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Ciência e Cultura
versão On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.69 no.2 São Paulo abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000200009
MUNDO
ESPORTE
Competições de alto risco
Chris Bueno
Nos Jogos Olímpicos de 2016, a delegação russa sofreu um enorme corte na equipe que participaria da competição no Rio de Janeiro. Isso porque uma investigação da Agência Mundial Antidoping (World Anti-Doping Angency - Wada) revelou que o governo da Rússia operava um intrincado esquema estatal de dopagem de seus atletas - que incluía até mesmo troca de frascos de urina por amostras "limpas" e desaparecimento de exames positivos. O episódio teve repercussão global, evidenciando um grave problema na prática de esportes de alto nível, cuja solução ainda é um desafio para as agências reguladoras.
No caso da Rússia, o esquema de dopagem foi acobertado - e até mesmo estimulado - por membros do próprio governo ainda durante os preparatórios para as Olimpíadas de Londres, em 2012, e nos Jogos de Inverno sediados pelo próprio país, em 2014. O Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a cogitar barrar a participação de toda a delegação russa dos jogos de 2016, mas decidiu liberar 271 atletas.
A punição, não entanto, não impediu novos casos de doping durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Pegos em exames de urina e de sangue, a nadadora chinesa Chen Xinyi, a atleta búlgara Silvia Danekova e o halterofilista polonês Adrian Zielinski não puderam sequer iniciar as competições.
O caso mais recente ocorreu em janeiro deste ano. Em uma reanálise das amostras das Olimpíadas de Pequim, realizada em 2008, o COI anunciou que o velocista jamaicano Nesta Carter utilizou a substância metilhexanamina. Com isso, toda a equipe da Jamaica foi desclassificada do revezamento 4x100 rasos, modalidade na qual havia conquistado a medalha de ouro e estabelecido um novo recorde mundial. Com a decisão, o Brasil, que havia ficado em quarto lugar na prova, fica com a medalha de bronze.
"A regulamentação evoluiu muito nos últimos 10 anos, pelo esforço da Wada, que passou a ser um órgão regulador internacional. Os países tiveram de assinar uma convenção da Unesco e se comprometer a seguir seus regulamentos", explica o químico Francisco Radler de Aquino Neto, coordenador do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (Ladetec) e professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "A dificuldade, porém, não são as leis, mas a evolução do conhecimento em farmacologia e medicina, que constantemente coloca à disposição dos atletas dispostos a se doparem novas formas de driblar exames de urina e sangue. Isso obriga o sistema de laboratórios a uma atualização permanente, com enorme esforço em pesquisa e desenvolvimento e necessidade de investimentos vultosos na atualização de seus equipamentos", completa. No Brasil, o único laboratório com a certificação da Wada para realizar os testes antidoping é o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem, ligado ao Ladetec.
VALE-TUDO
Um dos casos mais notórios de doping é do ciclista norte-americano Lance Armstrong, considerado uma verdadeira lenda do esporte por ter vencido sete vezes a Tour de France, uma das competições mais tradicionais do ciclismo. Armstrong assumiu o uso de eritropoietina (EPO) e acabou tendo todos os seus títulos cassados e sendo banido do esporte. Outro caso recente é o da tenista russa Maria Sharapova, suspensa por dois anos por uso de meldonium, um agente antiisquêmico. A tenista perdeu os pontos no ranking mundial que havia conquistado por ter chegado às quartas de final do Aberto da Austrália no ano passado, assim como o prêmio em dinheiro.
Os atletas vivem sob enorme pressão para alcançar resultados cada vez melhores e se superarem em suas competições. No caso da Rússia, o que levou ao esquema estatal de dopagem foi a performance bem abaixo de seus padrões nos Jogos de Inverno de Vancouver, em 2010, em que o país - que costuma sempre liderar o quadro de medalhas nas olimpíadas de inverno e de verão - conquistou apenas 15 medalhas. Além da pressão da vitória, os esportistas precisam lidar com dores frequentes e com o desgaste do organismo. Esses motivos levam muitos atletas a buscarem substâncias que possam ajudar a melhorar seu rendimento. No entanto, elas podem causar problemas à saúde e até mesmo levar à morte.
CORRENDO RISCOS
Esportes como levantamento de peso, rugby, lançamentos e modalidades de sprint precisam de muita massa muscular e força. E algumas substâncias podem ajudar o atleta a obter bons resultados mais rapidamente. A principal delas são os esteroides anabólicos, derivados do colesterol e usados para aumentar a força por meio do crescimento de novos músculos. Os mais conhecidos são a dihidrotestosterona, a androstenediona (andro), a dehidroepiandrosterona (DHEA), o clostebol e a nandrolona, que podem ser injetados ou tomados em forma de pílula. Entre os efeitos colaterais estão náuseas, dor de cabeça, vertigem, câimbras e taquicardia.
Outra substância utilizada para ganhar músculos é o hormônio do crescimento humano (hGH). Altos níveis de hGH aumentam o volume de massa muscular, pois estimulam a síntese de proteínas, fortalecem os ossos e reduzem a gordura corporal porque aceleram a quebra das células adiposas. Porém, com a injeção do hormônio sintético, o organismo para de produzir o hormônio naturalmente. Além disso, o uso da sustância pode levar ao desenvolvimento de diabetes, hipertensão e de problemas cardíacos.
Já em competições de resistência, como maratonas, ciclismo ou esqui, são utilizadas substâncias para aumentar a oxigenação dos tecidos, o que acarreta aumento da potência muscular e, portanto, maior velocidade de recuperação. A mais utilizada é a eritropoietina (EPO), um hormônio peptídeo produzido naturalmente pelo organismo e responsável pela produção de hemácias. A EPO começou a ser fabricada sinteticamente em 1985 para tratar pacientes com anemia. Em pessoas saudáveis, no entanto, o aumento da densidade dos glóbulos vermelhos pode engrossar o sangue, que passa a não fluir bem pelos vasos sanguíneos o que aumenta as chances de ataque cardíaco e derrame cerebral.
Muitas vezes, para aumentar a resistência, os atletas também recorrem aos estimulantes, utilizados para manter o organismo em estado de alerta, propiciando melhor desempenho momentâneo e reduzindo a fadiga. A cafeína, as anfetaminas e a cocaína são exemplos de substâncias que atuam no corpo fazendo o coração, pulmões e o cérebro trabalharem mais rápido.
No entanto, causam nervosismo, agitação, batimentos cardíacos irregulares, aumento da pressão sanguínea e podem até mesmo levar à morte súbita.
Existem também esportes que impõem restrições de peso, como levantamento de peso, corrida a cavalo e remo. Nesses, os diuréticos são utilizados para ajudar a perder peso ou então para esconder o uso de outra sustância, pois, como aumentam a produção de urina, diluem a concentração de outras drogas. Os efeitos colaterais incluem desidratação, vertigem, câimbras e problemas no coração e rins.
ANTIDOPING
Atualmente, os atletas são selecionados aleatoriamente para fazer o exame de sangue ou urina para testar doping. O exame pode ser realizado após o término de uma prova ou a qualquer momento, fora da competição. A maioria das substâncias utilizadas por atletas podem ser detectadas em amostras de urina. Testes também podem ser feitos minutos antes da competição, prática mais frequente no ciclismo e em esportes de inverno como a patinação. No caso do hipismo, o teste é feito no cavalo. "As tecnologias mais utilizadas nos testes são as cromatografias (método de separação de misturas) acopladas às espectrometrias de massas (método de detecção e identificação das substâncias)", explica Aquino Neto. "São aplicadas a todas as amostras de urina recebidas no laboratório.
Além disso, há métodos eletroforéticos (técnica para análise de macromoléculas como proteínas e ácidos nucléicos) para detectar em especial as eritropoientinas, e também há imunoanálise e radioimunoensaios para substâncias específicas". O atleta flagrado pelo exame antidoping tem direito à realização de um exame de contraprova e a se defender em julgamento, mas caso o doping seja comprovado, será punido conforme a substância utilizada. A penalidade mais comum é a suspensão, que pode variar de três meses a dois anos. Em caso de reincidência, o competidor pode ser banido do esporte.
ALIVIAR OU ESCONDER A DOR
Esportistas de alto rendimento também podem utilizar drogas para diminuir a dor causada pela intensidade dos treinos. Narcóticos (como morfina, metadona e heroína), hormônios proteicos, cortisona ou analgésicos são utilizados nessas situações. Eles podem reduzir inflamações e aliviar a dor momentaneamente, mas seus efeitos colaterais incluem irritação gástrica, úlceras, fraqueza nos ossos e nos músculos - sem contar que alguns são viciantes e causam alterações mentais. Contudo, o maior problema é que eles apenas disfarçam a dor, permitindo que os atletas continuem competindo machucados, correndo o risco de agravar as lesões ou ter complicações posteriores.