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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.1 São Paulo jan./mar. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100002 

    TENDÊNCIAS

     

    Ensino médio em transe

     

     

    Norberto DallabridaI; Maike Cristine Kretzschmar RicciII

    IProfessor na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e pesquisador do CNPq
    IIDiretora de políticas e planejamento da Secretaria da Educação de Santa Catarina

     

     

    Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, que institui a Política de Fomento à Implantação das Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, catalisou o debate sobre o ensino médio. O mal-estar sobre essa etapa da escolarização foi diagnosticado pelos últimos ministros da Educação, bem como por especialistas, sendo considerado o maior gargalo da educação básica. O Ministério da Educação lançou programas com o objetivo de dar respostas a essa situação, alguns exemplos são o Ensino Médio Inovador e o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. O Projeto de Lei nº 6.840, de 2013, também é uma tentativa de reformar o ensino médio, mas, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, não alcançou seu objetivo. O Plano Nacional de Educação (2014- 2024), lançado em 2014, estabelece uma agenda e metas para a última etapa da educação básica.

    No entanto, de forma açodada, o governo Temer introduziu um novo desenho para o ensino médio. O uso de medida provisória para implantar a atual reforma para essa fase da educação é inconstitucional porque restringe o debate ao Congresso Nacional por um período de 120 dias. Essa rapidez na aprovação da nova legislação educacional lembra a Lei 5.692/71, aprovada no apogeu do regime militar. A experiência internacional indica que qualquer reforma educacional deve ter um tempo de maturação, que envolve necessariamente um debate com especialistas, gestores, docentes, estudantes e pais de alunos. Por isso, o uso de medida provisória tem provocado repúdio, especialmente por meio da ocupação de colégios por estudantes em vários estados. O conteúdo da MP nº 746 introduz mudanças como o ensino em tempo integral e a flexibilização curricular, que também são objeto de críticas, particularmente de especialistas. Assim, o intuito deste texto é refletir sobre essas duas dimensões da atual reforma do ensino médio.

     

    ENSINO EM TEMPO INTEGRAL

    O mote da MP nº 746 é a implementação do ensino médio em tempo integral. O parágrafo único do artigo 1º afirma que a carga horária anual "deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas" (Brasil, 2016, p.1). A escola em tempo integral é um formato escolar consistente e tem sido colocado em prática em países desenvolvidos, em particular por aqueles de perfil socialdemocrata. Desta forma, segundo a medida provisória, o ensino em tempo parcial, com 800 horas anuais, seria gradualmente substituído pelo ensino em tempo integral, tendo 1.400 horas anuais. Isto significa o salto expressivo de um para dois turnos, o que implica a quase duplicação da infraestrutura e do número de professores e coordenadores pedagógicos. No sistema educacional brasileiro e na atual conjuntura, marcada pela crise econômica, essa mudança é praticável? Vejamos.

    Em primeiro lugar, devemos considerar que o apoio financeiro da política de fomento à implementação das escolas de ensino médio em tempo integral é do governo da União. Trata-se de um fundo federal temporário repassado para os estados e para o Distrito Federal em um prazo de no máximo quatro anos. Em segundo lugar, no Brasil "o professor recebe até 39% menos que profissional com igual escolaridade" (Pinho, 2016, p.5), fato que desqualifica a profissão docente no mercado de trabalho. A implantação do ensino em tempo integral sem a melhoria significativa da remuneração dos professores não é uma política educacional eficaz. Em terceiro lugar, a escolarização em tempo integral implica a ampliação expressiva da infraestrutura das escolas, incluindo o oferecimento de refeições. Como as escolas das redes públicas estaduais – responsáveis pela grande maioria das matrículas no ensino médio – serão reformadas e reequipadas para receber o ensino em tempo integral? Por fim, o ensino médio noturno, que grosso modo funciona em condições precárias e é procurado especialmente pelas classes socialmente vulneráveis, é excluído da proposta do novo ensino médio.

     

    FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR

    Em relação ao currículo, a mudança significativa determinada pela MP nº 746 é a especialização do ensino médio, que quebra o atual monólito de 13 disciplinas distribuídas ao longo de um turno por semana. A formação geral e homogênea no ensino médio foi uma reação à profissionalização obrigatória imposta ao antigo 2º grau de formação geral, que em boa medida permanece até os nossos dias. A flexibilização curricular teve um ensaio instigante, a partir dos anos 1950, com as classes secundárias experimentais e foi inscrita na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61). As experiências internacionais, sobretudo daqueles países que estão mais bem classificados no Pisa, indicam que o caminho é o da especialização do ensino médio. O Plano Nacional de Educação prescreve que o currículo do ensino médio renovado deve ser diversificado e flexível. A exposição de motivos do ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, vai nessa direção ao afirmar:

    20. É de se destacar, outrossim, que o Brasil é o único país do mundo que tem apenas um modelo de ensino médio, com treze disciplinas obrigatórias. Em outros países, os jovens, a partir dos quinze anos de idade, podem optar por diferentes itinerários formativos no prosseguimento de seus estudos.

    21. Neste sentido, a presente medida provisória propõe como principal determinação a flexibilização do ensino médio por meio da oferta de diferentes itinerários formativos, inclusive a oportunidade de o jovem optar por uma formação técnica profissional dentro de uma carga horária do ensino regular (Bezerra Filho, 2016, p.2-3).

    Desta forma, a MP nº 746 prescreve cinco itinerários formativos específicos para o ensino médio – linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissionalizante (Brasil, 2016, p.2) –, previstos para a segunda parte dos três anos do ensino médio. A especialização é, pedagogicamente, sustentável, mas da forma como foi formulada pelo governo Temer apresenta no mínimo dois problemas. Por um lado, não é seguro que todos os colégios de ensino médio irão oferecer os cinco itinerários formativos, de sorte que, muito provavelmente, aqueles localizados no interior e nas periferias das cidades oferecerão a formação técnica e um outro – provavelmente linguagens ou ciências humanas. De outra parte, não está suficientemente clara a implantação de laboratórios com equipamentos adequados e modernos para a formação técnica.

     

    CONCLUSÕES

    A MP nº 746 tem o mérito de colocar o ensino médio no centro da pauta educacional brasileira. Essa etapa de escolarização merece ser debatida por especialistas e pela sociedade civil porque apresenta expressiva exclusão dos jovens de 15 a 17 anos e evasão escolar. As prescrições centrais da medida provisória do governo Temer são, teoricamente, consistentes e progressistas, mas a sua operacionalização deixa a desejar. A educação em tempo integral não é eficaz se as escolas não tiverem infraestrutura adequada e, especialmente, se os professores se ressentirem de uma carreira profissional valorizada. A flexibilização curricular é uma ideia que tem bastante adesão por parte dos especialistas em educação; mas, da forma como está configurada na medida provisória, pode contribuir para gerar ainda mais desigualdades escolares e sociais. Enfim, a reforma educacional do governo Temer apresenta a pressa equivocada da medida provisória e não dá respostas eficazes aos impasses do ensino médio.

     

    REFERÊNCIAS

    Bezerra Filho, J. M. EM Nº 00084/2016/MEC. Brasília, 15.set.2016.

    Brasil. Ministério da Educação. Medida Provisória Nº 746. Brasília, 22.set.2016.

    Pinho, A. "Professor recebe até 39% menos que profissional com igual escolaridade". Folha de S. Paulo, Cotidiano, São Paulo, p.5, 14.nov.2016.