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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.3 São Paulo jul./set. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300020 

    CULTURA
    ARTES PLÁSTICAS

     

    80 anos do Grupo Santa Helena

     

     

    Patrícia Mariuzzo

     

     

    Alfredo Volpi, Rebolo Gonsales e Mário Zanini eram decoradores, pintavam frisos e florões em casas, Fulvio Penacchi trabalhou com publicidade e tinha um açougue, Aldo Bonadei era pintor e bordador, Clóvis Graciano pintava postes e tabuletas de avisos para a Estrada de Ferro Sorocabana, Manuel Martins era ourives, Humberto Rosa, professor de desenho e Alfredo Rizzotti exerceu as atividades de torneiro mecânico, mecânico de carros e fresador. Todos eles eram também pintores que formaram, mesmo sem essa intenção, o Grupo Santa Helena, que este ano completa 80 anos.

    O nome surgiu porque todos se conheceram quando trabalhavam próximos em salas transformadas em ateliês no palacete Santa Helena, edifício imponente no coração da cidade de São Paulo. De acordo com Enock Sacramento, curador de uma exposição em homenagem aos 80 anos do grupo, o Santa Helena surgiu espontaneamente, não realizou exposições exclusivas, não lançou manifestos, como fizeram alguns anos antes os artistas da Semana de Arte Moderna. "A maioria dos santelenistas era de origem italiana. Volpi e Pennacchi eram imigrantes; Bonadei, Graciano, Rizzotti, Rosa e Zanini, descendentes de italianos; Rebolo era filho de espanhóis e Manuel Martins, de portugueses. Eram, em sua maioria, praticamente autodidatas, no sentido de não terem frequentado academias de arte; apenas Bonadei, Pennacchi e Rizzotti fizeram cursos na Itália e Graciano, por indicação de Portinari, foi aluno informal do pintor Waldemar da Costa (1904-1982). Rebolo e Zanini eram frequentadores das sessões de modelo vivo da Escola Paulista de Belas-Artes", descreve Sacramento no catálogo na mostra "Grupo Santa Helena - 80 anos", organizada pela Pro Arte Galeria, em São Paulo. "Como não conseguiam viver do produto do trabalho como artistas plásticos, eles se dividiam entre a arte e outros ofícios", complementa.

     

     

    ARTISTAS OPERÁRIOS

    Segundo um dos mais importantes estudiosos do grupo, o professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Walter Zanini (1925-2013), a origem operária e a ascendência imigrante são fundamentais para explicar a obra que produzem. "O que evidenciam é uma imaginária onde o proletarismo está embutido naturalmente. Na sua evolução, recebem influências várias, sobretudo da pintura italiana, que lhes é em geral naturalmente familiar, e francesa", afirma Zanini em artigo de 1995.

    O Santa Helena surge em um cenário de transformação da cidade de São Paulo que, nas primeiras décadas do século XX, vive intenso processo de urbanização. É também na capital paulista que nasce um dos mais importantes eventos artísticos do país, a Semana de Arte Moderna de 1922. "O Grupo Santa Helena vem de uma origem diferente dos modernistas, tanto em termos de formação artística, como em relação ao seu lugar na sociedade. Eles eram formados em uma tradição ligada às artes decorativas e, por isso mesmo, pelo preconceito que esse gênero sofria no Brasil, só ganharam notoriedade de fato quando foram destacados nos textos de críticos importantes, como Mario de Andrade e Sergio Milliet", acredita Patrícia Freitas, pesquisadora de história da arte do Instituto de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Enquanto os chamados modernistas pintavam figuras e elementos da natureza brasileira, os santelenistas registravam as paisagens urbanas e os subúrbios paulistanos, um pouco à moda do que fizeram os pintores modernos franceses na virada do século XIX e XX", diz.

    Embora seja possível identificar características únicas em cada artista do grupo, os temas fabris e o mundo trabalho - como casebres operários, estações de trens, fábricas -, e também a paisagem da periferia, multidões urbanas, assim como lavadeiras junto ao rio ou crianças que brincam nas ruas são frequentes na arte santelenista. Eles captam essas cenas no centro da cidade e também em bairros como Canindé, Cambuci, Ipiranga e Casa Verde, mostrando uma cidade transformada pelas fábricas, "cenários de uma existência humilde prestes a desaparecer com a expansão urbana", conforme escreve Zanini.

     


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    HISTÓRIA URBANA

    Para Freitas, em São Paulo, ao contrário do que aconteceu em outras cidades que se urbanizaram no final do século XIX e início do XX, os artistas consagrados como modernos demonstraram um interesse quase nulo pelas mudanças no perfil urbano. “Pelo contrário, o manifesto mais contundente do modernismo paulista clamou pela volta às origens e pelo resgate de um Brasil imaculado pelo estrangeiro, entendido aqui também como imigrante. Imigrante este que foi, em grande parte, o agente principal da própria urbanização de São Paulo”, explica. Neste contexto, ainda segundo essa pesquisadora, o que o Grupo Santa Helena fez, foi registrar de maneira muito particular, uma transformação na identidade de São Paulo e em suas paisagens. Um registro que nos permite notar, por exemplo, como se espalhavam as fábricas e casas pelos subúrbios da cidade e como a própria malha urbana foi crescendo a partir do centro, até encontrar esses espaços e, por fim, absorvê-los. “Sem este registro, que é, este sim, moderno, no sentido mais amplo da palavra, dificilmente teríamos pistas de como era a cidade naquele período pela visão dos artistas”, conclui.

     

    PALACETE SANTA HELENA

    De arquitetura eclética, o Santa Helena foi projetado pelo arquiteto italiano Giacomo Corberi. Continha 10 andares e 38 metros de altura, era um dos prédios mais altos do centro de São Paulo na época em foi construído e considerado um dos mais luxuosos. De acordo com Freitas, o cenário do centro paulistano passava por uma verticalização, deixando para trás os vestígios do passado colonial e buscando transfigurar-se em um centro moderno, urbano, de acordo com o crescimento econômico e com as mudanças políticas e sociais pelas quais São Paulo passava. Durante seus anos áureos, entre as décadas de 1920 e 1940, o Santa Helena foi frequentado por artistas, intelectuais e políticos. No entanto, após abrigar o grupo de artistas que, com seus pincéis, contou parte da história da urbanização de São Paulo, o palacete Santa Helena também foi engolido pelo crescimento da cidade. No início da década de 1970, o edifício foi demolido para construção do metrô na Praça da Sé.