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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo jul./set 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300007 

    ARTIGOS
    INOVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO
    APRESENTAÇÃO

     

    Radiação de Síncrotron no Brasil UVX e Sirius

     

     

    Yves Petroff

    Ex-professor UC Berkeley, ex-diretor do Laboratório Europeu de Radiação Síncrotron (ESRF), é vinculado ao LNLS - Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

     

     

    Conforme predito por Iwanenko e Pomeranchuk, MeV (milhões de elétrons-volt) ou GeV (bilhões de elétrons-volt) elétrons submetidos a grandes acelerações normais à sua velocidade emitem radiação eletromagnética (1). Esta radiação é emitida em um cone estreito tangente à órbita do elétron. Dependendo da energia dos elétrons, a radiação produzida vai da região mm para a região macia (MeV) ou para a região de raios X rígidos (GeV). Anéis de armazenamento são usados para produzir radiação síncrotron (RS). Eles consistem em uma sucessão de ímãs que são usados para desviar os elétrons que viajam em uma câmara de vácuo ultra alto. A radiação síncrotron foi observada pela primeira vez no General Electric Laboratory em um pequeno síncrotron de 70 MeV por Elder et al. (2). Objetos astronômicos também geram RS quando elétrons relativistas mudam de velocidade em campos magnéticos. As vantagens do uso de radiação síncrotron para espectroscopia foram demonstradas em 1963 por Madden e Codling observando novos níveis de energia atômica auto ionizante em He, Ne e Ar (3). Isso foi feito na SURF, o pequeno anel de armazenamento de 180 MeV da National Bureau of Standards (Gaithersburg, Estados Unidos).

    Primeira geração: no início, os aceleradores foram construídos para a física de partículas e a radiação síncrotron foi usada em "modo parasítico" com a radiação do ímã de dobra sendo extraída por furos de perfuração nas câmaras de vácuo. O brilho dos fótons produzidos estava na gama de 1012 fót/seg/mm2/mrad2, uma grande melhoria em comparação com um tubo de raios X (108).

    Segunda geração: tendo em conta esses resultados muito positivos, as pessoas decidiram construir máquinas dedicadas à entrega de radiação síncrotron. O primeiro anel de armazenamento (240 MeV) encomendado como fonte de luz síncrotron foi Tantalus (Wisconsin) em 1968.

    Terceira geração: principalmente baseada em onduladores (dispositivos magnéticos que permitem ganhar mais de 3 ordens de magnitude em brilho) e emitância (produto do tamanho do feixe de elétrons pela divergência) de alguns nanômetros.radianos (nm.rad). O brilho atingiu 1018 e mais tarde 1020 nas primeiras instalações de terceira geração: ESRF (6 GeV, 1994), APS (7 GeV, 1996) e SPRING 8 (8 GeV, 1997). Isso abriu possibilidades completamente novas em muitas áreas: biologia estrutural, paleontologia, estudos de materiais em condições extremas, imagiologia, permitindo o desenvolvimento de novas técnicas: espalhamento inelástico de raios X moles e duros, espalhamento ressonante nuclear, ptycografia, espectroscopia de correlação de fótons por raios X e outros.

    Para ilustrar isso mostro um fóssil e a imagem 3D (Figura 1) obtida por imagem de contraste de fase (4): é um molde de uma toca fossilizada que foi inundada e depois litificada que contém um cynodont therapsid (Thrinaxodon), enterrado junto com um Broomistega (tipo de salamandra). As imagens são obtidas sem destruição da amostra.

     

     

    Quarta geração: baseada em anéis de armazenamento de emitância muito baixa (100 pm.rad), permitem atingir alguns 1022 fót/seg/mm2/mrad2. Então, nos últimos 50 anos, passamos de 1012 para 1022! Estas novas fontes são: MAX IV (3 GeV, Suécia, em operação), Sirius (3 GeV, Brasil, 2019), ESRF (6 GeV, França, 2020). O termo quarta geração também é usado para designar laser de raios X de elétrons livres, baseado em aceleradores lineares (8-20 GeV) e onduladores muito longos (100/150 m). XFEL é um novo tipo de fonte de raios X, complementar às fontes RS, mas com um aumento da intensidade de pico em cerca de 10 ordens de grandeza.

     

    SITUAÇÃO MUNDIAL

    Hoje, existem cerca de 50 centros de radiação síncrotron no mundo e outros novos estão em construção. Poder-se-ia esperar saturação, mas isso não aconteceu. No ESRF (European Synchrotron Radiation Facility, uma parceria de 22 países), o número de propostas apresentadas foi de 2013 em 2007 e atingiu 2384 em 2016. No entanto, durante esse período foram construídas 5 novas instalações na Europa: Soleil (França, 2,7 GeV, 2007), Diamond (UK, 2,7 GeV, 2007), Petra III (Alemanha, 6 GeV, 2009), Alba (Espanha, 3 GeV, 2011), MAX IV (Suécia, 3 GeV, 2016). O número de utilizadores anuais no ESRF aumentou constantemente, atingindo um número sem precedentes de 7000 em 2016.

     

    BRASIL E AMÉRICA LATINA

    Em 1980, a presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Lynaldo Albuquerque, perguntou a Roberto Lobo, diretor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) no Rio, sobre a possibilidade de construir um grande centro de pesquisa que forneceria infraestrutura para cientistas de todo o Brasil. Entre as ideias consideradas por Lobo, estava uma proposta para um anel de armazenamento para produzir a radiação síncrotron. Em 1982, Lobo visitou o Centro Francês de Radiação Síncrotron (Lure) em Orsay, onde Aldo Craievitch era um pós-doutorando e estava convencido de que poderia ser um bom projeto para o Brasil, pois muitas comunidades diferentes (física, química, biologia, ciências de materiais e outros) poderiam estar interessadas. A proposta foi formalmente apresentada à comunidade científica em agosto, em uma reunião patrocinada pelo CNPq com as principais sociedades científicas do país. Em setembro de 1982, Roberto Lobo renunciou ao cargo de diretor do CBPF, foi nomeado coordenador do projeto de radiação síncrotron e tornou-se responsável pelos estudos de viabilidade discutidos na reunião. Em dezembro de 1984, o Laboratório Brasileiro de Radiação Síncrotron (LNRS) foi formalmente criado, sob a direção temporária de Roberto Lobo. Em janeiro, quatro pesquisadores foram enviados para a SLAC (Universidade de Stanford), para trabalhar com Helmut Wiedemann em projetos conceituais para o anel de armazenamento e o sistema de injeção. Eles voltaram com uma proposta para uma máquina de 2 GeV que, devido a dificuldades financeiras e técnicas, foi reduzida para 1,15 GeV. Em fevereiro, a cidade de Campinas foi escolhida para hospedar as futuras instalações do laboratório. Em setembro de 1986, Cylon Gonçalves da Silva foi nomeado diretor do laboratório, com Ricardo Rodrigues chefe do grupo de máquinas e Aldo Craievitch como diretor científico. O nome do laboratório foi alterado para LNLS (Laboratório Nacional da Luz Síncrotron). Em 1989, uma área de 38 ha foi fornecida pelo estado de São Paulo para a construção do laboratório. As instabilidades econômicas no Brasil no início da década de 1990 levaram ao atraso do projeto. Em outubro de 1995, a construção do edifício foi concluída e a equipe do LNLS começou a se deslocar para o local para iniciar a instalação da máquina. Em novembro, foi anunciado que a energia dos elétrons seria aumentada de 1,15 GeV para 1,37 GeV, aumentando o fluxo de radiação sincrotrônica produzida pela máquina, especialmente na faixa de raios X duros. Em maio de 1996, a primeira volta de elétrons no anel de armazenamento foi alcançada. As linhas de luz começaram a ser instaladas na segunda metade daquele ano e, em outubro, a primeira radiação síncrotron foi observada em uma das linhas de luz. Em 1º de julho de 1997, a LNLS Synchrotron Light Source, denominada UVX, foi aberta aos primeiros usuários. É preciso salientar que esse centro de radiação síncrotron, construído em condições muito difíceis (na maioria das vezes o diretor não tinha o orçamento para o mês seguinte), é provavelmente o mais barato já construído. Como ele foi construído em casa, caso surgisse algum problema, ele poderia ser corrigido muito rapidamente (e a equipe conhecia a máquina de dentro para fora). Isso explica por que a confiabilidade da UVX seja da ordem de 97%, equivalente às muito recentes máquinas de terceira geração.

    Hoje, existem 15 linhas de luz em operação, utilizadas por uma comunidade de cerca de 1300 usuários anuais (principalmente brasileiros e argentinos, mas também em colaboração com bons grupos do exterior). Considerada a grande emitância de 100 nm.rad (em comparação com alguns nm.rad para fontes de terceira geração), a baixa energia (1.37 GeV) que não permite onduladores na faixa de raios X duros, acredito que o LNLS está se saindo muito bem a nível internacional. Em 2016, uma boa fração das publicações foram em revistas de alto perfil como Nano Letters, Nature Communications, Nature Scientific Reports, PNAS, Advanced Electronic Materials, Advanced Functional Materials, ACS Catalysis, entre outras.

    A radiação sincrotrônica de hoje está cobrindo tantos campos que tivemos que selecionar arbitrariamente alguns assuntos para serem abordados em artigos deste Núcleo Temático, todos muito importantes para a comunidade brasileira. O primeiro artigo apresenta a nova instalação brasileira Sirius, o segundo artigo trata da biologia estrutural, o terceiro cobre os estudos de materiais sob condições extremas. Os quatro artigos seguintes abordam o tema materiais e nanomateriais, sendo dedicados, respectivamente, a novos materiais, catálise, imagem e matéria macia. Finalmente, o oitavo artigo descreve experiências nos campos da agricultura e dos solos.

     

    I - SIRIUS

    Harry Westfahl Jr. e José Roque da Silva apresentam a nova fonte Sirius, caracterizada por uma emitância muito pequena (200 pm.rad) e um brilho na faixa de 1022 fót/seg/mm2/mrad2, um fator 106 maior do que o que está agora disponível no LNLS. Este valor de emitância fará do Sirius uma das fontes de luz síncrotron mais brilhantes do mundo.

     

    II - BIOLOGIA ESTRUTURAL

    A determinação das estruturas tridimensionais das proteínas, com as posições espaciais e as interações entre os átomos dessas moléculas, é extremamente importante para a compreensão de processos biológicos como doenças cardíacas, doenças virais, tuberculose, câncer e outros, podendo levar à produção de drogas cada vez mais eficientes com menos efeitos colaterais. André Luis Berteli Ambrosio e Kleber Gomes Franchini apresentam em artigo um quadro detalhado do desenvolvimento da biologia estrutural e indicam que um terço dos prêmios Nobel de Química, entre 1997 e 2012, foram atribuídos a trabalhos realizados essencialmente com radiação síncrotron. Hoje, este é um campo muito bem sucedido e quase todos os laboratórios de biologia têm um grupo que trabalha nessa área - mas é interessante notar que há 30 anos, 90% dos biólogos eram muito céticos sobre a utilidade da biologia estrutural.

    Sobre esse artigo, é importante um acréscimo de informação sobre desenvolvimentos recentes, não discutidos pelos autores devido à falta de espaço:

    Cristalografia em série: hoje, as proteínas localizadas nas membranas lipídicas das células, que constituem cerca de 30% das proteínas de organismos eucarióticos, não são completamente exploradas. A razão é que elas são difíceis de cristalizar e os cristais produzidos têm muitas vezes dimensões de alguns mícrons ou menos e são bastante frágeis, limitando a aquisição de dados da forma tradicional, mesmo em fontes de terceira geração. Como já foi apontado, a UVX, com uma energia de 1,37 GeV, nenhuma possibilidade de onduladores na faixa de raios X duros e uma grande emissão de 100 nm.rad, não é mais adaptada aos estudos de biologia estrutural. Mas o Sirius se beneficiará dos recentes resultados obtidos com o free electron lasers, graças ao desenvolvimento do método de "cristalografia em série" (multi-crystal data collection), no qual milhares de microcristais de proteínas são injetados aleatoriamente nos aproximadamente 1012 fótons de pulsos de poucos femtossegundos (fs) do XFEL, permitindo a determinação da estrutura de cristais crescidos in vivo. Com os dados sendo coletados com pulsos fs antes da explosão da amostra, o resfriamento não é necessário, permitindo estudos de máquinas moleculares à temperatura ambiente ou em ambiente químico controlado. No entanto, a comunidade XFEL continua sendo relativamente pequena, devido à disponibilidade limitada de duração do feixe XFEL para coleta de dados. A abordagem de cristalografia serial, em alguns síncrotrons de terceira geração, foi bem sucedida, mas novas máquinas como o Sirius, com linhas de luz usando óptica de focagem permitindo diâmetros de feixe submícron e detectores rápidos de contagem de fótons de baixo ruído, oferecerão novas possibilidades.

    Imagem de células com imagens de difração coerente (para ptycografia, ver item IV): se pudermos alcançar uma resolução de 5 nm, será possível estudar organelas, estruturas mais finas das membranas celulares e canais de transporte celular. Os fatores que limitam a resolução são a qualidade do padrão de manchas e os danos por radiação. Isso é viável? Recentemente tem sido possível produzir uma mancha de difração limitada de 12nmx13nm a 33,6 keV com 6.109 fot/seg (5) e a configuração foi utilizada para realizar experiências em células de câncer ovariano humano (6). É claro que 5 nm será alcançado nos próximos anos, mas os principais problemas serão os possíveis danos por radiação e o desenvolvimento de detectores com menor tamanho de pixel. Estudos recentes sobre o efeito da taxa de dose sobre os danos de radiação em cristais de macromoléculas biológicas mantidas à temperatura ambiente foram realizados (7). Esses estudos mostraram que o uso de taxas de dose de raios X muito altas, associadas a tempos de coleta de dados muito curtos, pode permitir que a maior parte dos danos de radiação causados pela difusão de radicais livres induzidos por raios X através do cristal seja ultrapassado. Evidência de danos de radiação torna-se aparente após cerca de 100 mseg, e isso significa que é preciso coletar conjuntos completos de dados de difração a partir de monocristais antes desse tempo.

    Espectroscopia de correlação de fótons de raios X (XPCS; consulte o item IV sobre materiais moles): proteínas exercem sua função biológica em um ambiente celular lotado e muitas podem formar clusters dinâmicos. A investigação da dinâmica de proteínas por espectroscopia de correlação de fótons de raios X (XPCS) está apenas começando. O XPCS cobre todas as escalas de comprimento relevantes para a dinâmica intra e interproteína, mas o acesso às escalas de tempo correspondentes foi limitado pelo fluxo coerente pequeno. O aumento de coerência com o Sirius colocará o XPCS no intervalo de microssegundos e, assim, reduzirá o hiato com a espectroscopia de eco de spin de nêutrons. Isso tornará o XPCS adequado para sondagem de comportamento difusivo de longo tempo, dinâmica de clusters, processos de envelhecimento etc., em soluções concentradas de proteína de complexos relativamente grandes.

    Dispersão de raios X de pequenos ângulos (SAXS) e grandes ângulos (WAXS): Os métodos são amplamente utilizados para a determinação estrutural de baixa resolução de macromoléculas biológicas em solução. O alto brilho dos síncrotrons continua a contribuir para a compreensão mais profunda da regulação muscular, especialmente explorando a estrutura fina de interferência dos motores de miosina observada no padrão de difração de raios X de ângulo pequeno. Novos mecanismos foram revelados no funcionamento dos músculos esquelético (8) e cardíaco (9). Embora os métodos de dispersão e de difração sejam capazes de proporcionar uma imagem quantitativa estrutural e dinâmica da matéria macia e dos materiais biológicos não cristalinos, a informação espacial real é necessária numa série de aplicações. A esse respeito, o progresso recente na imagem espacial real usando radiação síncrotron tem sido importante. Embora a resolução espacial seja limitada, o desenvolvimento recente na tomografia SAXS é um passo importante para a obtenção da estrutura 3D dentro da amostra (10). Esse tipo de abordagem funciona com alto contraste e amostras estruturalmente congeladas.

     

    III. MATERIAIS EM CONDIÇÕES EXTREMAS

    As instalações de terceira geração foram pioneiras em muitos dos grandes avanços nesse campo. No início, experimentos de alta pressão foram feitos em linhas de luz especializadas (uma ou duas por instalação): atualmente 300-500 GPa (3-5.106 atmosferas) podem ser alcançados na absorção, difração, dispersão inelástica, espalhamento nuclear ressonante ou linhas de luz com resolução de tempo. Isso é importante para vários campos: novos materiais, ciência da terra e planetária, matéria quente densa em equilíbrio térmico local, estrutura local de líquidos.

    Experiências estáticas: como discutido por Narcizo M. Souza Neto e Ricardo D. dos Reis, para obter pressões na gama de algumas centenas de Gigapascals (GPa) é necessário utilizar células de bigorna de diamante com um tamanho de culet entre 20-30 μm de diâmetro (o que significa um tamanho do feixe muito menor do que isso) e um bisel para um diâmetro de 300 μm. Apenas recentemente, o desenvolvimento de bigornas de diamante de duplo estágio permitiu com êxito estudar Osmium a 777 GPa (11) ou um projeto de bigorna diferente (12) para estudar Au a 600 GPa. A capacidade de afetar os elétrons do núcleo sob condições experimentais estáticas de alta pressão, mesmo para metais incompressíveis como Os, abre oportunidades para procurar novos estados de matéria sob compressão extrema.

    Experiências dinâmicas: a maior parte das experiências de alta pressão até agora têm sido estáticas, mas para atingir uma temperatura e pressão mais elevadas é necessário passar para o regime dinâmico usando, dependendo da ciência a ser feita:

    laser fsec /milliJoule (13);

    laser nsec / 35 J permitindo obter 500 GPa e 17000 K em ferro e fazer experimentos EXAFS com um único pulso de 100 psec (14). Lasers de alta potência (100/200 J com ns pulsos) como em instalação no ESRF e APS. O brilhantismo do Sirius deve possibilitar estudos estruturais nos regimes TPa e 10000K. Isto será complementar a fontes de laser poderosas como Omega, NIF ou ELI e instalações de laser de elétron de raio-X livre (LCLS, Sacla, European XFEL.).

     

    IV. MATERIAIS E NANOMATERIAIS

    A - Novos materiais

    Novos materiais precisam ser caracterizados, e a radiação síncrotron (muitas vezes acoplado com microscopia eletrônica) oferece uma grande variedade de técnicas para estudar propriedades eletrônicas, magnéticas e atômicas. Eduardo Granado analisa em artigo alguns dos estudos realizados no LNLS desde 1997. Houve uma evolução das amostras estudadas: cristais grandes no início e hoje compostos, na maior parte, e nanopartículas.

    B - Catálise

    A catálise desempenha um papel fundamental em muitas áreas: produtos químicos, polímeros, produtos farmacêuticos, combustíveis e ambiente. Os catalisadores estão envolvidos em 90% dos processos de fabricação de produtos químicos. Em vista da demanda crescente e da disponibilidade reduzida de matérias-primas, é necessário que os processos operem de forma muito eficiente. As nanopartículas de metal tais como Cr, Ni, Co, Au, Pd, Pt são depositadas em peletes feitos de suportes porosos. Uma vez que a eficiência do reator depende da eficiência do corpo do catalisador, o seu design é de extrema importância. Correlacionar como os parâmetros que influenciam o desempenho do catalisador, isto é, o tamanho das nanopartículas, a forma, a funcionalidade redox e as interações metal-suporte afetam e evoluem nos processos catalíticos do núcleo é, portanto, obrigatório para a melhoria dos processos industriais. Como descrito no artigo de Félix G. Requejo, as principais técnicas utilizadas atualmente nas instalações de radiação síncrotron são técnicas de absorção como XANES (absorção perto da estrutura da borda), EXAFS (estrutura fina de absorção), EXAFS rápido fornecendo estudos de tempo resolvidos de reações catalíticas. Há uma forte comunidade de grupos brasileiros e argentinos usando a instalação LNLS. Essas medições são, muitas vezes, complementadas com microscopia eletrônica. Hoje, em instalações de terceira geração, bons espectros EXAFS podem ser obtidos em 100 psec! No Sirius, a microtomografia resolvida no tempo poderia fornecer informações sobre as espécies químicas e a evolução do tamanho das partículas nanométricas em função do espaço e do tempo. Mesmo em fontes de terceira geração, essa técnica está atualmente limitada ao mapeamento espacial bidimensional e só pode ser aplicada a processos relativamente lentos devido ao fluxo de fótons limitado disponível. A nova fonte de raios X, explorando a coerência, proporcionará um aumento de fluxo em um fator de mais de 100 na região de raios X de alta energia, em comparação com as fontes de geração reais. Esse grande aumento no fluxo permitirá a caracterização 3D em tempo resolvido e o estudo de processos químicos muito mais rápidos, um tremendo salto para o estudo de processos industriais em materiais industriais de tamanho completo.

    C - Imagem

    Durante a radiografia, os raios X que passam através de uma amostra são absorvidos diferencialmente e a intensidade observada no detector registra a distribuição de absorção das diferentes partes do material. Mas quando os raios X passam através de um objeto não só a amplitude é alterada, mas também a fase. Para amostras de absorção fraca, esse contraste de fase pode ter ordens de grandeza mais fortes. Em 1994, quando os primeiros experimentos começaram em linhas de luz ondulantes, as pessoas ficaram surpresas com o salpico observado, mostrando uma coerência parcial do feixe. Rapidamente, os cientistas começaram a usar a coerência e o contraste de fase, revolucionando a qualidade das imagens de raios X. Como mostrado na Figura 1, a imagem de contraste de fase é uma ferramenta fantástica para a paleontologia.

    Como descrito por Carlos Sato Baraldi Dias e Mateus Borba Cardoso, a imagem por difração coerente de raios-X (CDI) permite imagens de alta resolução de amostras espessas. Essa técnica baseia-se no fato de os padrões de difração coerentes sobre amostrados serem registrados e, então, diretamente faseados utilizando algoritmos iterativos para obter uma imagem reconstruída em espaço real sem ajuda de espelhos ou lentes. Desde a primeira demonstração (15), CDI tem sido aplicada à imagiologia de uma ampla gama de materiais 2D e 3D em resolução nanométrica. Dias e Cardoso discutem em seu artigo alguns exemplos:

    Na região de raios X suaves, obteve-se uma resolução de 5 nm em nanoplacas de LiFePO4 (16) e 7 nm em amostras biológicas (17);

    Na região de raios X duros, como já assinalado (5), foi alcançado um ponto limitado de difração de 12nmx13nm a 33,6 keV e a configuração foi utilizada para realizar experiências em células de câncer ovariano humano (6). Para objetos não biológicos, imagens tridimensionais de circuitos integrados de desenhos conhecidos e desconhecidos foram obtidas com uma resolução lateral em todas as direções até 14,6 nanômetros (18). Esse tipo de experiência é impossível hoje no LNLS, mas o Sirius será um dos melhores lugares para a realização de imagens 3D, devendo ser obtida resolução menor do que 5nm.

    D - Materiais moles

    A ciência dos materiais moles é um campo altamente interdisciplinar de investigação, onde as fronteiras entre a física da matéria condensada, química física, biofísica e disciplinas como química, biologia e engenharia de materiais desapareceram. Exemplos de matéria mole são suspensões de coloides, polímeros, surfactantes e macromoléculas biológicas tais como proteínas ou ácidos nucleicos. A característica importante da matéria macia é o delicado equilíbrio entre interações entrópicas e entálpicas, tornando-os muito sensíveis a fracas perturbações externas e levando-os para fora do equilíbrio. As técnicas de dispersão baseadas em luz laser (DLS), nêutrons (SANS) e raios X (dispersão de ângulo pequeno e grande SAXS e WAXS) são amplamente utilizadas para elucidar essas estruturas e suas dinâmicas subjacentes. No artigo sobre matéria condensada macia, Watson Loh e Nádya Pesce da Silveira revisam a ciência realizada nessa área e descrevem as técnicas utilizadas para estudar dinâmicas complexas e relaxamento em vários sistemas de matéria condensada. Nos últimos anos, o XPCS (espectroscopia de correlação de fótons de raios X), utilizando um feixe parcialmente coerente, foi desenvolvido em algumas instalações de terceira geração como ESRF, APS e Spring 8. No caso do XPCS, uma nova configuração, baseada em fendas para selecionar a parte coerente do feixe, proposta recentemente (19), oferece várias novas possibilidades: SAXS, USAXS, WAXS e XPCS cobrindo a faixa de 10-3-60 nm-1 com 2.1011 fot /seg. As funções de correlação podem ser obtidas com alta resolução, em tempos de medição muito mais curtos em comparação com configurações anteriores usando uma câmera Bonse-Hart USAXS. Esta câmera permite estudar sistemas de não equilíbrio e obter funções de correlação de duas vezes sobre a gama de vetor de dispersão comparável com a dispersão de luz de pequeno ângulo. Isso deve permitir o estudo da dinâmica de coloides auto propelidos, as flutuações de velocidade local em suspensões de sedimentação concentradas, o movimento coletivo em géis coloidais envelhecidos, a dinâmica de secagem de filmes coloidais. Na linha de luz Caterete do Sirius, o ganho de coerência em relação à terceira geração deve ser da ordem de 100 (1013 fot/seg): isto, combinado com novos detectores como o EIGER X com taxas de fotogramas na gama de kilohertz em combinação com leitura contínua, abre novos horizontes em experimentos resolvidos no tempo e XPCS. Essas várias técnicas foram recentemente revisadas (20).

     

    V - AGRICULTURA E SOLO

    As técnicas baseadas na radiação sincrotrônica têm muitas aplicações na agricultura, como a contaminação por metais pesados, a análise do solo e o mapeamento de nutrientes nas plantas. A análise de materiais com composições complexas, como o solo, feito de sólidos e combinações heterogêneas de compostos orgânicos e inorgânicos imersos em soluções aquosas ou no meio de raízes de plantas, exige a aplicação e a combinação de várias técnicas experimentais com alta resolução espacial e química para descobrir os processos básicos que ocorrem nos solos, da escala atômica à micrométrica.

     

    REFERÊNCIAS:

    1. Iwanenko, D. e Pomeranchuk, I.. Physical Review 71, 11, 829, 1944.

    2. Elder, F. R.; Gurewitsch, A. M.; Langmuir, R. V.; Pollock H.C.. Physical Review 71, 11, 829-830, 1947.

    3. Madden, R.P. e Codling, K.. Phys. Rev. Lett 10, 516, 1963.

    4. Fernandez, V. et al. PLoS ONE 8e64978, 2013.

    5. Silva, J. C. da et al. Optica 4, 5, 492, 2017

    6. Sanchez-Cano, C. et al. Chem. Eur. J., 23, 2512, 2017.

    7. Warkentin, M. et al. JSR 20, 7, 2013.

    8. Linari, M. et al. Nature 528, 276, 2015.

    9. Ait-Mou, Y. et al. PNAS 113, 2306, 2016.

    10. Liebi, M. et al. Nature 527, 349, 2015.

    11. Dubrovinsky, L. et al. Nature 525, 226, 2015.

    12. Loubeyre, P. et al. unpublished

    13. F. C. B. Maia, F. C. B. et al. Scientific Reports 5, 11812, 2015.

    14. Torchio, R. et al. Scientific Reports 6, 26402, 2016.

    15. Miao, J. et al. Nature 400, 342, 1999.

    16. Shapiro, D.A. et al. Nature Photonics 8, 765, 2014.

    17. Zhu, X. et al. PNAS DOI: 10.1073/pnas.1610260114.

    18. Holler, M. et al. Nature 402, 543, 2017.

    19. Möller, J. et al. JSR, 23, 929, 2016.

    20. Naranayan, T. et al. Crystallography Reviews, 2017 DOI: 10.1080/0889311X.2016.