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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.4 São Paulo oct./dic. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000400014 

    ARTIGOS
    LIXO

     

    A reciclagem de resíduos biodegradáveis municipais é viável

     

     

    Manfred Fehr

    Professor titular aposentado e colaborador do Instituto de Geografia da Universidade Federal Uberlândia (UFU) com atuação nas áreas de gestão ambiental, saneamento e sustentabilidade urbana. Email: prosec22@yahoo.com

     

     

    A composição dos resíduos sólidos urbanos (RSU) não é uniforme no mundo. Ela depende do grau de desenvolvimento econômico. Nas nações industrializadas, aproximadamente 70% é inerte e 30% é biodegradável. Nas nações em desenvolvimento, ocorre exatamente o contrário (1). Para fazer um impacto forte sobre o desvio dos aterros, esperar-se-ia das nações em desenvolvimento centrar seus esforços na reciclagem dos resíduos biodegradáveis. A experiência mostra que isso não é o caso. O problema vital nas nações em desenvolvimento, como o Brasil, reside na identificação de oportunidades e procedimentos para desviar esses resíduos dos aterros. As cidades não possuem logística reversa programada para resíduos biodegradáveis. Eles são simplesmente aterrados. Neste artigo, apresentamos uma pesquisa cuja proposta é gerar dados para conceituar um sistema de reciclagem de resíduos biodegradáveis no país. Os objetivos são: refutar todas as objeções existentes à reciclagem de resíduos biodegradáveis; identificar instalações industriais de compostagem; ilustrar a viabilidade econômica da compostagem municipal de larga escala; e propor um esquema inicial de coleta e compostagem que cobre aproximadamente metade dos resíduos biodegradáveis municipais.

    O objeto do estudo é o município de Toribaté (MG), com 655 mil habitantes, onde existe um aterro localizado a 10 quilômetros do centro urbano. A coleta de lixo é completa, mas as iniciativas de desvio do aterro se restringem à material seco reciclável. No município existem 120 restaurantes e seis instalações industriais de compostagem. O negócio de compostagem se limita a material proveniente de indústrias dos setores de alimentos e bebidas. Essas instalações estão localizadas no distrito industrial, fora da área urbana. O estudo acompanhou, por um ano, a produção de lixo nos 120 restaurantes e num condomínio residencial e resultou num relatório acerca das quantidades recicladas e aterradas. Uma família de três pessoas colaborou e providenciou dados sobre a quantidade e a composição de seus rejeitos domiciliares. Contatos com varejistas determinaram os preços praticados para composto orgânico.

    A partir dos dados sobre resíduos biodegradáveis produzidos em restaurantes, prédios de condomínio, residências e varejistas do ramo de horticultura, construiu-se uma planilha que mostra as receitas disponíveis para coletar e compostar os resíduos biodegradáveis municipais. Os cálculos incluem custos de aterragem evitados e venda de composto.

    Dados obtidos do operador do aterro municipal indicam uma taxa de aterragem diária de 600 toneladas, das quais 360 toneladas (60%) são de material biodegradável. A redução ao nível anual individual leva a uma produção de 200 quilos de resíduos biodegradáveis por pessoa por ano (2). Este estudo identifica as origens dos resíduos aterrados. Três toneladas por dia provêm de restaurantes; 108 toneladas por dia provêm de condomínios residenciais; e 96 toneladas por dia se originam de varejistas da horticultura (sacolões e supermercados). Essas quantidades somam 207 toneladas por dia e representam 58% do total aterrado diariamente, e se constituem candidatos iniciais para o desvio do aterro. Residências unifamiliares produzem 144 toneladas por dia e shopping centers produzem seis toneladas por dia. Ainda há três toneladas por dia procedentes de instituições. A administração municipal paga ao operador do aterro 150 reais por tonelada coletada e aterrada.

    Os dados de 120 restaurantes referem-se a 23.622 refeições servidas diariamente, com uma geração de resíduos biodegradáveis de 2.897 quilogramas. Isto representa uma produção média de 123 gramas de resíduos por refeição. Informações do condomínio residencial estudado durante um ano indicam uma produção de 47 quilogramas de resíduos biodegradáveis por dia por 48 famílias, num total de 150 pessoas. Isto representa 313 gramas por pessoa por dia (3). A comparação com os restaurantes indica que cada morador faz 2,5 refeições por dia em casa (4), um número realista e coerente. A cidade conta com 2.300 condomínios, cujo impacto sobre a produção de resíduos biodegradáveis chega a 108 toneladas por dia (5). A respeito da produção de resíduos biodegradáveis em residências unifamiliares, o estudo coletou dados de uma família por um mês. A família de três pessoas gerava 35,145 quilogramas de resíduos biodegradáveis por mês, o que representa 0,385 gramas por pessoa por dia (6), valor acima da média do condomínio.

    A produção de resíduos biodegradáveis produzidos por varejistas se refere a toda a cadeia de comercialização. As perdas são de 16% da movimentação total (7). Como a movimentação atual é de 600 toneladas por dia, as perdas chegam a 96 toneladas por dia.

    Qual é o destino lógico de material biodegradável coletado? Atualmente, é a produção de composto. Este estudo andou pela trilha lógica e identificou seis empresas na cidade ativas no negócio de compostagem de toda classe de resíduo orgânico industrial. Três delas mostraram interesse em incluir resíduos municipais em suas operações, com a condição de que fossem entregues limpos.

    Finalmente, a pesquisa alcança o ponto crítico que se refere ao aspecto financeiro. Considerações econômicas determinarão a viabilidade da compostagem municipal. As respostas disponíveis mostram que: a) varejistas na cidade comercializam composto orgânico a R$1,20 por quilograma; b) pesquisa com compostagem mostrou que 100 quilogramas de resíduos alimentícios produzem 20 kg de composto com 30% de umidade, ou seja, 200 gramas de composto por quilo de resíduo; c) a tarifa de aterragem é de 150 reais por tonelada, pagos pela administração municipal ao operador do aterro; d) como alvo inicial para compostagem, o estudo identificou 207 toneladas por dia de resíduos biodegradáveis.

    Quanto dinheiro estaria disponível para coletar e compostar essa quantia depois de a operação entrar em regime permanente?

     

     

    Vendas de composto: R$49.680 por dia (8);

    Tarifas de aterragem evitadas: R$31.050 por dia (9);

    Recursos totais disponíveis: R$81.730 por dia.

    Portanto, cada quilograma de resíduo biodegradável coletado e processado gera uma receita de R$0,39 (10). Esse valor é comparável aos preços praticados no atacado na logística reversa para outros itens que se reciclam pela força do mercado. São exemplos: papelão (R$0,32 por quilo), papel branco (R$0,45 por quilo), latas de aço (R$0,15 por quilo), tetrapak (R$0,20 por quilo) e vidro (R$0,13 por quilo). Com isso, alcançou-se o objetivo do estudo que era conhecer a situação competitiva dos resíduos biodegradáveis na logística reversa.

    Com a receita encontrada, empresas do setor podem determinar a conveniência de entrar nesse negócio adicional e haverá necessidade de celebrar contratos de longo prazo com a administração municipal para justificar investimentos. Os resultados mostram que o objetivo do estudo, de refutar os argumentos comuns contra a separação e compostagem dos resíduos, foi alcançado. Das 360 toneladas diárias de rejeitos biodegradáveis entregues no aterro, somente 144 toneladas se originam em residências individuais. O restante é originário de produtores comerciais e institucionais. Isso invalida o argumento de que a separação na fonte fracassa por falta de cooperação dos residentes. A administração municipal pode causar um importante impacto inicial pelo envolvimento de associações comerciais e profissionais. Exemplos são as associações de síndicos de condomínios, de donos de restaurantes e de atacadistas e varejistas do setor de alimentos. Juntos, eles podem contribuir para o objetivo proposto pelo estudo de transformar 58% dos resíduos biodegradáveis em composto, em curto prazo. Com a sucessiva inclusão das residências individuais, o alvo de longo prazo chega a 351 toneladas por dia ou 98% do total. Durante esse tempo, fregueses adicionais para o composto aparecerão. O estudo também produziu números para refutar as objeções econômicas. Os itens quantificados até agora são o valor do composto no mercado e as tarifas de aterragem evitadas, gerando uma receita de R$0,39 por quilograma de resíduo. Ainda está em andamento a determinação do custo de oportunidade do aterro que irá identificar receita adicional. Outros itens de resíduos, como papelão, papel e latas de aço entram na logística reversa com receitas semelhantes.

    O estudo identificou empresas de compostagem já existentes e interessadas em processar resíduos biodegradáveis municipais. Não há necessidade de investimentos por parte da administração pública. A pesquisa também testou procedimentos de coleta seletiva e transporte dos resíduos. Recipientes fechados de 50 litros são os mais adequados para veicular o material entre a fonte e o destino, que é o pátio de compostagem empresarial. Os resultados indicam que não se justifica mais aterrar 70% do lixo domiciliar, que é biodegradável. O desafio, de iniciar o procedimento, está posto às administrações municipais.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS

    1. Fehr, M. "The prospect of municipal waste landfill diversion depends on geographical location". The Environmentalist, 22 (4): 319-324. 2002.

    2. Valor obtido pela divisão de 360 toneladas de material biodegradável por 655 mil habitantes e em seguida multiplicado por 365 dias do ano.

    3. Valor de 47 quilogramas de resíduos biodegradáveis divididos por 150 pessoas.

    4. Valor dado por 313 gramas divididos por 123 gramas.

    5. Valor dado por 2.300 condomínios multiplicado por 47 quilogramas de resíduos biodegradáveis por dia divididos por mil para a conversão em toneladas.

    6. Este valor corresponde a 35,145 gramas divididos por três pessoas e multiplicados por 30,4 que é o número médio de dias de cada mês (365 dias/12).

    7. Fehr, M.; Romão, D.C. 2001. "Measurement of fruit and vegetable losses in Brazil. A case study". Environment, Development and Sustainability, 3: 253-263. 2001.

    8. Valor dado por 207.000 kg resíduos por dia multiplicados por 0,2 quilos de composto por quilo de resíduo, multiplicados por R$1,20 por quilograma de composto.

    9. Valor dado por 207 toneladas de resíduo por dia multiplicado por R$150 por tonelada de resíduo.

    10. Este valor é obtido da seguinte forma: R$1,20 por quilograma de composto, cobrados por varejistas na cidade, multiplicados 0,20 quilogramas, que é a quantidade de composto por quilo de resíduo, é igual a R$0,24 por quilograma de resíduo. A esse valor somam-se R$0,15 por quilograma de resíduo, correspondentes aos R$150 por tonelada, pagos pela administração municipal ao operador do aterro. O total é igual a R$0,39 por quilograma de resíduo.