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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.2 São Paulo Apr./Jun. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000200005 

    BRASIL
    CACAU NO BRASIL

     

    Uma oportunidade que (ainda) não se concretizou

     

     

    Leonor Assad

     

     

     

    De um dos maiores produtores e exportadores de cacau do mundo, hoje o país ocupa o quinto lugar, tendo que importar o fruto para suprir a produção nacional de chocolate. No entanto, nos últimos anos, pesquisas para melhoramento das sementes sinalizam para a recuperação da produção nacional.

     

    ESPERANÇA DE RIQUEZA

    No Brasil, oficialmente, o cultivo do cacau começou em 1679, com a autorização na Carta Régia para os colonizadores plantá-lo em suas terras. Caio Prado Júnior, no livro História econômica do Brasil (1945), aponta que já no século XVII, durante o período colonial, o cacau se destacava como a maior fonte de riqueza do vale amazônico. No entanto, ali o cultivo do cacaueiro se dava em pequena escala porque a maior parte das sementes era obtida em árvores espalhadas na floresta. Em 1746, um agricultor baiano, Antonio Dias Ribeiro, recebeu de um colonizador francês do Pará, Louis Frederic Warneaux, algumas sementes de cacau da variedade Amelonado e introduziu o cultivo no estado. A planta se adaptou bem ao clima e ao solo do sul da Bahia e a região, pouco a pouco, passou a dominar a produção nacional. De 1900 a 1930, a participação do cacau nas exportações da Bahia passou de 23% para 43% e a produção brasileira, 95% constituída de cacau baiano, passou de 13 mil para 120 toneladas no mesmo período.

     

    VARRENDO ESPERANÇAS

    Mesmo com a concorrência internacional, tudo parecia ir bem para o cacau da Bahia. Fazendeiros de origem humilde, proprietários de vastas plantações de cacau, tornaram-se os novos ricos da sociedade baiana. O sul da Bahia, especialmente a microrregião de Ilhéus e Itabuna, composta por 41 municípios, conheceu décadas de prosperidade. O cacau tornou-se um ícone e inspirou a literatura, principalmente, com autores como Jorge Amado e Adonias Filho, e a cultura de modo geral. Na década de 1980 o Brasil respondia pela segunda maior produção mundial, atrás apenas da Costa do Marfim, chegando a alcançar cerca de 406 mil toneladas na safra de 1984/1985.

    No entanto, na década de 1990, o fungo Moniliophthora perniciosa, que causa uma doença conhecida como vassoura-de-bruxa, afetou duramente as lavouras de cacau, fazendo a produção despencar de 356.327 toneladas na safra 1990/1991 para 96.039 toneladas na safra de 1999/2000, segundo dados do IBGE.

    Essa doença, que afeta outras plantas como o cupuaçuzeiro, é endêmica na Amazônia, origem do cacaueiro. Mas, enquanto na Amazônia os cacaueiros silvestres estão dispersos e as condições climáticas não favorecem a multiplicação do fungo, no sul da Bahia, com plantas muito próximas uma das outras e com condições climáticas favoráveis, o fungo se alastrou rapidamente. Muitas são as hipóteses para a rápida disseminação da vassoura-de-bruxa. No livro A região cacaueira da Bahia - dos coronéis à vassoura-de-bruxa: saga, percepção, representação (2008), a geógrafa Lurdes Bertol Rocha discute essas hipóteses com riqueza de dados. Elas vão desde uma infestação acidental, devido ao constante trânsito entre os técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) de Ilhéus e da Amazônia, que teriam trazido amêndoas e mudas de cacau que poderiam estar infectadas, até sabotagem para deter os chamados barões do cacau.

    Mais recentemente, ações conduzidas por técnicos da Ceplac têm permitido a retomada da produção. Dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, do IBGE, apontam que a produção de cacau no Brasil em 2016 atingiu 214.741 toneladas, dos quais 116.122 toneladas provenientes da Bahia. Infelizmente, e de acordo com a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), essa produção não atendeu a demanda da indústria, exigindo a importação de 57 mil toneladas de cacau de Gana, único país do qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) permite a importação. Ou seja, voltamos a importar aquilo que deveríamos exportar.

     

    NOVOS CENÁRIOS, BOAS PERSPECTIVAS

    Muitos esforços têm sido feitos para mudar esse cenário e o cacau voltar a ocupar um papel relevante na economia brasileira. Antes concentrada, hoje há produção em seis estados brasileiros. Dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apontam que 66 mil propriedades rurais no país se dedicam à produção de cacau, 33 mil delas no sul da Bahia, maior estado produtor, seguido do Pará. Novas técnicas de plantio e melhoramento das sementes possibilitam produzir um cacau de melhor qualidade, tecnologias acessíveis inclusive para os pequenos agricultores. Outra mudança é a tentativa de agregar valor ao cacau, na região de Ilhéus, por exemplo, já existem fábricas de chocolate dentro das fazendas. No Centro de Desenvolvimento e Capacitação Tecnológica Euclides Teixeira Neto, da Ceplac (BA), foi instalada uma fábrica de achocolatado que atua em regime de cooperativa e o produto é vendido para a merenda escolar de municípios da Bahia. O cultivo de cacau orgânico, sem agrotóxicos e em sistema de cabruca, também tem contribuído para valorizar a produção, principalmente de pequenos produtores. Nesse sistema, o cacau é plantado sombreado por árvores da Mata Atlântica, o que garante umidade e matéria orgânica para a planta.

    Em outra ponta, pesquisas desenvolvidas em parceria com instituições fora do eixo de produção de cacau estão permitindo compreender o comportamento da planta fora do seu centro de origem. Neste sentido, destaca-se a pesquisa inovadora sobre a estrutura genética e a diversidade molecular do chamado "cacau da Bahia". Este termo se aplica a um conjunto de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois séculos e que envolve as variedades Amelonado, trazida do Pará no século XVIII, Maranhão, introduzida em 1874, e Pará, introduzida em 1876, bem como suas mutações espontâneas. O estudo, que envolveu pesquisadores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Ceplac, buscava encontrar a razão da baixa resistência do cacau da Bahia à vassoura-de-bruxa para torná-lo mais resistente ao fungo.

     

     

    Descobriu-se que a base genética do cacau da Bahia é muito estreita; praticamente todos os cacaueiros baianos têm a sua origem em sementes da variedade Amelonado, trazida por Warneaux há mais de 270 anos. Essa baixa diversidade genética permitiu obter frutos de alta qualidade, mas conferiu fragilidade aos cacaueiros do sul da Bahia, por ausência de variedades que pudessem resistir a uma doença, no caso a vassoura-de-bruxa. O estudo ainda permitiu constatar que os híbridos desenvolvidos nos anos 1950 e 1960 (e cultivados até hoje), em vez de aumentarem a variação genética na população cacaueira, acabaram por reduzi-la ainda mais, já que também foram produzidos com base apenas na qualidade do cacau.

    Mas as perspectivas são muito boas. Esse estudo aprofundado envolveu a análise de folhas de 279 cacaueiros de sete fazendas e duas instituições de pesquisa (o IF Baiano e a Ceplac), localizados em seis municípios do sul da Bahia (Gandu, Igrapiúna, Uruçuca, Ilhéus, Camacan e Canavieiras). Graças a isso foi possível identificar também árvores resistentes à doença e com maior variação genética que aquela encontrada nos híbridos atualmente existentes. Isso propiciará o desenvolvimento de programas de melhoramento genético de cacau que permitam obter plantas resistentes à vassoura-de-bruxa e a outras doenças, bem como a obtenção de plantas mais resistentes às secas que por vezes também afetam os cacaueiros baianos.