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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.3 São Paulo July/Sept. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300005 

    NOTÍCIAS DO BRASIL
    ENERGIA RENOVÁVEL

     

    Faltam estratégias no Brasil para gerar energia das marés

     

     

    Patricia Piacentini

     

     

    Em tempos de preocupação com o futuro do planeta, a exploração de energia limpa deve ser prioridade. Energia solar, eólica (do vento), do bagaço de cana são bem conhecidas, mas pouco se ouve falar sobre a energia que vem do mar, obtida da força das marés, a maremotriz. "É uma fonte renovável, não poluente, inesgotável e, sobretudo, previsível. Este último atributo é um grande diferencial em relação às energias eólica e solar, que têm incertezas associadas quanto à disponibilidade", defende Osvaldo Ronald Saavedra, professor do Instituto de Energia Elétrica da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O Brasil possui um dos maiores potenciais mundiais localizado no Maranhão, com 8 metros de nível de maré, mas ainda faltam incentivos para reduzir custos de investimento e incentivar esse potencial.

    A energia das marés não utiliza combustíveis fósseis nem gera resíduos ao meio ambiente. "Pode ser destacada a possibilidade de abastecimento de comunidades remotas e isoladas, bases científicas e militares e aplicação para atividades pesqueiras e portuárias", diz Rafael Malheiro Ferreira, professor de hidráulica, hidrologia e engenharia portuária e costeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador em engenharia oceânica pela Coppe/UFRJ.

     

     

    FUNCIONAMENTO

    De acordo com Saavedra, uma das principais formas de exploração da energia das marés é através do uso de turbinas instaladas em barragens. "Desta forma, as marés criam um desnível suficientemente elevado entre os lados da barragem, de modo que as turbinas sejam acionadas. Em outras palavras: trata-se basicamente do mesmo princípio utilizado em usinas hidrelétricas convencionais", explica Ferreira.

    A diferença, ele explica, é que o mar tem conexão com um dos lados da barragem, responsável pela vazão da maré - oscilação para cima (preamar) e para baixo (baixamar). O desnível provocado entre a represa e a maré alta ou baixa causa passagem de água pela turbina gerando eletricidade.

    Esse tipo de energia alternativa, no entanto, pode provocar impactos na fauna e flora, uma vez que a represa criada pela barragem causa interferência no estuário do rio, a exemplo do que ocorre com as hidrelétricas. "Porém, com uma operação planejada da barragem, esses efeitos podem ser reduzidos ou até se tornar benéficos para o manejo da represa", ressalva Ferreira.

    Devido ao impulso das energias renováveis nas últimas décadas, pequenos aproveitamentos hidráulicos de baixa queda (assim como é o maremotriz), que antes não eram considerados apropriados, vêm sendo realizados. "Isto se dá principalmente porque utilizam novas tecnologias de turbinas de baixa queda e produzem menos impactos ambientais e econômicos", esclarece Ferreira.

    Os projetos de usinas maremotrizes ainda são pouco explorados devido ao alto custo inicial e longos períodos de construção. "As obras de construção civil representam o item mais custoso no orçamento da usina, o que conduz a um relativo aumento do custo do kW instalado. O Conselho Mundial de Energia aponta para o valor de US$ 2.800/ kW, enquanto os valores atualizados das construções das usinas de La Rance e de Annapolis (ver box) seriam de US$ 3.200 e US$ 2.300/ kW", exemplifica Ferreira.

     

    BRASIL

    As energias oceânicas ainda não fazem parte da agenda energética do Brasil. "Não existem políticas de incentivos nem iniciativas para a realização de um inventário objetivo do potencial energético", lamenta Osvaldo Saavedra.

    Exemplo disso é que o país não possui uma legislação específica para fontes renováveis de energia do mar. O pesquisador Rafael Mendonça Oliveira, da UFMA, em sua dissertação de mestrado "Energias oceânicas: arcabouço legal e entraves a serem superados para o desenvolvimento no Brasil" (2016), afirma que, apesar dos avanços na legislação ambiental brasileira nas últimas três décadas, "não são sequer citadas as tecnologias para geração de energia de fontes oceânicas". Segundo ele, os empreendimentos de geração de energia oceânica são vistos como quaisquer outros empreendimentos e, portanto, se submetem à legislação corrente, inviabilizando a instalação de usinas maremotrizes no país e o progresso da indústria de energia renovável marinha.

    Estudos preliminares apontam para a existência de mais 41 baías ao longo da costa norte do país (AP, PA e MA) com alturas de maré entre 3,7 e 8 m e potências teóricas superiores a 60 MW, alcançando 5 GW de capacidade instalada total. "Em outros estados brasileiros, a possibilidade de exploração da energia das marés deve ser analisada caso a caso, em função da baixa variação das marés", ressalta Ferreira.

    Somente no litoral do Maranhão, em estudos da década de 1980, estimou-se um potencial disponível acima de 8 GW. "Nesse contexto, o estuário do Bacanga, em São Luís, representa um caso bastante particular para a exploração da energia maremotriz", diz Saavedra.

    Em 1968, foi construída uma barragem sobre o rio Bacanga (MA) com o objetivo de diminuir a distância da capital São Luís ao porto de Itaqui. De acordo com Ferreira, a construção de uma usina maremotriz foi planejada, influenciada pela construção da usina de La Rance (França) dois anos antes. "Entretanto, face aos custos e à viabilidade técnica, os equipamentos para a geração nunca foram instalados", enfatiza Rafael Ferreira.

    O projeto do Bacanga foi retomado em 2003 pelos departamentos de Engenharia Elétrica da UFMA e de Engenharia Oceânica da Coppe/ UFRJ, a fim de estabelecer um laboratório maremotriz para desenvolvimento desse tipo de tecnologia. "A concepção proposta, tema de minha dissertação de mestrado, considerava a ocupação imobiliária do entorno da represa, com isso a geração de eletricidade seria reduzida comparada ao projeto original de 1980.

    Entre 2006 e 2008 e, novamente, entre 2010 e 2013, foram recebidos recursos financeiros do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] para avançar a pesquisa em engenharia civil, mecânica e elétrica, assim como nos métodos oceanográficos de medição das marés. Atualmente, busca-se financiamento para construção da casa de força anexa à barragem existente, que abrigará as turbinas e geradores para a produção de eletricidade", detalha Ferreira.

    Os estudos foram concomitantes com a elaboração de um projeto de recuperação da barragem e comportas do governo do estado do Maranhão. "Ambos os projetos são complementares e estão pautados para futura implantação, à procura de financiamento", complementa Saavedra.

    No Brasil, pesquisas em energia oceânica ainda são tímidas e concentradas em poucas universidades. Osvaldo Saavedra lamenta a falta de uma política estratégica de desenvolvimento voltada para esse tipo de fonte renovável, que direcione os recursos de P&D e a capacitação de recursos humanos. “Esse cenário se contrapõe com a realidade de países como a Escócia, que investe há décadas no desenvolvimento de tecnologias para a exploração comercial de energias oceânicas”, explica. Na mesma direção está a avaliação de Rafael Oliveira sobre o futuro da energia de marés no país: “existe um oceano de possibilidades e potencial que não deve ser ignorado, devendo o Brasil, para explorar a geração oceânica, traçar um robusto planejamento (...), iniciando com uma atualização dos dados sobre a potencialidade oceânica brasileira, passando pelo fomento ao desenvolvimento técnico e científico com parcerias internacionais e proposição de políticas públicas voltadas para o mercado de energias oceânicas”.

     

    PRIMEIRA USINA DE MAREMOTRIZ TEM 50 ANOS

    Apesar de desconhecida, a energia de marés já era usada em moinhos nos engenhos no norte do Brasil desde o século XVIII e a exploração dessa energia data do século XIX, quando se pretendeu construir uma barragem sobre o estuário do rio Severn (Reino Unido) em 1849 e, em 1920, implantar uma usina maremotriz para a geração de eletricidade. Essa energia é obtida com as chamadas usinas maremotrizes. Na França, está instalada desde a década de 1960 a usina de La Rance, com capacidade de 240 MW, ou seja, pode abastecer uma cidade de 270 mil habitantes aproximadamente. “Em 1966, após muitos anos de pesquisas, foi construída a usina de La Rance, a primeira maremotriz de grande escala para fins comerciais. Outras maremotrizes existentes no mundo, tanto de caráter experimental quanto comercial, são: Annapolis, de 20 MW, no Canadá; Jiangxia, de 3,2 MW, na China; Kislaya, de 0,4 MW, na Rússia e Sihwa, de 260 MW, na Coreia do Sul, a mais recente concluída em 2010”, enumera Rafael Ferreira da UFRJ. Porém, um dos locais de maior destaque em termos de potencial extraível é o Reino Unido. “Lá se estima cerca de 18 TW-h em aproveitamentos disponíveis”, destaca Osvaldo Saavedra, da UFMA.