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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400002 

    TENDÊNCIAS

     

    Órfãos de Jeffrey Beall - revistas predatórias e outras iniciativas igualmente perniciosas para a pesquisa

     

     

    Ronaldo Lopes Oliveira

    Docente do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador de Ensino de Pós-Graduação (PROPG) da instituição. Contato: ronaldooliveira@ufba.br

     

     

    E m 2008, Jeffrey Beall, bibliotecário na Auraria Library e professor associado na Universidade do Colorado em Denver, nos Estados Unidos, iniciou uma trilha em busca de respostas para a origem de intrigantes mensagens eletrônicas que recebia constantemente em sua caixa de spam. A maioria dessas mensagens eram convites para que publicasse artigos ou compusesse o corpo editorial de supostas novas revistas científicas [1]. Motivado a descobrir que tipo de instituição enviava tais convites, Beall passou a acessar os sites indicados nas mensagens eletrônicas, identificando que a maioria dessas revistas possivelmente não era exatamente aquilo que dizia ser - e o interesse por trás dos convites realizados era o pagamento das taxas de publicação.

    De 2011 a 2017, Beall dedicou-se a prestar um importante serviço à comunidade científica mundial: a publicação de uma lista com os nomes de revistas e corporações consideradas predatórias, expressão que ele mesmo cunhou [2]. Criada e atualizada por meio de suas pesquisas e de denúncias realizadas por cientistas de todo o mundo, a chamada "Lista de Beall" logo se tornou referência mundial sobre o tema, sendo disponibilizada em seu blog (https://scholarlyoa.com/).

    Em janeiro deste ano, entretanto, o conteúdo integral do blog foi retirado do ar - e o mesmo aconteceu com a sua página web no site da Universidade do Colorado. Especulações sobre o motivo do "sumiço" dos conteúdos à parte, o fato é que a lista - cuja sistematização de dados, em janeiro, arrolava mais de 1100 editoras e quase 1300 revistas predatórias - deixou de existir.

    A sua última atualização foi publicada em 3 de janeiro de 2017 e, naquela semana, fiz uma compilação dos novos dados, que indicam que a predação vem se acentuando.

    Um crescimento acentuado no número desse tipo de publicação, que segue a lógica de "pagou, publicou", pode ser observado depois que a política open access ganhou força. As publicações de acesso livre têm na sua gênese o objetivo de democratizar as publicações de artigos de qualidade, avaliados criteriosamente com todo rigor científico. O custeio no sistema open access oficial se dá pelo pagamento de taxas de publicação pelos autores, instituições ou agências financiadoras. Entretanto, as revistas e editoras predatórias se disfarçam de open access e cobram taxas para publicar, rapidamente e com pouco rigor analítico, artigos com qualidade duvidosa.

    Essas corporações lançam mão de algumas estratégias para atrair pesquisadores ávidos e pressionados por publicarem seus papers, especialmente em revistas internacionais, como:

    a) envio de lotes de e-mails com convite para submissão de artigos; b) taxa de aceitação muito elevada; c) publicação extremamente rápida; d) exigência de transferência de direitos autorais antes da aceitação; e) limitação na supervisão ou editoração; f) revisão por pares deficiente ou inexistente; g) alegações falsas sobre indexação e fator de impacto; h) inserção de nomes no corpo editorial sem autorização; i) não respondem aos pedidos de retirada de tramitação; j) taxas de publicação extremamente caras.

    Esses publishers atuam da mesma forma predatória em outras vertentes relacionadas ao universo científico e acadêmico, tais como na publicação de livros e produção de eventos. No caso de congressos promovidos por esses grupos, algumas características podem ser observadas: geralmente não há suporte de instituições reconhecidas; são realizadas sequências incríveis de eventos dentro de uma área; os eventos acontecem em locais altamente atrativos; são feitos convites para comissões organizadoras de fachada e para participação como "chairman" ou como palestrante especial (os custos geralmente são todos pagos pelo convidado).

    Uma análise da última versão da lista publicada por Jeffrey Beall nos permite visualizar o aumento de publicações, editoras e práticas consideradas predatórias ao longo dos últimos anos. A Figura 1 mostra o crescimento do número de corporações editoriais (publishers) desse tipo entre os anos de 2011 e 2017. Importante ressaltar que cada "corporação editorial" publica muitas revistas, em várias áreas do conhecimento, o que multiplica as possibilidades de pesquisadores caírem na armadilha. Os títulos, em geral, confusos e repetitivos, recorrem a palavras ou à indicação de origem altamente atrativas. A taxa de crescimento, que continua grande, foi de 20% de 2016 para 2017.

     

     

    A expansão no número de editoras predatórias relaciona-se diretamente com o crescimento da busca, por parte dos autores, por publicações do tipo open access, conforme mencionado anteriormente. É importante, no entanto, frisar que publicação de acesso livre não é sinônimo de baixa qualidade. Muitas editoras sérias e que aplicam extremo rigor nas revisões dos artigos que publicam, como os grupos PLoS e a BioMed Central, atuam nessa mesma modalidade [3] e possuem excelência em suas práticas.

    Na Figura 2, nota-se o mesmo padrão de crescimento no número de revistas isoladas consideradas predatórias. O aumento também é preocupante: somente de 2016 para 2017 a ampliação foi de 32%.

     

     

    Muitas das publicações predatórias apresentam fatores de impacto falsos para atrair autores. Nesse sentido, além das revistas e editoras consideradas predatórias, a lista de Beall também trazia números relativos a entidades que calculam dados bibliométricos questionáveis. De acordo com os dados da lista, houve um crescimento médio de 30% ao ano no número desse tipo de entidade. Já podiam ser contadas, no início de 2017, 53 entidades que praticam esses cálculos de métricas duvidosas - quase o dobro do registrado em 2015 (30).

    Outra forma utilizada para burlar métricas, nesse caso de dados de tráfego na web, tem sido os sequestros de sites de revistas científicas. Em artigo publicado na Science em novembro de 2015, John Bohannon já fazia o alerta [4]. Hackers se aproveitam de alguma fragilidade nas páginas das revistas e tomam seus domínios. Durante este "sequestro", que passa imperceptível aos usuários e autores, os hackers também recebem taxas de publicação e de leitura de artigos, apoderando-se dos recursos financeiros das editoras oficiais. Desde então, tal prática vem crescendo rapidamente: o número de páginas sequestradas aumentou quatro vezes nos últimos dois anos, passando de 30 casos denunciados em 2015 para 115 em 2017.

    O aumento no número de revistas predatórias pode representar grande risco ao fluxo de conhecimento em uma determinada área. Assim, todos devemos nos atentar para não cair em armadilhas na hora de publicar um artigo científico.

     

    BIBLIOGRAFIA

    1. Butler, D. "The dark side of publishing". Nature, v. 495, n. 7442, p. 433, 2013.

    2. Beall, J. "Predatory publishing is just one of the consequences of gold open access". Learned Publishing, v. 26, n. 2, p. 79-84, 2013.

    3. Kearney, M. H. "Predatory publishing: what authors need to know". Research in Nursing & Health, v. 38, n. 1, p. 1-3, 2015.

    4. Bohannon, J. "How to hijack a journal". Science, v. 350, n. 6263, p. 903-905. 2015.