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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.2 São Paulo Apr./June 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000200021 

    POESIA

     

    Luis Dolhnikoff

     

     

    Da importância

    a proximidade do mar
    a distância da cidade
    a possibilidade de sexo

    a solidão

    a voz a visão da
    minha filha

    a pétala do seu tato
    seu silêncio

    o silêncio

    a existência de dinheiro
    a ausência de preocupações com dinheiro

    a situação econômica
    a oposição política
    a pequena política diária

    uma cárie
    uma câimbra

    o aumento da calvície
    o início da velhice

    um dia triste
    um dia curto

    o comprimento das unhas

    a louça suja
    a geladeira limpa
    os preços do supermercado

    a morte
    o excesso de trabalho
    a falta de trabalho

    um e-mail
    de trabalho

    o meio de evitar
    se preocupar
    com o que não tem solução
    o que não tem solução
    o que tem solução
    ou talvez tenha

    e em meio a tudo
    algum velho poema
    moderno

     

    história compacta mas completa do Brasil

    casa-grande e favela
    condomínio e senzala

     

    no mercado

    quando um homem de gênio
    se vende
    seu próprio gênio o defende
    de suas facilitações

    quando um homem de talento
    não se vende
    seu não se vender o defende
    de suas limitações

    quando um homem de talento
    se vende
    o talento é insuficiente
    para o proteger

    quando um homem sem talento
    se vende
    sua pequenez é suficiente
    para o engrandecer

     

    a névoa

    era uma placa pintada
    escondendo o fim da estrada

    escondendo o fim

    por fadiga de material
    e falta de reparos
    abandonada
    ruiu

    atrás havia
    uma névoa cinza

    névoa que não se dissipa

    nunca houve uma cidade
    na chegada da viagem

    havia a placa
    e há a névoa

    há a névoa
    e há uma ponte
    lançada sobre o nada

    que a cada passo
    se estende
    e atrás de cada passo
    desaba

     

     

    Luis Dolhnikoff é autor dos livros de poemas Pãnico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Microcosmo (Olavobrás,1991) e Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009). Como crítico literário, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S.Paulo, além das publicações eletrônicas Sibila, Germina, Cronópios, Digestivo Cultural e TriploV (Portugal). Os poemas aqui reproduzidos integram o recém-lançado As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini).