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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.1 São Paulo enero./marzo. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100019 

    ARTIGOS
    ENSAIOS

     

    O controle da invasão do coral-sol no Brasil não é uma causa perdida

     

     

    Simone Oigman-PszczolI; Joel CreedII; Beatriz FleuryIII; Marcelo Checoli MantelattoIV; Kátia Cristina Cruz CapelV; Camila MeirelesVI; Daniel CabralVII; Bruno MasiVIII; Andrea JunqueiraIX

    IBióloga marinha e diretora executiva do Instituto Brasileiro de Biodiversidade
    IIBotânico marinho, docente de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
    IIIBióloga marinha, docente da UERJ
    IVOceanógrafo, aluno de doutorado do PPGEE da UERJ
    VBióloga marinha, aluna de doutorado do PBBE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
    VIBióloga e consultora do Instituto Brasileiro de Biodiversidade
    VIIBiólogo marinho, analista ambiental do Ibama, aluno de doutorado do PPGMA/UERJ
    VIIIBiólogo, pós-doutorando da UERJ
    IXBióloga, docente da UFRJ

     

     

    Coral-sol é o nome popular dado aos corais das espécies do gênero Tubastraea spp., no Brasil. Até hoje, duas espécies foram encontradas no litoral brasileiro, T. coccinea e T. tagusensis (Figura 1). As duas espécies são nativas do Oceano Pacífico e, além do Brasil, invadiram o Caribe e o Golfo do México. No Brasil foram registradas a partir da década de 1980, incrustando plataformas de petróleo e gás na bacia de Campos, Rio de Janeiro. Uma década depois o coral-sol invadiu os costões rochosos da baía de Ilha Grande, oeste no mesmo estado. Desde então o número de registros aumentou, tanto em costões rochosos e recifes de corais quanto em vetores de introdução, como plataformas de petróleo e gás, navios de perfuração, monoboias e boias de sustentação de riser (1). Atualmente o coral-sol é encontrado em mais de 20 municípios, ao longo de mais de três mil quilômetros da costa brasileira, além de ter sido registrado em 23 vetores, desde Santa Catarina até Sergipe.

     

     

    O coral-sol vem causando sérios impactos ecológicos, econômicos e sociais, que conflitam com um meio ambiente saudável. São comprovadamente nocivos às populações e comunidades nativas (2,3,4,5,6,7). As espécies se espalham rapidamente, dominando costões rochosos e recifes. A velocidade com que se deu sua proliferação e crescimento (8), e consequente alteração nas comunidades e populações nativas, assim como nos serviços que os ecossistemas fornecem (como a pesca e o turismo), é motivo de grande preocupação. A dominância de uma ou poucas espécies invasoras desprivilegia espécies nativas (9,10). Outros estudos no mundo vêm observando o impacto negativo direto do coral-sol sobre espécies nativas (11).

    Uma das principais implicações socioeconômicas das espécies exóticas invasoras é o impacto negativo na produção de renda em atividades baseadas no ambiente marinho, como a pesca e o turismo. Por exemplo, o mexilhão Perna perna vem sendo substituído pelo coral-sol na baía de Ilha Grande (6). Recursos naturais são considerados mais valiosos quando conservados e, desta forma, sua proteção mantém as funções essenciais dos ecossistemas e seus serviços (12). O turismo costeiro é a indústria que mais cresce no mundo, provocando o desenvolvimento de uma ampla variedade de atividades recreativas marinhas (13). Quando ainda raros, os invasores despertam o interesse de mergulhadores pela novidade, mas a subsequente homogeneização da biota e dominância de um invasor na paisagem marinha pode levar os mergulhadores ao desinteresse (14). Para calcular o prejuízo total causado por uma espécie invasora temos ainda que somar ao custo dos diversos impactos negativos, os custos de prevenção, controle e manejo do invasor (9).

    Uma série de medidas deve ser adotada na gestão ou mitigação dos danos causados por organismos invasores. Estas correspondem aos três estágios da invasão que são: prevenir a invasão (estágio pré-fronteira), a detecção precoce e resposta rápida à invasão (estágio fronteira) e o controle e gestão de populações já estabelecidas (estágio pós-fronteira). Controlar o primeiro estágio da cadeia de eventos é considerada a opção mais eficaz de gestão pré-fronteira (15). Identificar o vetor principal também é essencial para planejar programas de monitoramento das fronteiras. Os vetores podem aumentar a propagação do invasor através de disseminação secundária, frustrando a gestão de contenção e facilitando o potencial invasor da espécie estabelecida. Desta forma é fundamental erradicar espécies invasoras dos vetores conhecidamente infectados. Muitas vezes, é difícil estabelecer uma clara ligação entre uma espécie marinha invasora e o vetor que a introduziu (16). No entanto, as pistas de história de vida da espécie e da invasão, as taxas de expansão da distribuição, análises de possíveis pontos de introdução e atividades associadas, entre outros, levam a deduzir os vetores responsáveis. Embora o coral-sol seja comercializado na aquariofilia, a via mais provável para a introdução pelo mundo é a navegação. Os dois vetores mais comuns associados à navegação são a bioincrustação e a água de lastro.

    Evidências da história de vida de Tubastraea indicam que a água de lastro não é o principal vetor de introdução. O gênero Tubastraea apresenta uma série de estratégias reprodutivas que levam a uma dispersão em pequena escala, dentre elas, a incubação e posterior liberação de larvas já desenvolvidas na coluna d'água (17, 18, 19). Estudos apontam que as larvas de Tubastraea podem se manter competentes por até 18 dias em aquário, embora a tendência seja que as larvas assentem até três dias após a liberação (19). As espécies apresentam uma distribuição agregada, com o assentamento de larvas em locais próximos à colônia de origem, apontando também um curto período de fase planctônica (20). Este curto período entre a liberação da larva e o assentamento pode explicar porque larvas de coral-sol ou de qualquer outra espécie de coral, nunca foram documentadas em tanques de água de lastro. Sabe-se também que corais não toleram o movimento rápido da água associada com navios e barcos modernos e estão normalmente ausentes nessas estruturas quando comparados a outros organismos incrustantes. Em contraste, Tubastraea spp. sobrevivem bem quando incrustados em objetos com movimento lento, como plataformas de petróleo ou monoboias.

    A expansão não se dá por eventos de dispersão a longa distância como seria o caso de dispersão larval por água de lastro e/ou correntes. Existem numerosas evidências de que a bioincrustação em plataformas de petróleo e/ou navios de perfuração seja o principal vetor de introdução da espécie na costa brasileira: (a) os registros mais antigos estão em plataformas de petróleo; (b) foi observada uma ligação entre os registros de transporte de petróleo e gás por navegação e o registros de invasões em comunidades naturais; (c) os principais pontos de introdução costeiras estão sempre associados às instalações portuárias usadas pela indústria de petróleo e gás.

    O acoplamento geográfico entre os relatórios de vetores e pontos de invasões primárias pode ser observado nos exemplos a seguir. A primeira introdução no Brasil, na baía de Ilha Grande, está associada ao local de fundeio de plataformas de petróleo em trânsito ou reparo. A segunda introdução, em Arraial de Cabo, RJ, também está associada a uma série de plataformas de petróleo, navios-sonda e monoboias incrustadas com Tubastraea spp. Outras associações foram entre a plataforma de petróleo P-14, que operava em Itajaí 2000-2007 e a invasão no litoral de Santa Catarina (Reserva Biológica Marinha do Arvoredo), e as plataformas em São Roque do Paraguaçu e a invasão da baía de Todos-os-Santos, Bahia. Mais recentemente, o coral-sol foi registrado em plataformas de petróleo no litoral sergipano (PCM6 e PD01) e no Banco dos Abrolhos (Peroá-PPER), o que torna os ambientes naturais costeiros dessas regiões altamente suscetíveis à instalação do coral-sol, caso não ocorra uma pronta atuação de manejo.

    Os estudos científicos sobre a biologia e ecologia do coral-sol iniciaram-se em 2000. Após anos de pesquisa e nenhuma ação propositiva para enfrentar o crescente problema do coral-sol na costa brasileira, foi criado, em 2006, o "Projeto coral-sol" (PCS). Realizado pelo Instituto Brasileiro de Biodiversidade, sua missão é contribuir para a conservação da biodiversidade marinha brasileira através do controle do coral-sol, gerar trabalho e renda complementar para as comunidades envolvidas, desenvolver programas de educação ambiental voltados para a conservação da biodiversidade (21) e contribuir para a formulação de legislação e/ou políticas públicas para a prevenção e manejo do coral-sol no Brasil. O PCS é a primeira iniciativa socioambiental e sustentável brasileira de controle de espécies marinhas exóticas que inclui a proposta inovadora de aproveitar este organismo nocivo para gerar renda extra, beneficiando assim comunidades tradicionais, ao mesmo tempo em que recupera a fauna e flora nativa. Quebrando o paradigma, o PCS disponibiliza esqueletos do coral-sol como peças decorativas, substituindo assim o comércio ilegal de corais nativos.

    Sabe-se que Tubastraea apresenta uma maturidade reprodutiva precoce, produz uma grande quantidade de larvas ao longo do seu ciclo de vida (19) e, concomitantemente, possui poucos predadores e competidores naturais. Esse conjunto de fatores potencializa a capacidade de invasão e proliferação das espécies no litoral brasileiro. Nesse cenário, a remoção de colônias do ambiente se torna imprescindível para controlar tanto a densidade quanto a expansão das populações de Tubastraea. De acordo com cálculos de taxas de produção e liberação de larvas de coral-sol, estima-se que uma única colônia produz de 73.353 larvas (T. tagusensis) a 216.827 larvas (T. coccinea) em 15 anos. Como a produção de larvas é proporcional ao tamanho da colônia do coral versus a área submersa contaminada, ela varia de forma crescente com o tempo. Assim, a pressão dos propágulos (22) piora com o tempo.

    O programa nacional de monitoramento do PCS coleta dados desde 2000 e vem mapeando a distribuição e a expansão geográfica do coral-sol no litoral brasileiro. Atualmente, esse monitoramento em larga escala abrange mais de 500 quilômetros, do litoral norte do estado do Rio de Janeiro ao litoral norte do estado de São Paulo, incluindo várias unidades de conservação. Em 2011, observou-se que quase 1/3 dos 326 locais monitorados estavam infestados por esses corais. Desde 2005 também vem sendo realizado um monitoramento, em menor escala, que possibilita quantificar como as comunidades nativas vêm sendo transformadas e impactadas. O manejo do coral-sol tem sido feito através da coleta manual realizada por mergulhadores capacitados, usando protocolos desenvolvidos pelo PCS. Estudos experimentais que visam aprimorar técnicas de manejo, mostraram que o coral-sol morre totalmente após submersão em água doce (23) e por "sufocamento" (24).

    O PCS já retirou cerca de 230 mil colônias de corais-sol (cerca de 8,5 toneladas) em mais de 160 ações de manejo no litoral brasileiro. Tais ações foram realizadas com os diversos parceiros do projeto, mas principalmente através dos "catadores de coral-sol" na baía da Ilha Grande. Essas ações de manejo com os catadores contribuem para o desenvolvimento socioeconômico local. A maior parte desse grande esforço aconteceu durante um curto período (2011 a 2012) e, mesmo que ele represente um percentual pequeno frente ao atual cenário da bioinvasão, o PCS até hoje reduziu efetivamente o potencial de pressão dos propágulos em um número estimado em 2,665 bilhões de larvas, apesar de sabermos que nem todas chegariam à fase adulta.

    As ações de manejo, além de reduzirem a pressão de propágulos de larvas, diminuem a quantidade de corais, contribuindo para o controle dos invasores. Por exemplo, na estação ecológica de Tamoios, na baía da Ilha Grande, também houve uma diminuição do coral-sol, inclusive erradicação total em uma das ilhas (25). Ações de controle também foram bem sucedidas nos costões rochosos de Ilhabela, litoral norte de São Paulo, Arvoredo, Santa Catarina, baía de Todos-os-Santos (BA).

    É essencial que os planos de monitoramento e manejo se mantenham como ações regulares e sem interrupções. Entretanto, é evidente que o manejo pós-fronteira se torna menos efetivo se novas introduções não forem interrompidas. É exatamente neste ponto que há conflito de interesses comerciais da indústria de petróleo, que opera as plataformas de petróleo, navios de perfuração e outros equipamentos, os principais vetores dessa espécie, com os interesses ambientais. A situação se tornará mais grave na medida em que os poços de petróleo mais antigos se esgotarem e as plataformas velhas forem removidas para a zona costeira sem tratamento prévio.

    Na atual conjuntura, nota-se um avanço na direção de implementar compromissos nacionais (através da Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras - Resolução Conabio, 2009) e internacionais (Convenção sobre Diversidade Biológica) para prevenir a entrada, controlar ou erradicar espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies. Recentemente, cabe destacar a criação de um grupo de trabalho, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de fornecer assessoramento técnico e coordenar a elaboração de um plano de controle e monitoramento da bioinvasão do coral-sol.

    Iniciativas socioambientais como o "Projeto coral-sol", fundamentados pela ciência, cumprem um papel muito importante por comunicar e esclarecer questões ambientais, aglutinar setores em causas de interesse comum, mobilizar a sociedade no que concerne ao conhecimento e experiência adquirida e oferecer subsídios à formulação de políticas públicas. A partir do poder de interlocução do terceiro setor para atuar em esferas onde o Estado ainda não implementou políticas públicas eficientes, é possível aproximar diferentes setores envolvidos na questão (academia, governo, iniciativa privada e sociedade) visando contribuir para a conservação da biodiversidade marinha.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Monoboia é uma espécie de "terminal flutuante", utilizado na amarração de navios-tanque para a operação de carregamento e descarregamento de petróleo e derivados. Boia de sustentação de riser é uma boia que sustenta as tubulações que conduzem o petróleo ou o gás do poço no fundo do mar até a plataforma, aliviando a carga sobre esta.

    2. Creed, J. C. Coral Reefs 25: 350-350. 2006.

    3. Lages, B. G.; Fleury, B. G.; Menegola, C.; Creed, J. C. Marine Ecology Progress Series 438: 85-96. 2011.

    4. Lages, B. G.; Fleury, B. G.; Pinto, A. C.; Creed, J. C. Marine Ecology 31: 473-482. 2010

    5. Lages, B. G; Fleury, B. G.; Hovel, l. A. M. C.; Rezende, C. M.; Pinto, A. C; Creed, J. C. Marine Biology 159: 1551-1559. 2012.

    6. Mantelatto, M. C.; Creed, J. C. Marine Biodiversity. http://dx.doi.org/10.1007/s12526-014-0282-8. 2015.

    7. Miranda, R. J.; Cruz, I. C. S.; Barros, F. Marine Biology 163: 1-12. 2016.

    8. Silva, A. G.; de Paula, A. F.; Fleury, B. G.; Creed, J. C. Estuarine Coastal and Shelf Science 141: 9-16. 2014.

    9. Bax, N.; Williamson, A.; Aguero, M.; Gonzalez, E.; Geeves, W. Marine Policy 27: 313-323. 2003.

    10. Hooper, D. U.; Chapin III, F. S.; Ewel, J. J. Ecological Monographs 75: 3-35. 2005.

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    12. Schuhmann, P. W.; Casey, J. F.; Horrocks, J. A.; Oxenford, H. A. Journal of Environmental Management 121: 29-36. 2013.

    13. Rangel, M. O.; Pita, C. B.; Gonçalves, J. M. S.; Oliveira, F.; Costa, C.; Erzini, K. Marine Policy 45: 194-203. 2014.

    14. McKinney, M.L.; Lockwood, J. L. Tree 14 (11): 450-453. 1999

    15. Davidson, I. C.; McCann, L. D.; Sytsma, M. D.; Ruiz, G. M. Marine Pollution Bulletin 56 (9), 1538-1544. 2008.

    16. Hewitt, C. L.; Everett, R. A.; Parker, N.; Campbell, M. L. pp 327-334. In: Rilov, G.; Crooks, J. A. (eds.). Springer-Verlag Berlin. 2009.

    17. Ayre, D. J.; Resing, J. M. Marine Biology 90: 187-190. 1986.

    18. Glynn, P. W.; Colley, S. B.; Maté, J. L.; Cortés, J.; Guzman, H .M.; Bailey,R. L.; Feingold, J. S.; Enochs, I. C. Marine Biology 153: 529-544, doi:10.1007/s00227-007-0827-5. 2008.

    19. de Paula, A. F.; Pires, D. O.; Creed, J. C. Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom 94: 481-492. 2014.

    20. de Paula, A. F.; Creed, J. C. Brazilian Journal of Biology 65 (4): 661-673. 2005.

    21. Meireles, C.; Pimentel, D. S.; Creed, J. C. ambientalMENTEsustentable 20: 323-343. 2015.

    22. Pressão de propágulos: frequência e quantidade de novos indivíduos potencialmente invasores entrando sob a forma de larvas, juvenis ou adultos.

    23. Moreira, P. L.; Ribeiro, F. V.; Creed, J. C. Biofouling 30: 639-650. 2014.

    24. Mantelatto, M. C.; Pires, L. M.; de Oliveira, G. J. G.; Creed, J. C. Management of Biological Invasions 6: 367-374. 2015.

    25. Gomes, A. N.; Barros, G. M.; Pompei, C. Anais do VIII CBUC - Trabalhos Técnicos, VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba pp 1-7. 2015.