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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo July/Sept. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300011 

    ARTIGOS
    INOVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

     

    Novos materiais

     

     

    Eduardo Granado

    Docente do Instituto de Física "Gleb Wataghin" da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) entre 2002 e 2003, atuando também como pesquisador colaborador do LNLS entre 2004 e 2014

     

     

    Uma parte relevante da pesquisa com luz síncrotron é realizada em novos materiais. Desde os tempos mais remotos até a atualidade, o progresso de civilizações e nações tem sido em boa parte ancorado na descoberta ou desenvolvimento de materiais que permitam a criação de tecnologias visando ganhos de eficiência em processos já existentes ou ainda de novos processos que sequer poderiam ser vislumbrados anteriormente. Alguns exemplos clássicos são o desenvolvimento do bronze no milênio 4 a.C., possibilitando ferramentas e armas mais duras e resistentes; e do concreto na Roma Antiga, que permitiu a construção de novas estruturas. Exemplo mais recente foi a descoberta, com a participação do físico brasileiro Mário Baibich, da magnetorresistência gigante - em outras palavras, de uma resistência elétrica fortemente dependente do campo magnético, em multicamadas de filmes finos magnéticos de Fe e Cr (1). Esse achado desencadeou uma intensa atividade de pesquisa que culminou no desenvolvimento de dispositivos de memória magnética mais compactos, levando à atual miniaturização de dispositivos eletrônicos cujo símbolo mais emblemático são os smartphones.

    No desenvolvimento de novos materiais modernos, a caracterização das estruturas geométricas formadas pelas ligações dos átomos com seus vizinhos e a dinâmica de vibração dessas ligações químicas na escala atômica (da ordem de 10-10 m), seus agrupamentos e conformações moleculares em escala nanométrica (10-8-10-9 m), sua microestrutura (10-5-10-7 m), bem como o conhecimento das energias dos elétrons que compõem o material (i.e., sua estrutura eletrônica), são de grande importância para a compreensão das propriedades dos materiais e otimização para uma determinada aplicação. Para isso, experimentos envolvendo técnicas de espalhamento, difração e absorção da luz síncrotron pelos materiais são essenciais.

    Desde o início da operação do laboratório em 1997, usuários do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncroton) têm produzido um grande número de estudos em novos materiais. Tais pesquisas envolvem, por exemplo, materiais bidimensionais ou com superfície nanoestruturada, óxidos cerâmicos, ligas metálicas, compostos intermetálicos, bem como nanopartículas de diversas composições, formas e tamanhos, apresentando uma gama de propriedades com potenciais aplicações tecnológicas e/ou fenômenos interessantes que em muitos casos ainda não foram inteiramente compreendidos. Considerando o grande número de materiais estudados e grupos de pesquisa envolvidos, não é possível neste texto fazer justiça e mencionar todos, ou sequer um número significativo de contribuições relevantes feitas por usuários do LNLS nos últimos anos. Ainda assim, uma pequena amostra de estudos publicados em 2016 nos permite ter uma visão, mesmo que limitada, das atividades na área.

     

    MEMBRANAS

    Materiais na forma de membranas podem ter importantes aplicações tecnológicas. Exemplos são estruturas à base de antimônio, que têm propriedades ópticas e eletrônicas específicas com possíveis aplicações na fabricação de detetores ou câmeras de radiação infravermelha ou mesmo em eletrônica de alta velocidade. Para que tais aplicações se concretizem, membranas de compostos com antimônio devem ser "transportadas" do substrato sobre o qual foram originalmente produzidas para um outro substrato conveniente para cada aplicação. Por exemplo, para uso em sensores de infravermelho, é conveniente que o substrato empregado seja silício, que é transparente para esse tipo de radiação. Recentemente, Zamiri e colaboradores demonstraram, pela primeira vez, a possibilidade de se transportar membranas a base de Sb para novos substratos (2). Entretanto, ao se soltar as membranas sobre um novo substrato, considera-se a possibilidade delas enrugarem ou dobrarem, produzindo tensões locais que podem alterar significativamente as propriedades do material. Para averiguar esse ponto, medidas de difração de raios X com luz síncrotron foram realizadas no LNLS em algumas membranas transferidas para diferentes substratos. Com base nesses resultados, concluiu-se que as transferências das membranas ocorrem com um mínimo de relaxação elástica e sem modificar a estrutura ou degradar a qualidade cristalina dos filmes estudados (2).

     

    ÓXIDOS CERÂMICOS

    compõem uma vasta classe de materiais com propriedades fascinantes que vão desde isolantes ferroelétricos utilizados, por exemplo, em chips de cartão de crédito, até supercondutores, que podem conduzir eletricidade sem nenhuma perda e "expulsar" qualquer campo magnético do interior do material. A rica gama de fenômenos encontrada nesse tipo de material é consequência da variedade de cátions que podem ser misturados ao oxigênio e das várias e flexíveis estruturas atômicas que podem se formar. Uma estrutura particularmente comum e flexível é chamada de perovskita (Figura 1), com fórmula química ABO3, onde A e B são cátions. Nessa estrutura, o sítio B geralmente é ocupado por íons de metal de transição (Ti, V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni, etc) e cercado por um octaedro de oxigênios, enquanto o sítio A é ocupado por cátions maiores, como alcalinos terrosos (Ca, Sr, Ba, etc). A flexibilidade dessa estrutura deriva do fato dos octaedros de oxigênio poderem se rotacionar ou distorcer acomodando da melhor maneira possível cátions A e B de diferentes tamanhos. Diversos grupos de pesquisa têm utilizado as técnicas disponíveis no LNLS para investigar os detalhes da estrutura atômica ou eletrônica de óxidos com estrutura-base do tipo perovskita ou alguma de suas variantes. Por exemplo, algumas perovskitas com deficiência de oxigênio possuem alta mobilidade desses íons em sua estrutura e podem ser utilizadas no desenvolvimento das chamadas células de combustível em estado sólido, fornecendo uma alternativa viável para produção de energia elétrica a partir da conversão de gases hidrogênio e oxigênio em água. Alguns compostos nessa categoria estudados recentemente no LNLS foram La6.4Sr1.6Cu8O20±, La0.6Sr0.4Co1-yFeyO3 e La0.6Sr0.4CoO3- (3). Outros estudos de usuários do LNLS são realizados, por sua vez, em perovskitas com propriedades magnéticas complexas e em alguns casos também acopladas a propriedades elétricas, como Sr2CrReO6, La2NiMnO6, Sr2FeIrO6 e La0.225Pr0.4(Ca1-xSrx)0.375MnO3 (4).

     

     

    NANOPARTÍCULAS

    Vale mencionar a intensa e contínua atividade no desenvolvimento de novos materiais sintetizados na forma de nanopartículas, cujas formas e tamanhos podem ser investigados com luz síncrotron e suas propriedades moldadas à aplicação desejada. Por exemplo, Souza e colaboradores mostraram que nanopartículas de NbO2OH, cuja forma foi investigada a partir de experimentos de espalhamento de raios X a baixos ângulos, podem ser preparadas de forma a absorver radiação UV eficientemente, sendo utilizado como um protetor solar para o polipropileno, um polímero vastamente utilizado na indústria.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Baibich, M. et al. Phys. Rev. Lett. 61, 2472 (1988).

    2. Zamiri, M. et al. PNAS 16, E1 (2016).

    3. Macias, M. A. et al. Solid State Ionics 288, 68 (2016). Gómez, A. M. ; Sacanell, J. ; Levya, A. G. ; Lamas, D.G. Ceramics International 42, 3145 (2016). Acuña, L.M. ; Muñoz, F. F. ; Fuentes, R.O. J. Phys. Chem. C 120, 20387 (2016).

    4. Orlando, M. T. D. et al. J. All. Comp. 687, 463 (2016). Barbosa, D. A. B. et al., J. All. Comp. 663, 899 (2016). Bufaiçal, L. et al., Mat. Chem. Phys. 182, 459 (2016); Eslava, G.G. et al. Phys. Lett. A 380, 3107 (2016).

    5. S.D. Souza et al. RSC Adv. 6, 5040 (2016).

    6. Kaneko, U.F. "Transições de fase e flutuações eletrônicas em pnictídeos a base de ferro" Tese de doutorado, IFGW/Unicamp (2017).