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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo July/Sept. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300004 

    BRASIL
    SAÚDE

     

    Pesquisa relaciona amamentação e inteligência

     

     

    Márcio Derbli

     

     

     

    Em março deste ano, o epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (RS), recebeu o prêmio Gairdner, a mais importante premiação científica do Canadá. Ele ganhou a distinção na categoria Saúde Global e é o primeiro brasileiro contemplado pelo prêmio. Juntamente com seu grupo de pesquisa, Victora é responsável por importantes pesquisas relacionando os cuidados nos anos iniciais de vida - especialmente sobre amamentação e nutrição materno-infantil - e os seus impactos na qualidade de vida e saúde dos adultos. Seus achados serviram como base para formulação de políticas públicas de saúde pelo Brasil. Ainda na década de 1980, ele demonstrou que a amamentação exclusiva com leite materno até os seis meses de idade pode reduzir consideravelmente o risco de morte por diarreia nos bebês. Os resultados, replicados em outros países, foram incorporados pela OMS em suas recomendações sobre amamentação.

    Victora também ajudou a definir a tabela com a curva de crescimento infantil ideal, utilizada em 140 países, além do Brasil. A pesquisa, que resultou na tabela e acompanhou mais de oito mil crianças, com a participação de grupos de pesquisa do mundo todo, começou com o grupo do pesquisador, em Pelotas. "A grande contribuição do grupo que o Cesar coordena foi demonstrar relações entre vários fatores de risco que poderiam resultar em diferentes desfechos. Essas informações acabaram contribuindo muito com políticas públicas em vários temas", comenta a especialista em saúde materno-infantil, Sonia Venancio, do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

    Nos últimos anos, Victora conduziu diversas revisões sistemáticas de literatura, junto a um grupo da OMS, procurando a relação da amamentação com doenças crônicas e obesidade. As revisões indicaram que quanto mais tempo a criança é amamentada menor o risco de desenvolver diabetes tipo 1, sobrepeso, obesidade e otite.

     

    LEITE MATERNO E QI

    Uma pesquisa recente, coordenada pelo pesquisador, indicou uma relação positiva entre o tempo de amamentação e o quociente de inteligência (QI), o grau de escolaridade e a renda. O estudo, publicado em 2015 na revista The Lancet Global Health, avaliou quase 3.500 adultos com cerca de 30 anos, todos pertencentes à coorte pelotense (em estatística, coorte é um grupo de pessoas que tem em comum um evento em um mesmo período, por exemplo, o nascimento). O grupo era monitorado desde 1982. Para chegar a essa conclusão, ele mediu a duração do aleitamento materno em um grupo de bebês e, posteriormente, avaliou QI, anos de escolaridade e a renda no mesmo grupo de indivíduos, agora com 30 anos de idade em média. "É uma pesquisa muito bem conduzida. Controlando possíveis variáveis que poderiam comprometer o estudo, ele chegou à conclusão que a amamentação favorece o nível de QI mais alto, aumenta os anos de escolaridade e repercute na renda também", explica Venancio.

    Do ponto de vista biológico, o que explicaria o impacto da amamentação no nível de inteligência seria a presença dos ácidos graxos saturados de cadeia longa no leite, influenciando a formação dos tecidos neuronais. "Eu sinto que ainda estamos arranhando a superfície do conhecimento sobre as propriedades biológicas do leite materno. Estudos muito recentes mostram a presença de células-tronco (que podem se diferenciar em células progenitoras neurais) no leite humano. Ele modula o microbioma intestinal e cada vez mais se fala sobre o eixo entero-cerebral (comunicação do intestino com o cérebro). Além disso, o leite materno tem propriedades epigenéticas, de ligar e desligar genes que podem ser importantes para as funções neurais", aponta Victora.

     

     

    O tempo médio de aleitamento no Brasil passou de menos de três meses, na década 1980, para mais de um ano atualmente. Segundo Victora, isso aconteceu devido a uma combinação de políticas públicas, treinamento de médicos e outros profissionais de saúde, campanhas na mídia, o estabelecimento da maior rede mundial de bancos de leite humano e outras medidas envolvendo toda a sociedade. "No entanto, e apesar disso, apenas metade de nossas crianças é amamentada exclusivamente até os seis meses, como recomendam as nossas pesquisas. Garantir a licença maternidade por seis meses ou mais é uma política essencial para melhorar esse índice. É muito preocupante que, dentro do contexto da reforma trabalhista, essas políticas estejam sendo ameaçadas", finaliza Victora.