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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.3 São Paulo jul./set. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000300016 

    ARTIGOS
    ENSAIOS

     

    Ciência fora dos muros da universidade: o caso do Pint of science na cidade do Rio de Janeiro, Brasil

     

     

    Luciano Luz GonzagaI; João Ricardo A. da SilveiraII; Denise LannesIII

    IDoutorando em educação, gestão e difusão em biociências, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: gonzaga@bioqmed.ufrj.br
    IIDoutorando em educação, gestão e difusão em biociências do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Harvard Visiting Research Fellow. E-mail: silveira@bioqmed.ufrj.br
    IIIProfessora associada do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM/UFRJ). E-mail: lannes@bioqmed.ufrj.br

     

     

    O Pint of science é um festival de divulgação científica que acontece simultaneamente durante três noites em mais de uma centena de cidades em diferentes países ao redor do mundo. O principal objetivo do evento é proporcionar debates interessantes, divertidos e relevantes sobre as pesquisas científicas mais recentes, em um formato acessível ao público, fora do ambiente acadêmico e de forma gratuita.

    Como regra geral, o Pint of science acontece em bares, cafeterias e restaurantes. A escolha desses ambientes informais visa possibilitar a interação entre cientistas, o público do festival e os frequentadores recorrentes desses locais, de forma descontraída. O formato do festival procura evitar qualquer semelhança com aulas formais ou palestras acadêmicas.

    A organização do evento fica a cargo de voluntários oriundos de universidades e/ou centros de pesquisas. Geralmente, são estudantes de pós-graduação, pesquisadores em fase de pós-doutorado e docentes que almejam debater, de maneira informal, o que os cientistas estão produzindo em seus respectivos laboratórios de pesquisa.

    Este artigo, portanto, tem como principal objetivo, relatar a experiência na realização do primeiro festival Pint of science na cidade do Rio de Janeiro e, através da técnica de sondagem, identificar as características do público que frequenta, bem como a percepção desse público em relação às temáticas e à organização do evento. Esperamos que o compartilhamento de nossa experiência, como organizadores do festival, possa contribuir para a organização de novas iniciativas de divulgação científica que rompam com a formalidade acadêmica.

     

    O COMEÇO DO PINT OF SCIENCE

    Em 2012, os pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, do Imperial College London, tiveram a ideia de trazer para seus laboratórios pessoas acometidas por Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla. O objetivo era divulgar as pesquisas que eles estavam realizando em neurociência para esses pacientes.

    A experiência foi tão inspiradora que os dois cientistas pensaram: por que não sair de nossos laboratórios e ir ao encontro das pessoas em bares, cafeterias e restaurantes? Daí veio a ideia de organizar um evento no qual pesquisadores, das mais variadas áreas de pesquisa, pudessem dialogar tanto com o público leigo quanto com o especializado em um ambiente informal. O local escolhido foram os pubs de Londres. No ano de 2013 aconteceu a primeira edição do Pint of science que logo se espalhou por diversos países do mundo, tais como: África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Irlanda e Itália (Paul; Motskin, 2016).

    No Brasil, a primeira edição aconteceu em 2015, na cidade de São Carlos (SP), organizada por estudantes da Universidade de São Paulo (USP). Em 2016, o festival aconteceu concomitantemente em mais de 100 cidades do mundo e, no Brasil, em Belo Horizonte (MG), Campinas (SP), Dourados (MS), Ribeirão Preto (SP), São Carlos (SP), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).

     

    A EXPERIÊNCIA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    A história do Pint of science, no Rio de Janeiro, começou quando o pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Ricardo Aguiar da Silveira, foi convidado pelo comitê organizador do festivalno Brasil para coordenar o evento na cidade. A equipe formada contou com docentes, discentes de pós-graduação e com a professora Denise Lannes, responsável pelo laboratório transdisciplinar de pesquisa em educação - Em Formação. A pesquisa com a técnica de sondagem acerca das características e percepções do público foi realizada pelo doutorando Luciano Luz Gonzaga.

    Um dos grandes desafios encontrados na efetiva realização do evento na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2016, foi encontrar bares com acesso via transporte público, com estacionamento e que estivessem relativamente distantes dos grandes canteiros de obras, uma vez que, na referida ocasião, a cidade do Rio de Janeiro se preparava para os Jogos Olímpicos Rio 2016.

    A principal motivação da comissão organizadora para realização do Pint of science foi fomentar novos espaços dialógicos entre a comunidade científica e o público em geral, bem como incorporar o festival ao calendário das atividades dos cariocas. Dessa forma, de acordo com Oliveira e colaboradores (2015), seria possível contribuir para uma maior aproximação do cientista com a sociedade, através de uma linguagem decodificada e interativa para ciência.

     

    METODOLOGIA

    Etapa 1 - Organização do evento

    A organização do evento começou cinco meses antes da data prevista para o início do festival. Nessa fase, as principais atividades foram: definição das temáticas que seriam abordadas no evento; convite e confirmação dos palestrantes; procura e a confirmação dos bares onde o evento seria realizado; busca por patrocínios; divulgação do evento em diferentes meios de comunicação; criação e confecção do material gráfico; criação e confecção de camisas e outros materiais de promoção do evento.

    Uma das dificuldades enfrentadas pelos organizadores desse tipo de evento é sensibilizar pesquisadores notórios em suas áreas, que tenham habilidade de comunicação oral e que aceitem se adequar às condições do festival. Entre elas estão a limitação de três slides por apresentação (sem gráficos ou tabelas complexas), a fim de que o pesquisador seja o mais informal possível; o uso de linguagem coloquial; a concordância com o fato de poder ser interrompido e a disponibilidade para participar de um evento noturno. Além disso, como se trata de um evento sem fins lucrativos e dependente de apoios e patrocínios, o pesquisador deve aceitar participar sem um pro labore. Para transpor esses obstáculos foram necessários cerca de três meses de trabalho, em encontros presenciais, por telefone e por correio eletrônico até que tivéssemos a efetiva confirmação definitiva dos pesquisadores participantes do evento.

    Após diversas reuniões da equipe organizadora e da colaboração dos pesquisadores convidados, os temas para o primeiro Pint of science no Rio de Janeiro foram definidos: transformações tecnológicas, neurociência e o vírus Zika. Em meio a um grave surto de microcefalia associada ao vírus da Zika no país (Garcez, 2016), este último tema foi considerado de fundamental importância por possibilitar o diálogo informal entre o público do evento e pesquisadores integrantes dos grupos de pesquisa mais importantes nessa área no Brasil.

    Durante todo o período de organização do evento, a equipe buscou apoiadores e patrocínio junto a instituições públicas e privadas. Por se tratar de um evento com possibilidade de divulgação espontânea na mídia, era esperado que houvesse interesse em patrocinar o evento. Mas em meio à instabilidade política e econômica que o Brasil começou a enfrentar no primeiro semestre de 2016, essa perspectiva não se confirmou. Embora 19 empresas tenham sido contatadas e os valores de patrocínio fossem baixos, nenhum patrocinador foi captado. O evento foi realizado somente com recursos dos organizadores. Assim, a confecção de banners e outros materiais de divulgação, despesas com telefone, transporte e alimentação durante a produção e realização do evento, foram custeadas pelos próprios organizadores. Os apoiadores contribuíram com o registro audiovisual do evento e na divulgação do mesmo.

    Etapa 2 - Realização do evento e levantamento estatístico dos participantes

    O evento ocorreu em três bares no município do Rio de Janeiro, de 23 a 25 de maio de 2016, sempre das 19h30min até as 21 horas. No dia 23, o evento foi realizado no bairro do Leblon, com a participação de dois pesquisadores, com o tema "O mundo depois do silício". Nessa noite, os pesquisadores, sentados em mesas do bar e sem o uso de slides, falaram sobre o tema por cerca de 20 minutos. O restante do tempo foi destinado à interação com o público. Na segunda noite, o local do evento foi a Lapa, com o tema "Zica ou ziquizira: um vírus cheio de segredos". Três pesquisadores, nessa noite, falaram ao público com o uso de poucos slides somente ilustrativos. Na terceira e última noite, o evento aconteceu em um espaço cultural e bar, no bairro de Botafogo, com o tema "As tecnologias reconfigurando o cérebro", também com três convidados. Nessa noite, a dinâmica foi bastante diferente. Cada pesquisador ficou em um local diferente do bar com microfone sem fio. Um dos pesquisadores atuou como mediador, fazendo perguntas aos demais e permitindo a interação do público.

    Para realização da pesquisa, foi utilizado um breve questionário semiestruturado (questões abertas e fechadas), objetivando identificar as características do público e suas opiniões acerca do evento.

     

    RESULTADOS

    Nas três noites do evento, os locais tiveram todas as suas mesas ocupadas e com um número expressivo de pessoas em pé. Devido à característica do evento e dos locais de realização, sem cobrança de ingresso e com livre acesso permitido, não houve contagem precisa de público em cada noite. De acordo com os sítios na internet de cada um dos bares realizados, as capacidades de público eram de 60, 150 e 100 pessoas, respectivamente.

    A pesquisa de opinião foi respondida por 156 pessoas. Destas, 58% eram do sexo feminino e 42% do sexo masculino. A média da idade era em torno de 30 anos, com alta dispersão nos três dias do evento (desv. pad1dia= 9,6; desv. pad2dia=11,2; desv. pad3dia= 12,1).

    Quanto à formação dos participantes, houve uma presença significativa de estudantes de pós-graduação (1º dia: 29%, 2º dia: 33%, 3º dia: 39%), seguida de professores universitários (1º dia: 26%, 2º dia: 8,5%, 3º dia: 12%).

    No que tange ao deslocamento das pessoas ao local do evento, pudemos verificar que a distância entre a residência dos participantes da pesquisa e os locais dos eventos não foi considerada um empecilho (Figura 1).

     

     

    Sendo o município do Rio de Janeiro palco de grandes atrações em todo o seu território, buscamos também verificar de que forma as pessoas ficaram sabendo do evento. Constatamos que 62,2%, dos 156 respondentes, ficaram sabendo sobre a realização do evento a partir das redes sociais. Esse resultado sinaliza a importância do uso das redes sociais na divulgação de eventos dessa natureza. Além disso, segundo Collins, Shiffman e Rock (2016), parece que as redes sociais também são percebidas pelos pesquisadores como veículos importantes de trabalho e comunicação científica.

    Outro dado colhido na pesquisa de opinião foi sobre a qualidade da interação dos cientistas com a plateia. Do total dos respondentes, 54% informaram ter sido "excelente", bem como uma expressiva parcela do público respondente (74%) afirmou que o tema abordado era "muito interessante' (Figura 2). Corroborando, portanto, com a informação de que o local do evento (ver Figura 1 - distância residência-evento), não oferece obstáculo quando o tema desperta interesse, mesmo quando é realizado em um dia útil da semana e iniciando-se no horário de trânsito intenso.

     

     

    Quanto aos bares escolhidos para o evento, verificamos que 33% dos participantes os avaliaram como excelentes; 41% como bons; 13,5% como regulares; 2,6% como ruins; 1,9% como péssimos e 8% deixaram em branco ou não quiseram responder. Em suma, 74% dos participantes declararam estar satisfeitos com os ambientes escolhidos.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O relato detalhado da organização do festival realizado no Rio de Janeiro, em 2016, visa contribuir com informações e dados que possam ser úteis para realização de eventos similares no futuro. Como em todos os bares onde o evento foi realizado houve a lotação máxima do local, podemos concluir a que realização do evento foi bem-sucedida. No entanto, percebemos que existem ainda enormes desafios para que eventos dessa natureza possam ser cada vez mais frequentados pelo público não acadêmico, e não somente pelo público que já conhece e vivencia a ciência.

    Se o objetivo de eventos de divulgação científica é atrair a atenção da sociedade em geral para temas relacionados às ciências, novas alternativas de aproximação entre a academia e a sociedade precisam ser experimentadas. Um grande número de projetos de ciência nos Estados Unidos utiliza a arte como estratégia de divulgação e um número relevante desses trabalhos indica que as artes podem envolver profundamente as pessoas (Lesen; Rogan; Blum, 2016). Dados como estes vêm ao encontro das nossas experiências prévias e podem dar indicativos de que, possivelmente, a interação arte-ciência pode colaborar para ampliar o interesse do público não especializado em ciência. Um caminho nessa direção é a realização de eventos de divulgação científica que propiciem uma experiência artística e cultural sem estabelecer fronteiras entre as áreas do conhecimento.

    Constatamos também que, embora os pesquisadores tenham interesse em fazer divulgação científica, consideram um desafio a comunicação com o público não especializado de maneira informal, sem a utilização de jargões científicos e sem a utilização de gráficos complexos ou textos escritos. Eventos como o Pint of science podem contribuir de maneira prática para que cientistas repensem, aprimorem e coloquem em prática novas formas de comunicação com o público não especializado.

    No momento em que a ciência brasileira passa por drásticos cortes de orçamento que podem ser determinantes para o futuro do país (Angelo, 2017), torna-se fundamental a aproximação entre a academia e a sociedade em geral em eventos que rompam com a formalidade acadêmica e experimentem novas inciativas de divulgação científica. Desta forma, poderá haver maior engajamento social e, assim, o devido reconhecimento do papel social da ciência.

     

    REFERÊNCIAS

    Angelo, C. "Brazilian scientists reeling as federal funds slashed by nearly half". Nature, 2017. [Acesso em 21 de maio de 2017]. Disponível em http://www.nature.com/news/brazilian-scientists-reeling-as-federal-funds-slashed-by-nearly-half-1.21766,

    Collins, K.; Shiffman, D.; Rock, J. "How are scientists using social media in the workplace?". PloS One, v. 11, nº. 10, p. e0162680, 2016.

    De Oliveira, S. R. et al. "Algumas práticas em divulgação científica: a importância de uma linguagem interativa". Rua, 2015.

    Garcez, P. P. et al. "Zika virus impairs growth in human neurospheres and brain organoids". Science, v. 352, nº. 6287, p. 816-818, 2016.

    Lesen, A. E.; Rogan, A.; Blum, M. J. "Science communication through art: objectives, challenges, and outcomes". Trends in Ecology & Evolution, v. 31, nº. 9, p. 657-660, 2016.

    Praven, P.; Motskin, M. "Scientific life: my world engaging the public with your research". Trends in Immunology, v. 37, nº. 4, p. 268-271, april 2016.

     

     

    Agradecimentos: Aos apoiadores do evento no Rio e Janeiro em 2016: Academia Brasileira de Ciências, Euraxess Science Slam e Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis. À empresa Elsevier, patrocinador nacional 2016. À Natália Pasternak e a todo comitê nacional organizador do Pint of science. Aos pesquisadores convidados do Pint of science Rio de Janeiro, 2016: Fernanda Tovar-Moll, Jerson Lima, Luiz Alberto Oliveira, Marcela Sabino, Mário Alberto C. Silva-Neto, Rodrigo Brindeiro, Rogerio Pannizzutti e Stevens Rehen. Aos integrantes do Laboratório Em Formação, organizadores do Pint of science no Rio de Janeiro: Cristina Maia, Danila Braga, Diego Mota, Edite Fagundes Tebaldi, Elisa Oswaldo-Cruz Marinho, Ericka Telles, Flávia Dutra, Josemar Moreira Barbosa, Juliana Aguiar, Julia Cavazza, Rosany Fernandes e Roseday Santos Nascimento.