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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo jul./set 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300005 

    MUNDO
    PERCEPÇÃO DE C&T

     

    Linha de pesquisa se fortalece na América Latina

     

     

    Patrícia Santos

     

     

    O que a sociedade pensa sobre investimentos em ciência e tecnologia? É possível medir o interesse por assuntos científicos na mídia? Qual o perfil do público interessado? Especialmente depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a busca por respostas para essas questões deu origem a uma linha de pesquisa cujos primeiros trabalhos foram publicados nos Estados Unidos e Europa. Hoje, os estudos de percepção pública da ciência e tecnologia são feitos periodicamente em diversos países, inclusive no Brasil. De base quantitativa, eles usam questionários estruturados e entrevistas aplicadas a grupos populacionais. Assim, dados sobre percepção de C&T têm sido acumulados com diferentes escopos: nacionais, por município, por tipos de públicos (como professores ou estudantes), constituindo uma fonte imprescindível para compreender as relações entre ciência e sociedade.

    Uma pesquisa mexicana que teve como foco as metodologias utilizadas nesses estudos, trouxe mais uma contribuição para essa área de estudos. Em sua tese de doutorado, Milagros Varguez Ramírez analisou seis enquetes nacionais de percepção pública de ciência e tecnologia realizadas no México de 2001 a 2011. O trabalho foi defendido em 2016 no Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, no México. Entre os objetivos da pesquisadora estavam a identificação de padrões metodológicos usados nas enquetes de percepção e avaliar o nível de pertinência dos enunciados, ou seja, se as questões serviriam para responder aquilo a que se propunham.

    Entre as conclusões do estudo, a pesquisadora apontou a falta de base conceitual para as enquetes aplicadas no país que induz a erros, tanto na elaboração dos questionários como na interpretação dos resultados. Varguez enfatiza que o questionário é o elo entre a informação que se busca e os dados a serem coletados. Assim, a definição das perguntas que serão feitas e para que grupos de pessoas deve ser coerente com o processo e a técnica da entrevista escolhidos. Nas enquetes que Varguez analisou, ela observou que, em algumas, o objetivo chegou a ser alterado pelos órgãos responsáveis - o Consejo Nacional de Ciencia y Tecnologia (Conacyt) e o Instituto Nacional de Estadística y Geografía (Inegi) - na fase de edição das pesquisas.

    Outro problema observado na elaboração das amostragens foi a maior proporção de pessoas da base da pirâmide socioeconômica. Na análise da pesquisadora, é possível que seja uma negligência consciente já esse tipo de erro já foi reconhecido pela própria Enpecyt (Enquete de Percepção Pública da Ciência e da Tecnologia, na sigla em espanhol) em diversas enquetes realizadas no México. A literatura sobre estudos de percepção aponta que pessoas com maior formação educacional tendem a contestar e desconfiar das intenções e da aplicação da ciência e tecnologia. Já a população da base da pirâmide tende a ser mais favorável. "É factível considerar que o México mantém um interesse em reportar dados estatísticos e informação errada, mas considerada como ideal a nível internacional", segundo a tese.

     

    DESAFIOS NA ELABORAÇÃO

    No Brasil, não há trabalho similar ao mexicano, comparando diferentes questionários já aplicados. Aqui foram feitas quatro pesquisas nacionais, além de estudos com outras abrangências. A mais recente é de 2015, realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o então Ministério da Ciência e Tecnologia. Para Adriana Badaró, que coordenou essa pesquisa, é grande o desafio de construir esse tipo de questionário. O instrumento deve permitir a comparação com enquetes anteriores feitas no país e também com os indicadores internacionais. Deve ainda ter abertura para abordar tendências ou temas específicos como nanotecnologia. Na revisão mexicana, esse processo apresentou falhas. Perguntas usadas em enquetes feitas nos Estados Unidos e Europa foram traduzidas e aplicadas no México - e isso é comum em outros países, como o Brasil. No entanto, faltou adequar questões para a cultura local, segundo Varguez.

    Ela menciona também a falta de preparo dos entrevistadores. Eles devem ser capazes de esclarecer o objetivo do estudo e as dúvidas que possam surgir ao longo das entrevistas. Ananias Queiroga Filho, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), estuda ferramentas estatísticas para pesquisas de percepção e concorda com Varguez. "Nas pesquisas de percepção, se a pergunta é sobre nanotecnologia ou sobre clonagem isso pode gerar alguma dúvida e o entrevistador precisa de um conhecimento razoável desses assuntos", explica.

    Uma maneira de lidar com isso, na enquete brasileira de 2015, foi a contratação da mesma empresa que realizou as entrevistas para a enquete de 2010, inclusive com os mesmos entrevistadores daquela ocasião. A fase de testes do questionário também levou em conta a compreensão das perguntas pelo público e se o número de perguntas tornaria o processo cansativo ou não, segundo Badaró.

     

    ALÉM DAS ENQUETES

    Em seu estudo, Varguez também analisou se as pesquisas tinham relação com o que acontecia na arena pública. As enquetes passaram a ser mais relevantes quando o México passou a fazer parte da OCDE, a partir de 1994, já que a organização usa indicadores estatísticos dos países membros para respaldar suas atividades. Também foram realizadas quando houve o debate público sobre energias renováveis no país, em 2001. A pesquisadora analisa que a motivação para esses estudos está mais relacionada a projetos políticos e investimentos. No entanto, "eles deveriam apoiar políticos na tomada de decisões, servir para comunicadores conhecerem seus públicos e motivar os meios de comunicação a divulgar ciência", diz.

    Já no Brasil, Badaró observa desdobramentos a partir das enquetes. Um deles foi a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) com foco em comunicação pública da ciência e tecnologia. A instituição é composta por membros do grupo que desenvolveu a pesquisa de 2015. Os resultados serão publicados no livro A ciência e a tecnologia no olhar dos brasileiros - percepção pública da C&T no Brasil 2015 cujo lançamento vai acontecer durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Esperamos que ele sirva para fortalecer essa área de pesquisa no Brasil e também para atrair novos pesquisadores", diz.

    Ainda faltam análises secundárias, a partir dos dados obtidos nas enquetes, no caso mexicano. Queiroga Filho acrescenta que a subutilização de recursos analíticos também é comum no Brasil já que os relatórios costumam apresentar apenas frequência de respostas, média ou desvio padrão. Badaró ressalta que outras abordagens estatísticas poderiam ser feitas, porém análises aprofundadas e que permitam comparações internacionais sobre as motivações, opiniões, atitudes de diferentes grupos sociais sobre ciência e tecnologia têm que ser complementadas por trabalhos qualitativos. É preciso aperfeiçoar os métodos usados, sem deixar de reconhecer o que já foi feito, segundo Queiroga Filho. "Quando a informação está com problemas a gente ainda pode utilizá-la dentro do que é possível. Quando não estamos cientes disso, podem surgir interpretações e conclusões equivocadas", finaliza.