) e Inglaterra (58 mil), indicando que a estratégia de divulgação do país no exterior atingiu a meta esperada (4). Em termos financeiros, a Copa gerou uma receita total de 4,8 milhões de dólares para a Fifa e incorreu em despesas totais de 2,2 milhões de dólares, deixando assim um lucro de 2,6 milhões para a entidade (5).

    A década dos megaeventos esportivos no Brasil encerra-se em 2016, quando a cidade do Rio de Janeiro receberá os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Os eventos acontecerão nos meses de agosto e setembro, respectivamente. Para os Jogos Olímpicos, estima-se a presença de 206 países e mais de 10 mil atletas. Nos Jogos Para-límpicos, a previsão é de cerca de 160 países e mais de 5 mil atletas. Diferentemente da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de Futebol, que acontecem em várias cidades, os eventos olímpicos concentram-se em apenas uma, à exceção das etapas preliminares da competição de futebol que se realizam em outras localidades. Em 2016, os jogos de futebol envolverão, além da capital fluminense, outras cinco cidades: São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Manaus. Várias obras estão em andamento no Rio de Janeiro para atender ao plano elaborado pelo COB, e avalizado pelos governos federal, estadual e municipal, quando da candidatura para os Jogos. O documento é uma exigência do Comitê Olímpico Internacional para a aceitação de candidaturas e contempla itens como: financiamento, instalações esportivas, transporte, segurança, apoio da população local e legado para a cidade e o país sede. A escolha do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, ocorrida em Copenhague, em 2009, selou o compromisso de que o evento aconteceria conforme o proposto no documento da candidatura.

    Esses comentários introdutórios servem para ilustrar que os megaeventos esportivos, pela sua magnitude, impactam e geram legados para as cidades e os países sede. Esses impactos e legados podem ser positivos e negativos, intencionais e não intencionais, entre outras classificações. Podem também ser de diferentes tipos: económicos, sociais, políticos, culturais, esportivos, ambientais e de imagem, para mencionar apenas os mais destacados na literatura especializada. São eventos que requerem garantias e enormes investimentos dos governos dos países e das cidades onde são realizados, uma vez que segurança e mobilidade urbana, entre outros itens previstos no caderno de encargos, dependem das autoridades públicas. Além disso, envolvem anos de preparação, necessitando, assim, de apoio continuado da população.

    Por essas, entre outras razões, os megaeventos esportivos tornaram-se, na atualidade, temas relevantes de estudo e pesquisa em diversas áreas de conhecimento. No Brasil, isso não é diferente. A realização de quatro eventos de grande magnitude em apenas uma década despertou, e em grande medida exigiu, que a comunidade acadêmica brasileira examinasse o assunto a partir de diferentes perspectivas.

     

    PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA SOBRE MEGAEVENTOS ESPORTIVOS

    A análise da produção científica brasileira evidencia que até meados dos anos 2000 eram escassos no país os estudos sobre megaeventos esportivos. A situação mudou significativamente a partir de 2007. Desde então, os megaeventos esportivos foram analisados por pesquisadores de diferentes disciplinas, sendo consideráveis as contribuições da economia, administração, geografia, sociologia e educação física. Mais recentemente, especialistas em planejamento urbano, turismo, segurança e meio ambiente ampliaram a compressão desses eventos. O crescimento da produção científica brasileira sobre o tema pode ser atestada pela análise de livros e artigos científicos produzidos no período de 2007 a 2015.

    a) Livros

    Os primeiros livros publicados no Brasil sobre megaeventos esportivos aconteceram nos anos de 2007 e 2008, e contaram com o apoio do Ministério do Esporte. A realização dos Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro em 2007 - com suspeitas de superfaturamento nas obras e gastos acima dos previstos -, seguida da inscrição da cidade do Rio de Janeiro como candidata a sediar os Jogos Olímpicos de 2016 e da confirmação do Brasil como sede da Copa do Mundo de Futebol, ocorridas, respectivamente, em setembro e outubro de 2007, colocaram para o governo brasileiro - principal financiador desses eventos -, e para vários segmentos da sociedade brasileira, a necessidade de conhecê-los em mais detalhes. Assim, em conjunto com universidades, conselhos profissionais, entidades esportivas e organizações não governamentais, o Ministério do Esporte produziu importantes documentos sobre o assunto. Essas obras, ainda hoje referência para os estudiosos de megaeventos esportivos no Brasil, trataram de uma ampla variedade de temas (turismo, meio ambiente, voluntariado, instalações esportivas, ordenamento urbano, gestão de eventos, legado, responsabilidade social etc) e contaram com a participação de pesquisadores do país e do exterior. Os estudos mais significativos desse período foram: Legado social dos XV Jogos Pan-Americanos Rio 2007: diagnóstico social e esportivo de 53 favelas cariocas (6); Megaeventos esportivos, legados e responsabilidade social (7); e Legados de megaeventos esportivos (8).

    Nos anos seguintes, outras publicações foram realizadas por universidades brasileiras com o apoio de fundações estaduais de pesquisa. Nesse grupo, merecem destaque dois livros: O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades (9); e Megaeventos esportivos e seus impactos nos estados periféricos (10). A primeira obra trata das transformações provocadas pelos megaeventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, destacando seus efeitos em uma realidade marcada por profundas desigualdades sociais. Os autores formam um grupo multidisciplinar: economistas, sociólogos, geógrafos, arquitetos e urbanistas. A segunda obra apresenta uma visão geral dos impactos dos megaeventos esportivos e destaca algumas de suas implicações para as políticas públicas de esporte. Trata-se de uma coletânea de estudos desenvolvidos por pesquisadores da área da educação física. Nesta lista, pode-se incluir também Grandes eventos esportivos e planejamento de desenvolvimento urbano, obra que contempla os estudos da cooperação técnica entre o Ministério do Esporte e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (11).

    Em 2013, as editoras comerciais brasileiras passaram a publicar livros sobre megaeventos esportivos, indicando o crescente interesse no assunto. Nesse grupo de publicações encontram-se: Legados de megaeventos esportivos (12); e Sustentabilidade, governança e megaeventos: estudo de caso dos Jogos Olímpicos (13). O primeiro livro consiste de uma coletânea de trabalhos elaborada por autores de diferentes especialidades acadêmicas que retomam, e por vezes aprofundam, temas examinados em obras anteriormente publicadas no país. Dois estudos merecem especial atenção por examinarem assuntos ainda pouco considerados pelos pesquisadores brasileiros. Um focaliza o legado dos megaeventos esportivos para a educação física escolar; enquanto outro trata do legado para a pesquisa. O segundo livro também é fruto de trabalho coletivo. Os autores realizam um estudo de caso sobre sustentabilidade e governança nos Jogos Olímpicos.

    Os anos seguintes registram um crescimento das publicações sobre o tema. Em 2014, são lançados Citius, altius e fortius: Brasil, esportes e Jogos Olímpicos (14), O Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (15), e Megaeventos esportivos: suas consequências, impactos e legadospara a América Latina (16). Estas obras constituem um rico acervo de análises e críticas aos megaeventos esportivos.

    No mesmo ano, são lançadas duas obras cujas características diferem das anteriores: Impactos económicos de megaeventos esportivos (17) e Megaeventos esportivos no Brasil: um olhar antropológico (18). Esses estudos lançam olhares especializados sobre os megaeventos esportivos. No primeiro, os aspectos económicos ganham destaque. No segund, os megaeventos esportivos são examinados a partir da visão antropológica.

    Em 2015, três publicações merecem destaque. O futuro dos megaeventos esportivos (19) é uma coletânea de estudos sobre os impactos e legados da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos, na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se da primeira obra a analisar com mais detalhes a Agenda2020 do Comitê Olímpico Internacional. O Observatório das Metrópoles lança duas coletâneas de estudos sobre os megaeventos esportivos. A primeira intitulada Brasil: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 (20) apresenta os resultados nacionais de um projeto que teve por objetivo avaliar os impactos da preparação das cidades para sediarem esses dois eventos esportivos, em termos de transformações socioeconómicas, ambientais e simbólicas. A segunda, com o título Rio de Janeiro: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016, examina em detalhe a transformações ocorridas na cidade do Rio de Janeiro (21).

    b) Artigos científicos

    A revista Motrivivência, editada pela Universidade Federal de Santa Catarina, teve quatro números dedicados aos megaeventos esportivos (22). Os títulos das publicações fornecem uma ideia dos assuntos abordados: Manifestações populares, cidadania e megae-ventos (2013); As lutas sociais, os megaeventos esportivos no Brasil, as políticas públicas e o "padrão Fifa" (2013); A década dos megaeventos esportivos no Brasil (2009); Grandes eventos esportivos no Brasil (2006). No conjunto, os artigos publicados na Motrivivência apresentam um panorama atual do assunto. Os autores são na maioria da área da educação física.

    Em 2012, a Revista Coletiva, periódico de divulgação científica da Fundação Joaquim Nabuco, dedicou um número aos megae-ventos esportivos (23). Os autores apresentam um visão crítica dos eventos que estavam por acontecer no Brasil. Além dos aspectos sociais e económicos, outros temas são examinados, como por exemplo: a segurança nos estádios e a especulação imobiliária associada a esses eventos.

    Os megaeventos esportivos foram também tema de um número especial da revista Horizontes Antropológicos, publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (24). A publicação supriu uma lacuna na pesquisa sobre o assunto, explorando, a partir de uma perspectiva antropológica, os aspectos simbólicos dos megaeventos esportivos. A obra contou com a participação de pesquisadores do Brasil e do exterior.

     

    OS JOGOS OLÍMPICOS

    A Revista Princípios realizou um levantamento da situação dos megaeventos esportivos no país. A publicação abre com uma entrevista com o ministro do Esporte, onde são apresentados os aspectos considerados positivos da realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos para o Brasil. Os demais artigos abordam temas económicos, políticos, sociais e técnicos da preparação brasileira para esses eventos. Entre os autores encontram-se: gestores, autoridades públicas, jornalistas e pesquisadores de universidades brasileiras.

    As quatro revistas, quando consideradas em conjunto, publicaram 8 editoriais e 62 artigos sobre megaeventos esportivos. Somam-se a essas publicações, artigos divulgados em outras revistas brasileiras de educação física e ciências do esporte (25). Essas, embora não tenham dedicado números especiais aos megaeventos esportivos, têm frequentemente publicado material sobre o tema.

     

    MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E JOGOS OLÍMPICOS

    A revista Ciência e Cultura, atenta à importância social, política e económica dos megaeventos esportivos e fiel à tradição de discutir assuntos de relevância para a comunidade acadêmica, teve a iniciativa de dedicar o espaço de seu Núcleo Temático aos Jogos Olímpicos.

    Em consonância com a linha editorial da revista, foram convidados pesquisadores de diferentes disciplinas acadêmicas, do país e exterior. O Núcleo Temático inicia com o artigo do antropólogo Arlei Sander Damo, professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O autor examina como os relatórios, consultorias, produções científicas e dossiês elaborados por agências governamentais, comitês populares, empresas privadas e meio acadêmico exercem poder agenciando opiniões e decisões sobre a destinação de recursos públicos para os megaeventos esportivos. Esses documentos, entendidos como dispositivos sociotécnicos, constituem uma modalidade específica de discurso destinado a fins políticos, cuja intenção é convencer as agências governamentais e a opinião pública.

    O segundo artigo trata dos Jogos Olímpicos e o direito à moradia adequada. A autora, Raquel Rolnik, arquiteta, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), atuou como relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no período de 2008 a 2014. Para a autora, os Jogos Olímpicos e outros eventos esportivos de igual magnitude fazem parte de uma estratégia de dinamização das cidades, implantada com o apoio de grandes corporações e capitais privados, cujo propósito é promover a renovação da infraestrutura urbana, o desenvolvimento imobiliário e a imagem internacional da cidade. Esses eventos têm consequências diversas e afetam de maneiras diferentes as populações das cidades anfitriãs. A autora examina os efeitos desses eventos sobre a moradia adequada - dimensão fundamental da vida dos moradores e das comunidades mais vulneráveis da sociedade -, tema ainda negligenciado pelas autoridades públicas e organizações esportivas quando do planejamento e organização dos Jogos Olímpicos.

    Em seguida, outro artigo traz um assunto de grande relevância para os profissionais da área da educação física. Em estudo conjunto, Billy Graeff, educador físico e professor da Universidade de Rio Grande, Paul Bretherton, pesquisador britânico com atuação na área da gestão do esporte e do lazer, e Joe Pigguin, professor e diretor do Programa de Pós-Graduação em Gestão do Esporte da Universidade de Loughborough, do Reino Unido, analisam o legado dos Jogos Olímpicos para a atividade física e esportiva. Os autores realizam um estudo comparativo dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, e do Rio de Janeiro, em 2016. Os resultados indicam que a realização desses eventos não aumentou, como seria esperado, os níveis de atividade física e esportiva na população dos países-sede.

    O quarto artigo é resultado de um trabalho conjunto de pesquisadores brasileiros e alemães, e vem assinado pelos professores Holger Preuss, Norbert Schutte e Thomas Konecke, todos da área de gestão e economia do esporte, com atuação na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, Alemanha, e do professor Lamartine da Costa, especialista em estudos olímpicos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Os autores apresentam os resultados de uma pesquisa sobre a estrutura e o significado dos valores que são associados aos Jogos Olímpicos por pesquisadores e profissionais que atuam ou são observadores próximos desses eventos.

    O artigo que fecha o Núcleo Temático é de autoria do filósofo britânico Jim Parry, professor visitante na Universidade Charles de Praga, na República Checa. O autor dedica-se a examinar a situação atual e os desafios do movimento olímpico, do olimpismo e dos Jogos Olímpicos no século XXI. Temas como universalismo, relativismo, multiculturalismo e democracia são discutidos na sua relação com o ideário olímpico e com os valores defendidos pelo movimento olímpico na contemporaneidade.

    Esperamos que este Núcleo Temático seja do agrado dos leitores e fomente reflexões e discussões sobre as múltiplas faces dos megae-ventos esportivos, em especial dos Jogos Olímpicos, cuja 31ª edição em breve acontecerá na cidade do Rio de Janeiro.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS

    1. A manifestação do presidente do COB sobre a importância dos Jogos Panamericanos de 2007 para o sucesso da candidatura da cidade do Rio de Janeiro aos Jogos Olímpicos de 2016 está disponível em: http://www.cob.org.br/noticias-cob/cob-comemora-sexto-aniversario-pan-035183 (acessado em: 10/12/13).

    2. Inicialmente, 22 cidades brasileiras se candidataram a sediar jogos da Copa do Mundo de Futebol. Após avaliação preliminar, três foram eliminadas: João Pessoa, Teresina e Campinas. Em período posterior, Maceió decidiu por retirar a candidatura. Recife e Olinda haviam proposto candidatura conjunta mas, como o projeto do novo estádio para a Copa foi alterado, prevendo sua construção em outro local, a candidatura passou a ser apenas de Recife.

    3. Ministério do Esporte. Matriz de Responsabilidade Consolidada. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/arquivos/assessoriaEspecialFutebol/copa2014/Matriz_consolidada_dez_2014.pdf (acessado em: 04/04/2015).

    4. Fifa. The 2014 Fifa World Cup in Numbers. Disponível em: http://resources.fifa.com/mm/document/tournament/competition/02/44/29/89/fifaworldcupinnumbers_120714_v7_eng_neutral.pdf (acessado em: 30/03/2016).

    5. Fifa. Financial Report 2014. Disponível em: http://www.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/56/80/39/fr2014weben_neutral.pdf (acessado em: 30/03/2016).

    6. Observatório de Favelas. Legado social dos XV Jogos Pan-Americanos Rio 2007: diagnóstico social e esportivo de 53 favelas cariocas. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas/Ministério do Esporte, 2007. Ver também: Observatório de Favelas. Legado social dos XV Jogos Pan-Americanos Rio 2007: diagnóstico social e esportivo de 53 favelas cariocas. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas/Ministério do Esporte, 2008, vol. 2.

    7. Rubio, K. (org.). Megaeventos esportivos, legado e responsabilidade social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

    8. Dacosta, L. et al. (org.). Legados de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte, 2008. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/arquivos/ascom/publicacoes/Legados%20de%20Megaeventos%20Esportivos_Portugus_e_Ingls.pdf

    9. Mascarenhas, G.; Bienenstein, G.; Sánchez, F. (org.). O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

    10. Oliveira, A. F. S.; Haiachi, M. C. (org.). Megaeventos esportivos e seus impactos nos estados periféricos. São Cristóvão: Editora UFS, 2011.

    11. BID/Brasil. Grandes eventos esportivos e planejamento de desenvolvimento urbano. Brasília: BID, 2013.

    12. Marcellino, N. C. (org.). Legados de megaeventos esportivos. Campinas: Papirus, 2013.

    13. Flores, M. (org.). Sustentabilidade, governança e megaeventos: estudo de caso dos Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

    14. Moreira, W. W.; Bento, J. O. (org.) Citius, altius e fortius: Brasil, esportes e Jogos Olímpicos. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2014.

    15. Jennings, A. et al. Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2014.

    16. Capela, P.; Tavares, E. Megaeventos esportivos: suas consequências, impactos e legados para a América Latina. Florianópolis: Editora Insular, 2014.

    17. Proni, M. W.; Faustino, R. B.; Silva, L. O. Impactos econômicos de megaeventos esportivos. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2014.

    18. Damo, A. S.; Oliven, R. G. Megaeventos esportivos no Brasil: um olhar antropológico. Campinas: Armazém do Ipê, 2014.

    19. Deslandes, A.; Dacosta, L. P.; Miragaya, A. (eds.) O futuro dos megaeventos esportivos. Rio de Janeiro: Engenho Arte e Cultura, 2015.

    20. Santos Júnior, O. A.; Gaffney, C.; Queiroz, L. C. R. Brasil: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. Rio de Janeiro: E-papers/Observatório das Metrópoles, 2015.

    21. Castro, D. G. et al. Rio de Janeiro: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015.

    22. Os artigos sobre megaeventos esportivos publicados na revista Motrivivência podem ser acessados em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/index

    23. Os artigos que tratam de megaeventos esportivos publicados na revista Coletiva estão disponíveis em: http://www.coletiva.org/site/

    24.Os artigos sobre megaeventos esportivos publicados na revista Horizontes Antropológicos encontram-se em: http://www.ufrgs.br/ppgas/ha/

    25. Para a elaboração desta apresentação ao Núcleo Temático da revista Ciência e Cultura, realizamos um levantamento dos artigos sobre megaeventos esportivos publicados nos seguintes periódicos brasileiros de educação física e ciências do esporte: Movimento; Motriz; Revista Brasileira de Ciências do Esporte; Revista Brasileira de Educação Física e Esporte; Revista da Educação Física; Pensar a Prática; Motrivivência; Arquivos em Movimento.