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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100011 

    MUNDO
    GENEALOGIA ACADÊMICA

     

    Perspectivas para a história e para a produção da ciência

     

     

    Carolina Medeiros; Germana Barata

     

     

     

    A árvore que simboliza as origens biológicas entre as espécies ficou consagrada em um esboço feito por Charles Darwin, em 1837, em seu caderno de campo. Há séculos a genealogia recupera a memória sobre ascendentes familiares, mas para historiadores de ciência e acadêmicos, a árvore genealógica traz novas perspectivas de análise a partir do estudo das heranças intelectuais entre orientadores e orientandos e a disseminação do conhecimento.

    Apesar de, às vezes, ser vista como uma forma de homenagear cientistas ou de saciar a curiosidade sobre os ancestrais de maior prestígio, a genealogia acadêmica pode contribuir para entendermos o papel do cientista na formação de novas gerações, a origem, desenvolvimento e desdobramentos de áreas do conhecimento.

    Jesús Mena-Chalco, cientista da computação da Universidade Federal do ABC (UFABC), explica que a genealogia acadêmica pode ser utilizada de cinco formas diferentes. Em homenagens, a genealogia acadêmica enfatiza a descendência de um pesquisador para evidenciar o impacto nas gerações posteriores de acadêmicos; a egocentrista estabelece a ascendência de um pesquisador com o objetivo de destacar os ancestrais mais importantes. Já a genealogia do tipo histórica traça a história do desenvolvimento de uma determinada área, apontando os fundadores ou pioneiros no país. No caso da paradigmática ou institucional, o enfoque está em como o conhecimento e a prática científica são transmitidos entre os diferentes acadêmicos de uma área, por exemplo a evolução do pensamento pedagógico a partir de Sócrates. A genealogia analítica, por sua vez, faz uso de modelos computacionais e matemáticos para demonstrar as relações de orientação entre diferentes acadêmicos.

     

    HISTÓRIA DOS MATEMÁTICOS

    Um dos trabalhos mais completos quando o assunto é genealogia acadêmica é um mapeamento sobre a comunidade de matemáticos, o Mathematics Genealogy Project (MGP). Iniciado em 1996, quando a internet ainda engatinhava, o projeto reúne mais de 205 mil matemáticos do mundo inteiro, subdivididos em 24 famílias com origem no século XIV. Criada pelo matemático e hoje diretor administrativo da Universidade Estadual da Dakota do Norte (EUA), Harry Coonce, a árvore foi sendo construída a partir de doutores em instituições norte-americanas. Uma análise sobre o MGP, realizada por David Castelvecchi, em 2016, e publicada na Nature, concluiu que no começo os estudos da matemática eram fortemente ligados à física, no início do século XX observa uma aproximação com a matemática pura, até se especializarem em outras subáreas como a estatística e a ciência da computação.

    Baseado nos dados desse colossal projeto internacional, Mena-Chalco e Luciano Rossi, ambos da UFABC, analisaram a contribuição do tronco brasileiro com 1.615 matemáticos doutores, ou 0,9% do total da comunidade internacional. Os autores identificaram as universidades e faculdades mais influentes, os matemáticos mais relevantes, bem como a representatividade da comunidade brasileira de matemáticos no cenário internacional.

    A estrutura da comunidade foi elaborada a partir dos relacionamentos de orientação acadêmica de cada um dos matemáticos com titulação brasileira, o que resultou no que Mena-Chalco chama de floresta genealógica, ou seja, diversas interligações que representam as relações estabelecidas entre os acadêmicos. Mena-Chalco concluiu que a comunidade acadêmica de matemática no Brasil é muito jovem, porém, com forte influência europeia, em especial britânica, belga e polonesa.

    As pesquisas costumam se basear em doutores, pois é a partir dessa fase de especialização que os cientistas se profissionalizam, passam a entender o funcionamento de seu campo de atuação com autonomia. Mesmo que os doutores mudem de área de conhecimento, há mais chances que eles repassem seus conhecimentos, como orientadores, para as novas gerações. Os títulos modernos de doutor, o chamado doutor em filosofia (ou PhD,) surgiram apenas em início do século XIX na Alemanha, descreve Joseph Tenn, da Universidade Estadual Sonoma, em artigo publicado no Journal of Astrophysical History and Heritage (v.19: 3, 2016). Desde então, certamente, a maior parte das primeiras gerações de uma árvore são inseridas com base em trabalhos científicos e documentos históricos.

    Tenn é diretor do Astrogen, projeto que reúne astrônomos de dez países e quase 19 mil doutores, dentre os quais o primeiro recebeu o título em 1861, nos EUA. O Chile (37, das quais 31 são em inglês) e a África do Sul (97) aparecem no grupo como países com menores contribuições mais recentes na formação de doutores na área, sobretudo considerando que são sítios de observação astronômica.

    A Universidade da Califórnia, em Berkeley, é a que mais formou doutores (652). Dentre as conclusões dos dados existentes, Tenn menciona que doutorandas parecem preferir orientadoras, assim como estudantes de origem latina, eslovena, asiática tendem a escolher orientadores da mesma origem. Em média, os dez países formaram 50% de seus doutores a partir de 1999. O Astrogen convoca voluntários para inserir informações de teses no banco de dados, traduzir informações e fazer análises. Quem sabe, em alguns anos, poderemos ver os descendentes ou a quantos graus nossos astrônomos estão de Copérnico, Galileo e Kepler.

    Essa forma de contar a evolução da ciência não é a única ou a mais completa, como explica Mena-Chalco. "Este tipo de estudo oferece uma visão alternativa a outros estudos já realizados na área, e esta análise de produção bibliográfica não é a mais completa história da evolução da ciência e sim uma parte dela", destacou. E, embora muitas áreas já tenham sido estudadas a partir da genealogia acadêmica, existem algumas ainda a serem exploradas na tentativa de se obter uma pequena dimensão desse cenário.

     

    INDICADOR DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA

    Para Cassidy Sugimoto, cientista da informação da Universidade de Indiana, EUA, "trazer à luz essas relações [acadêmicas] poderá revelar caminhos de difusão do conhecimento, mobilidade acadêmica e o desenvolvimento de disciplinas, particularmente quando a genealogia acadêmica for usada em conjunção com outras métricas científicas e variáveis sociais para fornecer uma visão multidimensional sobre o cenário acadêmico. Certamente, a genealogia acadêmica poderá trazer relevância ao papel dos cientistas, na formação e desenvolvimento de suas áreas de atuação, e contribuir para minimizar a centralidade dos artigos científicos na carreira científica", afirmou a pesquisadora no livro Beyond bibliometrics: harnessing multidimensional indicators of scholarly impact, publicado em 2014 (MIT Press).

    Os cientistas brasileiros serão personagens de uma importante iniciativa na maior base de currículos científicos do mundo, o brasileiro currículo Lattes, com mais de 4,5 milhões de cadastros, pertencente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Neste ano, um projeto piloto e pioneiro está em desenvolvimento com cruzamento de dados do Lattes, da base de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Mena-Chalco, coordenador do projeto, conta com parceria da USP, UFABC e apoio do CNPq.

     

    HERANÇA DE CARLOS CHAGAS

    Em 2016, a equipe coordenada por Mena-Chalco publicou na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (v.111, n.1) uma genealogia da centenária área fundada por Carlos Chagas, a protozoologia. A análise, conseguiu identificar 20 pioneiros e fundadores da área que hoje reúne ao menos 907 pesquisadores. "Surpreendentemente, nenhum descendente de Carlos Chagas foi identificado, provavelmente porque eles eram clínicos médicos e, portanto, não eram classificados como protozoogistas, de acordo com os critérios usados neste estudo. O levantamento permitiu identificar que 85% dos doutores, formados na área, permanecem atuantes na protozoologia e que houve duas ondas migratórias importantes que impulsionaram a pesquisa e a capacitação: de 1976 a 1993, como consequência do Programa Integrado de Doenças Endêmicas (Pide), financiado pelo CNPq, e outra depois de 1998, provavelmente fruto de grandes investimentos do CNPq como bolsas e editais, por exemplo.