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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.4 São Paulo out./dez. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000400015 

    ARTIGOS
    LIXO

     

    Desejar, comprar e descartar: da persuasão publicitária à obsolescência programada

     

     

    Valquíria Padilha

    Professora de sociologia no Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado realizado na Téluq/UQAM, em Montreal, Canadá. Autora de Shopping Center, a catedral das mercadorias (Boitempo, 2006). Email: valpadilha@usp.br

     

     

    O meu pai tem uma máquina de lavar roupas que comprou há quase 30 anos. Claro que ela já foi consertada algumas vezes, mas ainda funciona. Na lógica da sociedade de consumo, ela já deveria estar morta e meu pai, nessas três décadas, deveria ter tido algumas máquinas de lavar. Vamos considerar esse breve exemplo pessoal para analisar pelo menos dois aspectos da sociedade de consumo: 1) hoje em dia, quando alguém compra uma máquina de lavar roupas, uma geladeira, uma televisão ou um computador, quanto tempo dura? As coisas são feitas para quebrar, afirma Slade (1), e isso se chama obsolescência programada e, 2) a publicidade e a obsolescência programada são os principais trunfos da sociedade de consumo para nos convencer que seremos mais modernos, mais felizes e livres se estivermos constantemente desejando e comprando produtos novos – o que implica em descartar, muitas vezes, produtos que ainda estão em boas condições de uso. Vamos analisar criticamente a sociedade de consumo a partir desses dois pontos, começando pela publicidade.

    Partimos da premissa de que nossos desejos pelas mercadorias são criados e manipulados pela publicidade direta e indireta (em filmes do cinema comercial, por exemplo) e que isso é fundamental para que a sociedade de consumo faça cada vez mais consumidores persuadidos e motivados a consumir. As indústrias capitalistas, definitivamente, não dependem dos desejos espontâneos e genuínos das pessoas. Caso contrário, as publicidades não seriam tão necessárias como são. Na sociedade de consumo, a publicidade é a principal fonte de instigação do desejo de consumir sabonete, sabão em pó, sapato, roupa, alimentos, celular, automóvel etc. Isso se deve ao fato de que, no capitalismo, há uma produção excedente de mercadorias, ou seja, o ciclo de produção e consumo, que alimenta a acumulação de capital gerando lucro aos donos das empresas, precisa produzir muito mais do que apenas os produtos que satisfariam as necessidades mais básicas das pessoas, como comer, vestir-se e morar. O capitalismo precisou desenvolver o que chamamos de "sociedade de consumo", em que as necessidades e os desejos são costurados numa trama confusa e complexa. Fica cada dia mais difícil escrevermos uma lista de coisas essenciais para nossas vidas. Há 80 anos era mais fácil. Precisamos de comida tanto quanto de um celular? Que tipo de comida? Tudo se mistura em nossa mente. Isso se agravou a partir dos anos 1930, com o desenvolvimento do fordismo, sistema de produção e de consumo de massa. A intenção da sociedade de consumo é essa mesma: confundir-nos, nos fazer crer que não podemos viver sem o último celular lançado, o último carro com GPS (Global Positioning System), a roupa que a atriz famosa usa na novela, o notebook ultrafino que se converte em tablet e por aí vai.

    A quantas publicidades estamos expostos todos os dias quando assistimos à televisão, lemos uma revista, um jornal, acessamos a internet, vemos outdoors ou merchandising? O cálculo surpreende. Leonard (2) conta que um cidadão estadunidense vê, por dia, em média, mais de 3 mil anúncios publicitários. Isso vale para pessoas de todas as idades. As crianças hoje já são alvos dos publicitários e os efeitos dessa superexposição de crianças ao marketing já são denunciados (3): obesidade infantil (devido ao aumento de consumo de alimentos calóricos e pouco nutritivos), depressão, ansiedade, hiperatividade. Vale a pena assistir ao documentário Criança: a alma do negócio, de Estela Renner. É assustador imaginar que estamos todos, desde crianças, sendo fortemente seduzidos pelo que Marcondes Filho (4) chamou de "indústria da consciência". A partir dos anos 1950, especialmente, podemos pensar sobre o poder de manipulação que as publicidades exercem sobre nós. Desde então, as empresas gastam milhões em pesquisas de motivação de consumo e em campanhas publicitárias, nos formatando como consumidores na sociedade de mercado.

    Para vender mais e aumentar os lucros das empresas, num cenário muito competitivo do capitalismo globalizado, os especialistas em marketing descobriram que os produtos devem corresponder a necessidades mais psicológicas do que efetivamente materiais. É por isso que as publicidades atuam no campo do simbólico, atingindo nossos desejos conscientes e inconscientes por meio de cores, cheiros, sons, personalidades famosas do cinema, da televisão, do esporte. Mazoyer explica como, para vender mais, os produtos devem corresponder a pelo menos oito desejos inconscientes dos consumidores: 1. alimentar o narcisismo; 2. dar-lhes segurança emotiva; 3. garantir-lhes que ele merece; 4. inscrever-lhes na sua época (ser moderno); 5. dar-lhes um sentimento de poder, 6. de autoridade, 7. de autenticidade e, 8. de criatividade. Brune (6), que chama a publicidade de narcótico, analisa que ela opera com as seguintes estratégias: 1. reduzir: a publicidade faz com que os indivíduos acreditem que o consumo será suficiente para sua vida sociocultural; 2. frustar: a oferta da plenitude pelo consumo aviva no consumidor o sentimento de suas faltas, de seu vazio - faz parte da estratégia publicitária frustrar continuamente as pessoas para relançar novos desejos de compra; 3. erotizar: a erotização dos produtos é intencional para implantar a ideologia de que as coisas do amor são antes de tudo o amor das coisas, ou seja, que a pulsão sexual deve ser reduzida à pulsão de compra; 4. alienar: através da publicidade, as pessoas não perdem somente sua própria personalidade como também veem a elas mesmas pelo olhar do outro; 5. condicionar: a tese do complexo de castração, explicada por Freud, atingiu a publicidade - o consumo de mercadorias ajudaria as mulheres a preencherem o que lhes falta por natureza (o falo com o qual sonham sem saber) e, 6. infantililzar: a criança moderna, que adora publicidade como adora açúcar, sente-se segura no universo dos objetos e cresce buscando reconhecer-se na criança feliz dos comerciais que só vive do consumo de brinquedos e guloseimas.

     


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    Então, o que se conclui sobre o primeiro ponto abordado é que a publicidade é a espinha dorsal da sociedade de consumo, sem a qual não teríamos tantos desejos e não seríamos formatados mais como consumidores do que como cidadãos. Dito de outra forma, nossa identidade está mais ancorada na atuação que temos na esfera privada do consumo que como cidadãos atuando na esfera pública da vida em coletividade. Como muito bem analisou Severiano (7), a publicidade, "núcleo privilegiado da produção simbólica", atua de forma determinante na construção e manutenção da "cultura do narcisismo". O narcisismo, estado em que as pessoas elegem a si próprios como objetos de amor, está no campo do individualismo, onde o sujeito é estimulado, o tempo todo, a satisfazer seus prazeres e desejos sem culpa. A atuação cidadã exige outro tipo de personalidade, voltada para os interesses e direitos sociais coletivos, com base numa cultura do altruísmo que a sociedade de consumo tem subtraído de nossa existência humana.

    O outro aspecto da sociedade de consumo que podemos apontar a partir do exemplo da antiga máquina de lavar roupas que meu pai ainda tem - já que ele é um ponto fora da curva e não se deixou seduzir pelos apelos da publicidade para trocar de eletrodoméstico e ser mais moderno e feliz -, é a chamada obsolescência programada ou planejada. Juntos, publicidade e obsolescência programada são combustíveis essenciais para manter funcionando o ciclo de produção-consumo-mais produção-mais consumo de nossa atual sociedade capitalista. Podemos acrescentar, ainda, para formar um tripé, o sistema de créditos, que estimula a compra parcelada com base na propagação da lógica do "satisfaça agora os teus desejos e pague depois". Mas, para não ampliar o foco deste artigo, devemos analisar melhor a estratégia da obsolescência programada e suas consequências sociais e ambientais.

    Os donos das empresas têm interesse de ver seus lucros aumentados e, para isso, como vimos, é preciso que as pessoas sintam necessidade de comprar. Se o ciclo de produção e consumo for acelerado, ou seja, mais produção e mais consumo em menos tempo, os capitalistas lucram mais. Simples assim. O discurso hegemônico da economia de mercado é o de que a aceleração desse ciclo é necessária para manter o crescimento econômico, mantendo empregos. Isso não é verdade, pois podemos pensar novas formas de trabalho (inclusive, com menos precarização e exploração) num outro tipo de organização social e econômica, como bem já apontaram Latouche (8), Mongeau (9), Prieto e Slim (10) e muitos outros autores. Por ora, o importante é saber o que é e como funciona a obsolescência programada.

    Segundo Mészáros (11), vivemos numa sociedade descartável que se baseia na "taxa de uso decrescente dos bens e serviços produzidos pela sociedade", ou seja, o capitalismo não é a favor da produção de bens duráveis e reutilizáveis. O capitalismo é um sistema essencialmente destrutivo, pois precisa destruir a natureza no início e no final do ciclo produtivo: quando esgota os recursos naturais a fim de sustentar a produção de mercadorias e quando estimula o descarte rápido dessas mercadorias aumentando a quantidade de resíduos/lixos na natureza. Quanto menos tempo os produtos durarem nas mãos das pessoas, mais rápido essas pessoas irão comprar novamente, usar rapidamente, descartar e assim sucessivamente.

    Precisamos, então, cada vez mais, desejar novos produtos ou substituir os que já temos, seja por falha, seja por acharmos que surgiu outro exemplar mais desenvolvido tecnologicamente ou, simplesmente, porque saiu de moda. É disso que se trata a obsolescência programada. Foi nos anos 1920 que o princípio da obsolescência programada começou a ser pensado como solução para a crise de 1929. O documentário espanhol Obsolescência planejada (12) é muito educativo e deve ser visto por todos que queiram compreender melhor o cenário que estamos analisando neste artigo. O filme mostra a história da primeira vítima da obsolescência programada, que foi a lâmpada elétrica, com a criação do primeiro cartel mundial para controlar a produção de lâmpadas: o Phoebus. Os produtores de lâmpadas se deram conta que as lâmpadas duravam tempo demais e, assim, as pessoas não precisavam comprá-las com frequência, o que atrapalhava o ritmo das vendas. Assim, reunidos nesse cartel, decidiram diminuir a vida útil das lâmpadas. Eis que se descobre uma excelente estratégia para os negócios: planejar estrategicamente o tempo de vida dos produtos. Podemos afirmar que assim começa nossa trágica história do excesso de resíduos descartados na natureza. "Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios" é o lema da obsolescência programada.

    Packard (13) e Slade (1) nos apresentam três tipos de obsolescência: a obsolescência de função, a obsolescência de qualidade e a obsolescência de desejabilidade. A obsolescência de função seria a menos perversa, digamos assim, pois um produto existente torna-se antiquado quando é introduzido um produto que executa melhor a função. Slade (1) chama de "obsolescência tecnológica". De certa forma, é bom que nossa sociedade produtivista incremente tecnologia e ofereça produtos melhores tecnologicamente falando. Os avanços tecnológicos contribuem muito para a parte da população que pode ter acesso a bons exames médicos e diagnósticos feitos em equipamentos de última geração. Isso é bom. Uma nova tecnologia torna um equipamento obsoleto. Como afirmou Packard (13), quando uma telefonista não precisa mais completar nossa ligação ou quando conseguimos voar num avião a jato e não mais num avião com motor movido a pistão, tudo isso merece aplausos.

    A obsolescência de qualidade pode ser uma pouco mais complicada, porque um produto tem sua vida útil encurtada propositadamente, como é o caso de uma impressora que já vem com um chip que determina o seu tempo de vida de funcionamento em dois anos, por exemplo. Trata-se de uma obsolescência congênita, ou seja, o produto já sai da fábrica com um prazo curto de validade da sua qualidade. "Troque o velho pelo novo" é o lema desse tipo de obsolescência, por causa do apelo de que a qualidade do produto novo vai ser melhor. Segundo o espanhol Benito Muros, presidente de um movimento contra a obsolescência programada (SOP, ou Sem Obsolescência Programada), algumas peças essenciais para eletrodomésticos são colocadas propositalmente próximas das partes que mais aquecem no objeto, diminuindo seu tempo de vida. Soma-se a isso, o uso de materiais de menor qualidade.

    A questão é que as fábricas poderiam fazer e faziam produtos com mais qualidade, mais duráveis - como é o caso da antiga máquina de lavar roupas do meu pai. Com o passar dos anos, nas últimas décadas, os produtos já saem das fábricas, estrategicamente, com qualidade reduzida. No documentário espanhol indicado acima, mostra-se o caso das meias de nylon feitas pela DuPont. Elas eram muito resistentes e não rasgavam nunca, ou seja, um fracasso para os negócios! Os engenheiros químicos foram intimados a produzirem um nylon de pior qualidade. As pirâmides de Teotihuacan, na cidade do México, que datam aproximadamente de 200 anos a.C, possuem afrescos que estão ali pintados nas pedras com as tintas ainda originais. Por que essas tintas feitas há mais de dois mil anos ainda estão ali, sem retoques, e nós temos que pintar as paredes de casa a cada dez anos, pelo menos? Evoluímos tanto e nossos cientistas não são capazes de fazer uma tinta que dure para sempre? Sim, esse conhecimento existe, mas não é rentável para as empresas. O espanhol Muros denuncia que está sendo ameaçado de morte porque criou uma lâmpada que dura 100 anos (14).

    O último tipo é a obsolecência de desejabilidade ou psicológica, que consiste em tirar o desejo de ter algo que ainda funciona para ter algo novo e assim sucessivamente. Os consumidores são levados a acreditar que o novo é sinônimo de melhor. Nesse caso, um fabricante pode causar uma mudança de estilo (uma tendência) de diferentes formas: modificar a cor predominante usada (mudar as cores da moda), mudar o grau de ornamentação (mais simples ou mais rebuscado) e mudar o perfil (barra da saia mais longa ou mais curta). A moda é o melhor exemplo desse tipo de obsolescência. As mudanças de estilo, mais do que de mecânica, garantem novos consumidores a cada ano: eis a ideia de dar mais opções de escolha aos consumidores. Os profissionais de design entram em ação e devem criar novas formas, novas tendências, novos estilos o tempo todo - o que vale de roupas a automóveis. Num ano a tendência dos carros é de linhas retas, dois anos depois as linhas são curvas. Num ano as saias são curtas, um ano depois são longas e assim sucessivamente. Trata-se, então, de gastar os produtos na cabeça das pessoas para que elas queiram e "precisem" descartar os velhos e comprar os novos. A publicidade é grande aliada aqui.

    Então, podemos nos perguntar: planejar o fim de um produto, acelerando o ciclo produção consumo-mais produção-mais consumo em favor da acumulação do capital de poucos empresários, agora, destruindo o meio ambiente para sempre, é ético? O nosso modelo produtivista-consumista é ético? Onde está a ética dos profissionais que colocam o seu saber a serviço dos interesses do mercado e não do bem comum? Não temos espaço aqui para discutir essas questões tão provocativas. Mas, vale ficarmos com elas em mente.

    Num breve e interessante artigo, Löwy (15) lembra uma passagem de Antonio Gramsci muito interessante: os revolucionários socialistas precisam saber combinar o pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Assim, precisamos saber apontar os problemas com capacidade crítica aguçada, sem perder o desejo de agir com otimismo. E Löwy afirma: "as coisas vão mal", e esse é o pessimismo da análise. O atual modelo de capitalismo industrial, baseado no princípio do crescimento econômico infinito, baseado na aceleração do ciclo do produtivismo e do consumismo "está conduzindo a humanidade (...) a uma catástrofe ecológica ou ambiental sem precedentes em sua história", afirma Löwy (15, p.8).

    Mais do que apenas discutirmos os 3R (reduzir, reaproveitar e reciclar), que são importantes, repensar o modelo de crescimento econômico que temos seguido nos últimos 200 anos é urgente. Os franceses, com o economista Serge Latouche (8) à frente, defendem um movimento que cresce a cada ano no mundo: o decrescimento econômico. Outros, como Michael Löwy, defendem o ecossocialismo como parte do otimismo da vontade. Para ele, o ecossocialismo é tanto uma crítica aos modelos de socialismo não ecológicos quanto aos modelos ecológicos sem socialismo. O ecossocialismo faz uma crítica ao ecologismo de mercado. O modelo de produção e consumo vigentes no capitalismo atual é incompatível com a preservação do meio ambiente. Qualquer solução proposta dentro dessa ordem será apenas paliativa, o que não deixa de ser importante, mas temos que ser honestos e assumirmos sua insuficiência.

    É preciso mudar o sistema social, econômico e cultural, superando o capitalismo hegemônico - tarefa para muito tempo e para muita gente. Para isso, é preciso seguir as duas linhas de propostas, que são complementares: o decrescimento econômico (8; 9; 10; 15) e o ecossocialismo (14; 16). Em ambas as propostas, é preciso descolonizar nosso pensamento formatado nesse modelo produtivista-consumista e "colocar em questão o paradigma da civilização capitalista, ocidental, industrial, moderna." (15, p.14). Nessas duas linhas de análise, não se aceita pensar em "desenvolvimento sustentável" ou "crescimento verde", pois se trata de uma enorme contradição, já que nosso sistema é essencialmente insustentável.

    Sobre o decrescimento econômico, temos as seguintes passagens para nos instigar:

    O decrescimento é um slogan político (...) que visa acabar com o jargão do produtivismo (...). A palavra de ordem 'decrescimento' tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado (...) com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade. (8, p.4)

    As pessoas aspiram por um conforto material e padrões de consumo crescentes. O crescimento, contudo, é, de um lado, limitado pela finitude de matérias-primas e energia e, de outro, pela capacidade restrita do planeta de processar os resíduos. Assim, não serão resolvidos os problemas ambientais tratando-se apenas os sintomas (16, p.14).

    É isso: temos que ultrapassar o modelo funcionalista de tratar apenas os sintomas e dar remédios. Trata-se, antes de tudo, de uma mudança de valores tão necessária quanto difícil. Utopia, dirão muitos. Claro, a ideia de decrescimento e de superação do capitalismo é insuportável a todos que veem na mediação mercantil o laço social por excelência. É uma contradição chamar nosso sistema atual de produtivo, quando é extremamente destrutivo - do começo ao fim da cadeia. Uma das tantas dificuldades é saber que existem muito mais economistas (e tantos jornalistas que atuam como seus portavozes) para nos convencer da necessidade de crescimento econômico pela lógica da produção e consumo - porque se baseiam no mito do princípio da raridade - do que para pensar conosco um outro mundo possível. Quando as necessidades são ajustadas aos recursos disponíveis e não ao objetivo do lucro privado de poucos, não há mais o fenômeno da raridade. Como também reforça Harvey (17), o modelo de crescimento material infinito está acabando.

    A natureza é finita, isso é indiscutível. A finalidade das atividades econômicas não pode ser apenas a produção de lixo, como bem lembrou Cechin (15). Temos, então, de encontrar as respostas para pelo menos três perguntas centrais nesse debate: 1. O que realmente queremos que tenha sentido em nossas vidas?; 2. Como frear os desejos infinitos e antropocêntricos de lucro?; 3. Como a natureza vai conseguir absorver tantos resíduos descartados diariamente em seus oceanos, aterros, rios? O desafio está lançado! Sigamos pessimistas na análise, mas otimistas na ação, da melhor forma que pudermos.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Slade, G. Made to break: Technology and obsolescence in America. Harvard University Press, 2006.

    2. Leonard, A. A história das coisas. Da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. RJ: Zahar, 2011.

    3. Schor, J., Nascidos para comprar. SP: Gente, 2009.

    4. Marcondes Filho, C. A linguagem da sedução. A conquista das consciências pela fantasia. SP: Perspectiva, 1988.

    5. Mazoyer, F. "Consommateurs sous influence". Le Monde Diplomatique, ano 47, nº 561, dez. 2000.

    6. Brune, F., Le bonheur conforme: essai sur la normalisation publicitaire. Paris: Gallimard, 1981.

    7. Severiano, M.F. Narcisismo e publicidade. Uma análise psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade. SP: Annablume, 2007.

    8. Latouche, S. Pequeno tratado do decrescimento sereno. SP: Martins Fontes, 2009.

    9. Mongeau, S. (org.), Objecteurs de croissance. Pour sortir de l'impasse: la décroissance. Montréal: Les Editions Écosociété, 2007.

    10. Prieto, M.; Slim, A. Consommer moins pour vivre mieux? Idées reçues sur la décroissance. Paris: Le Cavalier Bleu, 2010.

    11. Mészáros, I. Produção destrutiva e Estado capitalista. SP: Ensaio, 1989.

    12. Obsolescência programada. Comprar, tirar, comprar. Direção: Cosima Dannoritzer. Produção: Joan Úbeda. Barcelona, Spain: Media 3.14, 2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=3pb7HOfp8PU> .

    13. Packard, V. Estratégia do desperdício. SP: Ibrasa, 1965.

    14. "Espanhol é ameaçado de morte por inventar lâmpada que dura 100 anos". 14/07/2013, Época Negócios Online. Disponível online.

    15. Löwy, M. "Ecossocialismo: alternativas de desenvolvimento para superar o modelo produtivista-consumista". In: Abong (org.). Por um outro desenvolvimento. SP: Maxprint Editora e Gráfica, 2012.

    16. Cechin, A. A natureza como limite da economia. SP: Senac/Edusp, 2010.

    17. Löwy, M. O que é ecossocialismo. SP: Cortez, 2014.

    18. Harvey, D. O enigma do capital e as crises do capitalismo. SP: Boitempo, 2011.