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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo jul./set 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300013 

    ARTIGOS
    INOVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

     

    Um mundo pequeno para o homem, um salto gigante para a ciência

     

     

    Carlos Sato Baraldi DiasI; Mateus Borba CardosoII

    IFísico, pesquisador no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)
    IIQuímico, pesquisador no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)

     

     

    O desenvolvimento da ciência sempre caminhou lado a lado com a nossa capacidade de ver o nunca visto. Para isso, podemos facilmente nomear inúmeros avanços no desenvolvimento de diferentes microscópios, com seus poderes distintos para observar fenômenos diversos do mundo pequeno. No entanto, o prêmio Nobel de química de 2014 demonstrou a importância do desenvolvimento de microscópios capazes de ver o interior do ambiente celular, respondendo dessa forma a questões dos componentes fundamentais da vida. O trabalho desenvolvido pelos laureados empurrou até o limite o que conhecemos como microscopia óptica e representou um salto gigante na grandeza conhecida como resolução.

    Hoje, o avanço mais promissor em direção a uma maior resolução reside no desenvolvimento de microscópios de raios X. Assim como a própria luz, raios X são ondas eletromagnéticas, mas capazes de revelar estruturas menores do que os microscópios à base de luz atuais. A única desvantagem até agora é que eles ainda estão sendo desenvolvidos e construídos, como é o caso do novo laboratório brasileiro de luz síncrotron, o Sirius, que terá o microscópio de raios X mais brilhante do mundo.

    Não há dúvidas de que o desenvolvimento desses microscópios continuará empurrando o limite de quão pequeno podemos ver, mas também nos dará a compreensão de quão pequeno podemos construir. Esses microscópios serão os primeiros a nos permitir a visualização direta do mundo nano e são a ferramenta que falta para o próximo avanço no nanodesign das coisas. Hoje em dia, somos capazes de produzir e desenvolver nanoestruturas com características muito precisas e específicas, mas ver diretamente essas nanoestruturas em ação ainda é um processo difícil, restrito mais pelo microscópio do que pela nanoestrutura. Um microscópio de raios X, no entanto, terá o poder de aumentar a resolução, abrindo essa nova janela para o mundo nano.

    Já existem alguns exemplos que demonstram a capacidade de um microscópio de raios X. Em um trabalho realizado por Xiaohui Zhu e colaboradores (1), eles usaram um microscópio de raios X para olhar dentro de uma bactéria e caracterizar seu sentido magnético. É verdade que esse sentido magnético não tem paralelo com nenhum dos sentidos humanos, mas podemos imaginar que essas bactérias carregam uma das mais pequenas bússolas encontradas na natureza, permitindo que ela sinta o campo magnético em seus arredores. Sem dúvida, ainda estamos longe de desenvolver um sentido magnético nosso, mas essa experiência usando um microscópio de raios X permitiu a imagem direta das nano bússolas funcionais chamadas magnetossomas dentro das bactérias, como mostrado na Figura 1.

     

     

    Essa técnica utilizada pelos pesquisadores é chamada de pictografia (do grego, que significa dobrar), um tipo de microscopia de raios X conhecido como espalhamento coerente ou imagem sem lente. Isso significa que, em vez de usar a lente para aproveitar a luz espalhada por um objeto, precisamos usar um algoritmo de computador para simular a lente e obter a imagem final. Essa ideia de substituir a lente por um computador pode ser muito simples, mas essa conquista somente foi possível graças ao computador de poder sem precedentes que agora temos disponível. Considere que os computadores usados no programa Apollo eram menos poderosos do que os celulares atuais, ao mesmo tempo que os melhores clusters de computadores de hoje ainda dificultam o trabalho das lentes.

    No entanto, a cada dia, há melhorias nos algoritmos tornando-os mais eficientes e alcançando resultados que são superiores não somente em resolução, mas também para a obtenção de informações adicionais, como a composição química da imagem. Ou seja, além de uma resolução aumentada, os raios X alcançou especificidade química, o que de maneira prática significa que pode rastrear elementos específicos, facilitando a visualização desses elementos. Explorando essa possibilidade, Xiaohui Zhu e seus colaboradores puderam usar o mesmo microscópio de raios X para ir mais longe e caracterizar a composição química de magnetossomas individuais, conforme mostrado na Figura 2.

     

     

    Com base no mapeamento químico, ajustando os raios X para rastrear o elemento de ferro, os autores concluíram que os magnetossomos são compostos de nanocristais de óxido de ferro. Essa capacidade de escolher qualquer elemento abre muitas possibilidades, mas os raios X permitem muito mais. Por exemplo, um olhar mais apurado, em como esses mesmos raios X interagem com um átomo, permite a compreensão de seus átomos circundantes e vizinhos. Essa técnica, conhecida como espectroscopia de raios X, não é nova e é amplamente utilizada. No entanto, a possibilidade de criar um microscópio espectroscópico de raios X de alta resolução capaz de gerar imagens químicas precisas é algo sem precedentes e, ainda assim, é apenas um vislumbre do que os microscópios de raios X em desenvolvimento alcançarão.

    À medida que avançamos, aprofundando a imagem do mundo nano, o recente casamento entre espectroscopia e dispersão permitiu a visualização e o desenvolvimento em nanomateriais biológicos (2, 3), químicos (4, 5), magnéticos (6), ferroelétricos (7), complexidade além de tudo o que temos hoje em dia (8). Eventualmente, o novo síncrotron brasileiro Sirius será, como o nome sugere, o mais brilhante de todos e, assim, representará um grande salto ao revelar os pequenos mundos à nossa volta.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Zhu, X. et al. "Measuring spectroscopy and magnetism of extracted and intracellular magnetosomes using soft X-ray ptychography". Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 201610260 (2016). doi:10.1073/pnas.1610260114

    2. Fan, J. et al. "Single-pulse enhanced coherent diffraction imaging of bacteria with an X-ray free-electron laser". Sci. Rep. 6, 34008 (2016).

    3. Giewekemeyer, K. et al. "Quantitative biological imaging by ptychographic x-ray diffraction microscopy". Proc. Natl. Acad. Sci. 107, 529-534 (2010).

    4. Deng, J. et al. "Simultaneous cryo X-ray ptychographic and fluorescence microscopy of green algae". Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 112, 2314-9 (2015).

    5. Shapiro, D. A. et al. "Chemical composition mapping with nanometre resolution by soft X-ray microscopy". Nat. Photonics 8, 765-769 (2014).

    6. Tripathi, A. et al. "Dichroic coherent diffractive imaging". Proc. Natl. Acad. Sci. 108, 13393-13398 (2011).

    7. Hruszkewycz, S. O. et al. "Imaging local polarization in ferroelectric thin films by coherent X-ray bragg projection ptychography". Phys. Rev. Lett. 110, 1-5 (2013).

    8. Holler, M. et al. "High-resolution non-destructive three- dimensional imaging of integrated circuits". (2017). doi:10.1038/nature21698