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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.3 São Paulo jul./sept. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300003 

    NOTÍCIAS DO BRASIL
    POLÍTICA CIENTÍFICA

     

    Reunião da SBPC no Piauí destaca interação ciência e comunidade

     

     

    Daniela Klebis

     

     

    A maior concentração de sítios arqueológicos da América e a maior coleção de pinturas rupestres do mundo está no sertão do Piauí. Ali, está estampada a história do povo americano. Parte desse lugar incrível pertence a uma cidade de 34 mil habitantes, São Raimundo Nonato, a 580km de Teresina, onde a reunião regional da SBPC deste ano reuniu 5 mil pessoas. Entre 20 e 23 de abril, o evento debateu "O homem e o meio ambiente: da pré-história aos dias atuais", e destacou a importância das relações entre as instituições de pesquisa e ensino com a comunidade e desse imenso patrimônio situado no Parque Nacional Serra da Capivara.

    A reunião, sediada no campus da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) em São Raimundo, foi aberta para toda a comunidade e teve mais de 5 mil participante, de 14 estados, a maioria do próprio município.

    A programação incluiu palestras, minicursos e uma feira com experimentos científicos, que atraiu estudantes dos ensinos fundamental, médio e universitário, professores e muitos moradores da cidade.

    O evento possibilitou uma importante aproximação da comunidade local com questões científicas atuais. "Levamos temas correntes, como o uso do álcool, que podem levar a situações de crise em populações. O professor Umberto Cordani, da USP, apresentou, da geologia até a biologia, a evolução do universo, tudo de uma forma que estava ao alcance do nível científico de todos, com exemplos bastante lúdicos", comentou Helena Nader, presidente da SBPC.

     

    UNIVERSIDADE-COMUNIDADE

    Segundo o reitor da Uespi, Nouga Cardoso Batista, a realização da reunião no campus da cidade é um incentivo para que haja uma maior interação entre a universidade e a comunidade local. "Os professores e a comunidade acadêmica começam a perceber que eles têm em si um valor humano, de conhecimento científico que pode, com simplicidade, fazer com que a comunidade se aproprie desse conhecimento", afirma.

    Apesar de pequena e distante da capital Teresina cerca de 580km, São Raimundo Nonato conta com cinco instituições de ensino superior: a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), a Uespi, o Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia do Piauí e duas faculdades privadas. Os cursos são, principalmente, nas áreas de ciências naturais e biológicas, relacionados com o conhecimento sobre o Parque Nacional da Serra da Capivara.

    Rute Maria Gonçalves de Andrade, coordenadora da comissão organizadora local da reunião da SBPC, acredita que o evento contribuiu para mostrar o caráter científico e educacional que envolve a presença do Parque Nacional Serra da Capivara no Piauí. "Ouvimos estudantes reclamando que têm aulas de botânica, de ecologia, e nunca tiveram aula no parque. Existe pouca conexão entre ele e o restante da cidade", comenta. Alguns estudantes relataram a falta de serviço de transporte público que possa levar as pessoas ao parque nos finais de semana.

    O Parque Nacional Serra da Capivara é uma unidade de conservação federal que foi reconhecida como patrimônio cultural pela Unesco em 1991. A gestão é compartilhada entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que completa 30 anos em 2016.

    Situada no mesmo município do parque nacional, a Fumdham foi criada para preservar seu acervo natural e cultural. Conforme descreve Andrade, que também é conselheira da Fumdham, a fundação tem se dedicado à pesquisa científica, à preservação do parque e ao desenvolvimento da região. "Os resultados das pesquisas têm contribuído para esclarecer a história do homem na América. O trabalho que realizamos vem mantendo a esperança de que um dia o aumento no turismo local possa trazer de fato o desenvolvimento sustentável tão almejado e tão falado, mas tão pouco praticado".

    A Fumdham foi criada em 1986 sob a coordenação da arqueóloga Niède Guidon, junto a outros pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal do Piauí (UFPI), bem como de instituições francesas da Mission Archéologique du Piauí (que iniciaram as pesquisas no parque nos anos 1970 e que financiam estudos arqueológicos até hoje). O trabalho é desenvolvido em cooperação com o ICMBio e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

     

    REESCREVENDO A HISTÓRIA DO HOMEM

    Os estudos desenvolvidos no parque permitiram encontrar vestígios de atividades humanas de mais de 50 mil anos. Até então, as evidências mais antigas da presença de homens pré-históricos no continente americano datavam de cerca de 13 mil anos. Até hoje, foram catalogados quase 750 sítios arqueológicos e foram encontrados artefatos líticos, esqueletos humanos, mais de 30 mil pinturas rupestres com figuras que representam cenas de sexo, de parto, de festas e animais - algumas datadas de 29 mil anos.

    Mas, mesmo após tantos anos e tantas descobertas, o parque vem enfrentando uma série de contingências financeiras. Dos 300 funcionários que cuidavam do patrimônio, hoje, esse número não chega a 50, muitos dos quais não recebem salários há mais de sete meses. Recentemente, Guidon tem considerado a possibilidade de encerrar as atividades por falta recursos.

    Durante a reunião regional Niède Guidon foi homenageada e, em seu discurso, lamentou o descaso com o patrimônio e ressaltou a importância do parque. "Desde 1973, quando comecei minhas pesquisas aqui, acompanho as dificuldades desse povo e a falta absoluta de recursos. O parque é hoje um patrimônio da humanidade, um tesouro que devemos proteger e manter para o futuro".

    Em 2013, a cientista ganhou o prêmio da Fundação Conrado Wessel e doou boa parte do valor (R$300 mil) para concluir as obras do aeroporto de São Raimundo, embora o mesmo ainda não opere. Atualmente, o número de turistas fica em torno de 20 mil por ano dos quais cerca de 1.800 passam pelo museu.

    A presidente da SBPC anunciou que a Sociedade vai estabelecer um grupo de trabalho para estudar propostas de desenvolvimento e financiamento que garantam a sobrevivência do parque. "Esse é um patrimônio que precisa ser cuidado. Queremos que o trabalho de Niède Guidon se perpetue. Vamos tentar chegar, o mais rápido possível, a uma proposta a ser discutida. Temos que fazer nossa parte", ressaltou Helena Nader.