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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo jul./set 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300003 

    BRASIL
    ENTREVISTA: HELENA NADER

     

    Presidente da SBPC por três mandatos faz um balanço de sua gestão

     

     

    Ana Paula Morales; Patrícia Mariuzzo

     

     

    Helena Nader se tornou sócia da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) muito jovem, quando ainda cursava graduação em ciências biológicas, na modalidade médica, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A primeira vez que assumiu um cargo na diretoria da entidade foi em junho de 2009, quando foi eleita primeira vice-presidente. Dois anos depois, em fevereiro de 2011, assumiu a presidência da SBPC em substituição ao matemático Marco Antonio Raupp que se afastou do cargo para ocupar a presidência da Agência Espacial Brasileira. Está em seu terceiro mandato como presidente da entidade (2011-2013), (2013-2015) e (2015-2017). É a terceira mulher a ser eleita para a presidência da SBPC; as anteriores foram Carolina Bori (1987-1989) e Glaci Zancan (1999-2003). Em julho deste ano, Helena Nader deve entregar o cargo para o novo presidente. Sua gestão ficou marcada por várias conquistas, como a votação do Marco Legal de C&T, mas também por reduções drásticas no orçamento para pesquisas e ciência e tecnologia. Considerando os contingenciamentos divulgados em março deste ano, restam apenas R$ 3,3 bilhões para investimentos em CT&I em 2017. Os recursos inicialmente destinados ao MCTIC, que já eram praticamente metade dos cerca de R$ 10 bilhões registrados em 2013, agora são os mais baixos na história da CT&I brasileira (cairam para metade do que eram dez anos atrás, em valores corrigidos). Nesta entrevista, Helena Nader faz um balanço de sua gestão e aponta os principais desafios para a ciência e para as universidades brasileiras. Fala também das conquistas que obteve. "Acho que conquistamos uma posição de referência. Trouxemos a ciência de volta para o debate".

    Ciência&Cultura: Desde que assumiu a vice-presidência da SBPC, o país viveu momentos favoráveis ao desenvolvimento científico e tecnológico, passando a outros muito problemáticos, como os recentes cortes no orçamento para C&T. Como a senhora avalia a atuação da SBPC nesses últimos 10 anos?

    Helena Nader: Uma pergunta que eu sempre me faço é: quem é a SBPC? Muitos cobram ações e posicionamentos da SBPC, dizendo que temos que fazer isso ou aquilo. E eu penso: a SBPC somos todos nós. Todos temos que participar e lutar pela ciência. É um trabalho gigante, no qual todos, ou muitos, deveriam estar envolvidos. Da minha parte, quando terminar meu mandato, em julho, eu espero entregar uma sociedade com os mesmos valores daqueles que a criaram em 1948, que compartilhavam da necessidade de incentivar a ciência para promover o desenvolvimento social e econômico. Isso sempre me guiou. Eu espero que os fundadores, onde quer que estiverem, sintam que eu tentei fazer uma SBPC que era a deles: que é uma sociedade que luta pela ciência.

     

     

    É um trabalho que envolve muito sacrifício. Na hora em que você assume posições, você desagrada pessoas, a solidão é grande. Por exemplo, quando a SBPC não se posicionou em relação ao impeachment da presidente Dilma. Ora, eu, Helena, tenho uma posição muito clara sobre isso, mas a SBPC não. E fui muito criticada por isso. Mas, no meu entender, o importante era a sociedade defender a manutenção do estado democrático de direito. Infelizmente, várias pessoas não tiveram uma compreensão clara do papel que eu desempenhei. Vivi momentos de rejeição muito forte. Mas a vida é assim.

    Para fazer o que eu fiz na SBPC, em várias ocasiões eu abri mão da companhia da minha família. Isso sem receber nada porque o trabalho como presidente da SBPC é pro bono. E nunca deixei a carreira de pesquisadora de lado, eu continuei fazendo ciência de qualidade.

    Um dia eu penso em escrever um livro sobre esses 10 anos à frente da sociedade. Perdemos muitas lutas, mas eu tenho a sensação de dever cumprido. Fizemos uma parceria bastante profícua com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), cuja função é complementar à da SBPC. Eu acredito que, hoje, conquistamos uma posição de referência. Frequentemente somos chamados a participar de reuniões no Congresso Nacional, por exemplo. Trouxemos a ciência de volta para o debate.

    C&C: O que a senhora destacaria nas gestões em que esteve na presidência da SBPC?

    HN: Uma conquista da qual eu tenho muito orgulho é o Marco Legal de C&T [Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/2015, foi aprovado pelo Senado Federal em 9 de dezembro de 2015. Dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação]. Esse trabalho começou ainda quando eu era vice-presidente na gestão do Marco Antônio Raupp. Em outubro de 2008, tivemos um encontro com o presidente Lula, juntamente com o, então, ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende e representantes de várias sociedades científicas brasileiras, incluindo a ABC. Como resultado, em 2010, o Raupp entregou um documento que deu origem ao projeto do Marco Legal de C&T, que eu tive o prazer de ver aprovado. Parte dessa conquista eu devo aos senadores Aloysio Nunes (PSDB/SP), Jorge Viana (PT/AC) e Renan Calheiros (PMDB/AL). O grande mérito do projeto foi institucionalizar o sistema de ciência e tecnologia, eliminando a insegurança jurídica e favorecendo parcerias com as indústrias, por exemplo.

    Um aspecto importante foi a inclusão da ciência básica no texto da Lei. Após o trâmite do projeto na Câmara, a palavra "básica" foi suprimida. Então, eu comecei a lutar para que voltasse para o texto porque no Brasil o que não está escrito, é proibido. Eu lutei por isso e tive sucesso. Conseguimos que a palavra "básica" figurasse no texto final aprovado por meio de uma emenda de redação, assim o Marco inclui a palavra "inovação", o que considero importante, mas também a ciência básica. Não acredito nessa separação entre ciência aplicada e ciência básica. A ciência é uma só e, com as discussões e a aprovação do Marco Legal, alcançamos uma compreensão maior sobre o papel da ciência no desenvolvimento do país. Mas a luta continua porque agora temos que regulamentar a Lei.

    Outra conquista foi a reformulação da SBPC Jovem, que passou a ser uma responsabilidade conjunta entre SBPC e a universidade que recebe a Reunião Anual. Isso fez com que esse evento voltasse a ter sucesso. Além disso, criamos o "dia da família na ciência", em 2014, cuja programação é dirigida à interação com a comunidade, mostrando que a ciência faz parte do dia a dia das pessoas. Acontece no sábado, e conta com várias atividades para a família. São atividades que têm tido uma grande audiência, mostrando que a sociedade brasileira é ávida por conhecimento. Em São Carlos [onde foi realizada a 67ª Reunião da SBPC, em 2015], um pai veio falar comigo dizendo: "eu nunca pensei que voltaria à escola pelas mãos do meu filho". Eu espero que essas iniciativas continuem.

    Outra novidade que introduzimos na Reunião Anual foi a SBPC Indígena, que consiste em convidar as pessoas que antes eram objeto de estudo da antropologia, da sociologia, para sentar à mesa. Com isso indígenas e quilombolas compunham mesas de discussão. Isso é importante para dar voz a essas pessoas. E, finalmente, a SBPC Inovação que começou na edição da Reunião Anual em São Carlos, em 2015, mostrando que tanto a ciência básica como a inovação são relevantes. Eu tenho orgulho de ter ousado fazer isso!

    C&C: Como a senhora avalia as mudanças na carreira de pesquisador nas universidades federais?

    HN: A estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal [Lei nº 12.772/2012] resultou na falência da carreira de professor na universidade federal. Uma das modificações previstas na Lei 12.772 é a forma de ingresso, sempre no primeiro nível da classe de professor auxiliar. Não há mais concursos para professor titular. O pesquisador só chega a esse nível da carreira por tempo de serviço, sem mérito. Eu vejo isso como um complicador, uma ameaça para o futuro da universidade federal brasileira que, infelizmente, não conseguimos reverter. Sem mérito não tem universidade. Eu não tenho vergonha de dizer que a universidade é meritocrática, se não assim, ela será o quê, político-partidária? A única parte que eu consegui junto à presidente Dilma, na última reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), foi retirar do texto o artigo que eliminava a exigência de doutorado para ingressar na carreira na universidade federal. Isso era uma aberração, contra a definição de universidade. Ao menos, esse ponto foi revertido.

    C&C: O crescimento no número de universidades federais observado, nos últimos anos, não foi acompanhado por um aumento no orçamento para essas instituições. O que deu errado? Ainda nesse aspecto, é possível afirmar que o sistema de autonomia de gestão financeira das estaduais paulistas, vigente no estado desde 1989, tem sido garantia de sua distinção e bom desempenho acadêmico. Em sua opinião essa condição está ameaçada?

    HN: A minha geração viveu uma fase na qual não podíamos falar nada, nos expressar. No entanto, com o fim do regime autoritário militar, nós exageramos ao achar que tudo deveria ser decidido por voto e levamos esse modelo para a universidade. Agora, aponte uma universidade excepcional no mundo que tenha eleição. Os cargos vão para aqueles mais capazes. Eu não sou contra ter eleição, mas esse modelo exige negociação, obter apoio. Nessa hora, a universidade repete o mesmo modelo que existe no Congresso Nacional, onde tudo é feito na base da barganha, o maior problema na gestão do Estado brasileiro. É o que está acontecendo nas federais e estaduais. Como resolver? Difícil, temos que começar de novo. As universidades têm que fazer uma autocrítica. Todo mundo fala sobre internacionalização, mas ninguém olha, de fato, como as universidades lá fora são geridas. Temos que repensar a gestão. As universidades públicas paulistas têm uma situação mais tranquila de financiamento, mas as estaduais de outros estados estão na penúria. Já as federais que antes receberiam 1/12 do orçamento, agora vão receber 1/18 e a primeira parte só chega em abril. Como é possível fazer planejamento estratégico? Como ter uma universidade de classe mundial? Como competir com outros países, por exemplo, com a China, que tem mostrado resultados excepcionais nos últimos anos. China e Coreia têm universidades para formação de professores que atraem os melhores talentos. Por que não conseguimos fazer isso aqui? Temos índices de evasão de 50% nos cursos de licenciatura das federais, ou seja, justamente naqueles cursos que formam os professores dos próximos alunos que entrarão na universidade. Isso é muito preocupante e não é papel da SBPC. As universidades, e as associações das quais elas participam, têm que parar para analisar isso, ou vamos andar para trás. Falamos muito que aumentou o número de matrículas no ensino superior nos últimos anos, de fato, mas o que pouco se fala é que esse aumento se deu principalmente em instituições privadas (75% das matrículas), muitas delas nas bolsas de valores, ou seja, elas têm que dar lucro. Ensino com lucro é uma visão diferente, é esse contingente que corresponde a maior parte do alunado. É preciso olhar a qualidade. Muitas dessas instituições até preferem ser centros universitários para não precisar contratar doutores. Isso é muito grave, é uma discussão que a sociedade vai ter que fazer. Teremos algumas mesas sobre isso na Reunião Anual da SBPC deste ano.

    C&C: Em outros países, como a Coreia, por exemplo, as empresas contribuem com mais de 70% do total investimento em CT&I. Aqui no Brasil, essa participação é muito pequena. Em sua opinião, por que prevalece essa mentalidade no empresariado brasileiro?

    HN: Se você olhar a Coreia do Sul há uns 25 anos, ela se parecia com o Brasil. Em 1997/98 aconteceu aquela crise econômica nos países do Sudeste Asiático (os chamados Tigres Asiáticos) que afetou diversos países, inclusive o Brasil. Passado o ponto agudo da crise, a Coreia fez um estudo sobre opções de investimento governamental e a decisão foi investir em ciência. O conceito por trás disso era: se eu investir em alguns setores vou ter uma expansão da economia, seguida de uma estabilização e depois uma queda; se eu investir em ciência, a economia tem uma queda inicial, mas depois ela volta a crescer. No final da década de 1990, que carro ou celular nós comprávamos da Coreia? O que vemos hoje, com empresas de classe mundial, é resultado de um diagnóstico de governo. Aqui, os 18 vetos que foram feitos no Marco Legal referem-se exatamente a temas que poderiam resultar em uma alavancagem de patamar, com investimento especialmente na micro e pequena empresa de base tecnológica. Essa é a estratégia norte-americana com startups. Os subsídios concedidos para essas empresas permitem que elas cresçam para depois serem compradas por grandes organizações. Aqui, o Ministério da Fazenda e o do Planejamento não conseguiram colocar isso em prática. Eles não entenderam que vivemos em uma economia do conhecimento. Nós estamos atrasados nesse quesito. O financiamento maciço da ciência ainda vem do Estado e vai ter que ser assim por um bom período, até que essas indústrias de classe mundial possam investir. Se não fosse o investimento público não haveria o pré-sal ou os resultados no agronegócio que alcançamos graças à Embrapa e outros institutos de pesquisa agrícola antes dela. O Brasil é muito competente, mas parece que não nos damos conta disso.

    C&C: No Brasil, a classe científica parece estar muito distante do governo, sendo pouco consultada para tomadas de decisão em assuntos técnicos e estratégicos. A senhora acredita que se trata de falta de credibilidade?

    HN: O CCT funcionou perfeitamente no governo do presidente Lula, nos dois mandatos. Isso teve um impacto muito grande na formulação de políticas, na colaboração entre ministérios. Esse conselho é chave. Infelizmente, não sei por que, no governo da presidente Dilma, o CCT se reuniu apenas uma vez. Ele pode impactar decisões do governo porque reúne comunidade acadêmica, empresários e os ministérios que precisam de ciência. Eu vejo como um instrumento importante que precisa ser utilizado. Pouco antes do início da crise política atual, as reuniões voltaram a acontecer para discutir infraestrutura, legislação. É uma pena ficarmos sujeitos a um certo personalismo, onde dependemos da sensibilidade das pessoas que estão à frente do governo, da vontade dessas pessoas. É só lembrarmos das frequentes trocas de ministro da Ciência e Tecnologia. As instituições do Brasil não são fortes, essa é que é a verdade. Nós vivemos de soluços e a ciência não funciona assim, ela acontece com planejamento estratégico.

    C&C: No período em que a senhora esteve à frente da SBPC alguns programas importantes foram lançados, como por exemplo dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Pode falar um pouco sobre eles.

    HN: Os INCTs são fruto das reuniões do CCT, na gestão do ministro Sergio Resende, quando discutimos modelos de parcerias público-privadas. Eles são na verdade uma ampliação dos Institutos de Milênio, com mais recursos e para mais áreas. Os projetos do primeiro edital (2014) foram avaliados e tiveram bons resultados. Os recursos investidos não foram tão grandes se pensarmos no número de instituições envolvidas em cada INCT. O principal resultado, a meu ver, foram as articulações entre diferentes entes: estaduais, federais, universidades, centros de pesquisa etc. Então veio o segundo edital, em 2016, já no governo Dilma. Depois de longo período de avaliação dos projetos e aprovação de um número maior do que no primeiro edital, não havia mais recursos. A PEC dos gastos públicos autoriza os estados a fazer cortes também. Então muitos deles estão tendo cortes nos financiamentos via suas fundações. A crise financeira está no âmbito federal e estadual. Como esses INCTs vão se manter? O orçamento do ministério é de cerca de R$ 15 bilhões (incluindo comunicações), dos quais R$ 5 bilhões não podem ser contingenciados porque são para pessoal e custeio, sobram cerca de R$ 10 bilhões e, desse montante, metade já foi contingenciado na Lei Orçamentária Anual (LOA). É o que sobrou de todos esses cortes que o Congresso está usando para planejar os gastos de 2018! Temos, portanto, uma aberração. É contra isso que estou lutando. A situação financeira é muito grave. O que temos é uma verdadeira "escolha de Sofia" entre quem vai receber recursos: o edital universal ou os INCTs. É uma crise que vem se agravando continuamente nos últimos anos, o que demonstra uma falta de visão estratégica de nação.

    C&C: E o programa Ciência sem Fronteiras?

    HN: Esse era um programa que tinha começo, meio e fim, e que foi objeto de muitas críticas por parte da mídia. Em minha opinião, temos que fazer uma grande avaliação e aí fazer um novo projeto. Em princípio, eu diria que foi exagerado, um projeto muito grande para ser executado em pouco tempo, em quatro anos, envolvendo 100 mil bolsistas. No entanto, eu apoiei porque eu acredito que a presidente Dilma foi eleita democraticamente e, portanto, ela tinha o direito de implementar um programa no qual ela acreditava. Entretanto, ela tinha a obrigação de manter o programa com recursos novos, fora do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Isso não aconteceu. Ela usou financiamento do próprio ministério. Enfim, esperamos uma boa avaliação.

    C&C: A senhora já declarou sua preferência por dar aulas para alunos mais jovens, ainda na graduação. Qual o papel do professor no ensino superior hoje?

    HN: Pelo menos na área que eu trabalho, na graduação você pega o jovem, um aluno para o qual você pode apresentar o novo, pode entusiasmar. Na pós-graduação isso já não é mais possível. Na verdade, para mim na pós-graduação já não cabe mais ter tantas aulas, e sim discussão e debate. Na graduação é diferente, é formação. Eu tenho ex-alunos de graduação com os quais mantenho contato até hoje. Gosto de dar aula, eu me preparo para isso e sempre tento levar alguma coisa para alunos, algo que não está no livro. Acho importante mostrar qual o papel do aluno na universidade pública, a responsabilidade de estar ali. Ao mesmo tempo, eu vejo que nós estamos em um modelo de ensino totalmente ultrapassado na universidade brasileira. Isso foi relatado por alunos que participaram do Ciência sem Fronteiras. Em universidades fora do país é comum ter um espaço para o aluno estudar sozinho, ele é mais independente. Aqui, isso não é possível porque os estudantes reclamam que o professor não quer dar aula. Isso tem que mudar. Nosso aluno fica oito horas por dia em sala de aula. O cérebro não é uma esponja. Se ele não estudar, ele não vai aprender. Mas aqui há uma resistência cultural. Nossa universidade tem que se modernizar. A função do professor é abrir caminhos, ensinar a buscar. Outro exemplo de nosso atraso é a quase inexistência de cursos em outra língua. O Ciência sem Fronteiras foi bom para isso, para mostrar essa deficiência grave nos nossos estudantes do ensino superior.

    C&C: Levantamento recente mostra que as mulheres são responsáveis por cerca da metade da produção científica brasileira. Essa proporção, no entanto, não se mantém para todas as áreas - nas chamadas ciências duras, elas ainda são minoria - e tampouco se reflete em cargos de liderança. Qual é o papel da mulher na ciência brasileira?

    HN: O papel da mulher na ciência é totalmente relevante. A mulher atingiu, em pouco tempo, índices de escolarização que a gente não imaginava. Por exemplo, 49% da ciência na mão das mulheres não é algo trivial e o Brasil vem vindo num crescendo. No Brasil, a mulher não estudava, não votava, então se você olhar, em 50 anos o que essa mulher fez, é espantoso. Para fazer uma comparação, no Brasil 14 ou 15% dos membros da academia são mulheres, nos Estados Unidos são 8% e na França, menos do que isso.

     

     

    Temos que nos orgulhar. Quando eu falo isso, as feministas não gostam. Claro que estamos aquém do que queremos, mas no tempo que temos de educação é um resultado fantástico. Ter mais mulheres nas áreas da hard science vai depender de nós mesmas. Não se esqueça que quem cria as crianças são majoritariamente as mulheres. Temos que romper essas barreiras de gênero na infância, combater os estereótipos das cores rosa e azul, das bonecas para as meninas e dos brinquedos de montar para os meninos. Eu não me esqueço dos meus pais. Minha mãe, por exemplo, não pôde estudar porque meu avô não permitiu e meu pai não fez curso superior. Mesmo assim, eles me diziam: "não há limites para o que você pode fazer a não ser aqueles que você coloca para você mesma". Eles sempre estiveram presentes. Para mim, a formação vem de casa.

    Por que tem poucas mulheres em posição de comando? Eu acho que além da segregação da sociedade, tem muito uma segregação que a mulher se auto impõe. Infelizmente! Mesmo assim também acho que esse cenário tem melhorado, por exemplo temos várias reitoras nas universidades brasileiras. Eu tenho orgulho do que a mulher brasileira conquistou na área de ciência. O que eu não aceito é que a mulher, tendo a mesma competência que o homem, ganhe menos.

    C&C: A revista Ciência&Cultura é um dos marcos na divulgação de ciência no Brasil. Qual o papel desses veículos e da divulgação da ciência para o fortalecimento de uma cultura científica em nosso país?

    HN: A Ciência&Cultura se confunde com a história da SBPC. A revista passou por diversas fases, várias ideias foram testadas e algumas descartadas, por exemplo, teve uma fase em que a revista era publicada em inglês. O formato que temos hoje [desde 2002], eu acho que está atendendo a necessidade atual. Isso não significa que não pode melhorar, deve melhorar. Penso que poderíamos nos aproximar do público jovem. A revista se afastou desse público, do jovem pesquisador. É fundamental atrair esse público que tem se afastado cada vez mais da ciência e dessas discussões. Acho importante o núcleo temático onde a revista traz assuntos polêmicos com coragem, como foi com o tema do aborto, em um país que virou criacionista e reacionário. Para mim a maior injustiça contra as mulheres é a criminalização do aborto, é uma ofensa, como se a mulher fosse um ser inferior e homens e a sociedade tivessem que dizer a ela se deve ou não seguir com uma gravidez. Isso fere direitos humanos. Não quero dizer que sou a favor do aborto, eu sou a favor de descriminalizar o aborto, uma das principais causas de morte entre mulheres. Até quando vamos tolerar isso? A Ciência&Cultura tem essa função de trazer debates importantes e, além do núcleo temático, tem um papel muito relevante na divulgação de ciência.

    C&C: Cientistas no Brasil vivem em um cenário de adversidades, falta de equipamentos, materiais, bolsas. Quais são suas motivações para seguir em frente enquanto cientista?

    HN: Eu acredito no Brasil, de verdade. O que eu puder fazer para reverter essa situação de falta de perspectiva, eu vou fazer, vou continuar lutando. Nosso povo é ávido por conhecer, por aprender.