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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000100022 

    CULTURA
    HISTÓRIA

     

    A criação do turista-fotógrafo

     

     

    Cristiane Gonçalves

     

     

    Em 1920, a Kodak enviou seus publicitários para as mais novas e importantes estradas dos Estados Unidos para que eles selecionassem as melhores vistas. Em cada um desses lugares foi colocada uma placa com o enunciado "Picture ahead, Kodak as you go", algo como "Fotografia logo adiante, a Kodak com você". As placas, que indicavam os melhores pontos para tirar uma fotografia, eram parte de uma das campanhas de popularização da fotografia da Kodak, empresa que, segundo Lívia Aquino, pesquisadora do campo das artes visuais e professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, foi fundamental na criação do turista-fotógrafo. Criada por George Eastman, em 1879, nos Estados Unidos, no decorrer do século XX, a Kodak se estabeleceu como uma das maiores empresas ligadas à fotografia em todo o mundo. "Mais do que inventar produtos fotográficos, a Kodak cria uma prática e um mercado para o fotógrafo amador. Com ela, todos passam a ser fotógrafos em potencial e em ordem planetária", afirma Aquino.

    Essas conclusões estão no livro Picture ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo, lançado em dezembro do ano passado (Ed. do Autor). Resultado de sua pesquisa para doutoramento no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio da análise dos anúncios da empresa norte-americana em um recorte temporal de 100 anos, Aquino mostra como a Kodak exerce papel crucial no campo do turismo por meio da publicidade e da elaboração de um sistema educativo e de premiação de fotografias, envolvendo ampla cadeia de produção e, principalmente, de criação de valores a respeito da importância de registrar cada momento das viagens para que pudessem ser revividos posteriormente.

    Com isso mudam os turistas, as viagens e as memórias sobre elas: a experiência de viajar passa a se concretizar, de fato, pelo seu registro fotográfico, como descreve o escritor italiano Ítalo Calvino no conto "As aventuras de um fotógrafo", de 1955: "Com a chegada da primavera, os habitantes das cidades, às centenas de milhares, saem aos domingos levando o estojo a tiracolo. E se fotografam. Voltam satisfeitos como caçadores com o embornal repleto, passam os dias esperando com doce ansiedade para ver as fotos reveladas (...), e somente quando põem os olhos nas fotos parecem tomar posse tangível do dia passado".

     

     

    As novas tecnologias para fotografar empregadas pelo Kodak foram fundamentais no processo de popularização da fotografia. A empresa criou câmeras portáteis, com filmes e revelações acessíveis para boa parte da população, acompanhadas por campanhas publicitárias e manuais que ensinavam a fotografar. "Fotografia e turismo são experiências da modernidade, relacionadas à diversidade das transformações sociais nos séculos XIX e XX, como as distintas percepções do tempo e do espaço constituídas a partir de mudanças no modo de vida urbano, de novas rotinas de trabalho e lazer, da proliferação dos meios de transporte, de novas tecnologias e da introdução de uma cultura de consumo de massa", escreve Aquino. Nesse contexto, "viajar e fotografar tornam-se uma condição do mundo ocidental. Qualquer um pode tirar uma fotografia e, ao mostrar para o mundo, atiçar a vontade de que o destino fotografado seja visitado nas próximas férias.

    A popularização da fotografia de viagem cria, também, novos modos de rememoração que têm no papel um dos principais suportes.