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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400003 

    BRASIL
    ENTREVISTA: MARCOS CINTRA - PRESIDENTE DA FINEP

     

    Aniversário de 50 anos da agência abre caminho para refletir sobre futuro tecnológico

     

     

    Patrícia Mariuzzo

     

     

    A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) foi criada em 1967, em plena ditadura, a partir de um projeto dos economistas Paulo dos Reis Velloso e Roberto Campos. Seu primeiro nome foi Fundo de Financiamento de Projetos e Programas e seu objetivo era ser um instrumento para estimular o desenvolvimento tecnológico nacional. Ao longo dos 50 anos, a agência tem se destacado por financiar investimentos em novas áreas de conhecimento, novos mercados, novas tecnologias. Um dos exemplos mais emblemáticos é o Embraer EMB-312, mais conhecido como Tucano, avião de treinamento e ataque leve desenvolvido pela Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica). "O apoio da Finep teve início nos anos 1970, quando ninguém acreditava no potencial da empresa", conta o economista Marcos Cintra, presidente da agência desde 2016, nesta entrevista para a revista Ciência&Cultura. Segundo ele, a última linha de aviões executivos da Embraer também está sendo financiada pela Finep. Outras áreas estratégicas também contaram com o apoio da agência, como, por exemplo, o agronegócio e a mineração e exploração de petróleo em águas profundas. Além das descobertas tecnológicas, o grande desafio da Finep é seguir com seu programa de financiamento diante dos cortes orçamentários que afetaram fortemente o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ao qual ela está subordinada.

     

     

    Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é vice-presidente licenciado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cargo que ocupa desde 1997. Economista, obteve quatro títulos superiores pela Universidade de Harvard (EUA): bacharel em economia, mestre em planejamento regional e em economia e doutor em economia. Cintra é professor titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo - EAESP/FGV. Nesta entrevista ele fala sobre a importância da Finep para o desenvolvimento tecnológico do país e destaca algumas alternativas para proteger o orçamento para essa área porque "como sabemos, não há investimento que gere maior retorno que o investimento em CT&I".

    Ciência&Cultura: A Finep foi criada em 1967, ainda na ditadura, com objetivo de estimular o desenvolvimento tecnológico do país. O que o senhor destacaria em relação à atuação da agência nessa trajetória de meio século?

    Marcos Cintra: A Finep tem uma importância muito grande para o avanço da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. Nesses 50 anos foram apoiados mais de 30 mil projetos. Em seu braço científico, por exemplo, este apoio foi fundamental para a criação e a consolidação da pós-graduação, e também para a criação de um grande aparato de pesquisa no país. Inúmeros centros de pesquisa foram instalados ou ampliados com o apoio da Finep, como, por exemplo: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Centro Tecnológico do Exército (CTEx), Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), Agência Espacial Brasileira (AEB), Instituto Butantan, dentre muitos outros.

    Nos últimos 15 anos, a Finep apoiou projetos em 59 universidades federais (94% das existentes) e 39 universidades estaduais (87% das existentes).

    O apoio da Finep foi também fundamental para o desenvolvimento tecnológico e para a difusão de uma cultura inovadora nas empresas brasileiras, desde as maiores e mais avançadas tecnologicamente, até para empresas de menor porte. Em relação à Embraer, por exemplo, o apoio da Finep teve início nos anos 1970, quando ninguém acreditava no potencial da empresa, com o apoio ao projeto Tucano. Este apoio continua até os dias atuais. A última linha de aviões executivos, por exemplo, está sendo financiada pela Finep. Ressalto ainda a importância da Finep para a estruturação dos parques tecnológicos e das incubadoras, dos núcleos de inovação tecnológica e também dos segmentos de venture capital e private equity.

    O senhor defende uma mudança na lei que regula o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) de um fundo contábil para um fundo financeiro. Pode explicar melhor o que isso significa?

    Como sabemos, a situação orçamentária da nossa ciência é muito delicada. O orçamento autorizado para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é o menor desde o início do século. Descontada a inflação, o valor autorizado para 2017, de apenas R$ 3,2 bilhões, corresponde a apenas 37% do disponibilizado em 2010. Dentro do orçamento do MCTIC está o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem a Finep como secretaria-executiva e é historicamente a principal fonte de recursos para financiamento de pesquisas tecnológicas no Brasil. O orçamento do fundo, que já chegou a R$ 4 bilhões em anos anteriores, foi reduzido a R$ 1,2 bilhão neste ano - sendo que o limite de execução autorizado é de apenas a metade desse total (cerca de R$ 600 milhões).

    Uma das alternativas para retomarmos as atividades de P&D no país de forma linear é a transformação do FNDCT - hoje fundo contábil - em fundo financeiro, de modo que seus valores, quando contingenciados, não voltem para o tesouro nacional e, assim, deixem de ser empregados em ciência e tecnologia - destino para o qual são originalmente recolhidos. Em vez disso, o dinheiro permaneceria no fundo, rendendo juros até ser liberado.

    No modelo atual, os recursos contingenciados voltam para o tesouro e são utilizados para o pagamento da dívida pública e para o superávit fiscal. Se essa medida tivesse sido implantada há quinze anos, com todos os contingenciamentos ocorridos nesse período, o FNDCT teria um saldo acumulado de R$ 45 bilhões. Precisamos preservar a espinha dorsal dos recursos de ciência e tecnologia, que é o FNDCT.

    Nesse sentido, a Finep propôs uma mudança na lei que regula o fundo, na tentativa de amenizar os graves impactos da crise sobre os investimentos públicos em pesquisa. Atualmente, a Finep tem recursos para pagar os projetos de inovação já assinados no passado, mas não consegue investir em novos. Como parte desse esforço, o MCTIC enviou recentemente à Casa Civil proposta de medida provisória: se aprovada, o FNDCT começaria 2018 já com R$ 9 bilhões em patrimônio e, até 2030, acumularia R$ 50 bilhões, tornando-se uma fonte de investimentos em pesquisa totalmente autossustentável.

    A Finep tem se destacado por fazer investimentos em novas áreas de conhecimento e novas tecnologias. Em 2016, por exemplo, a agência investiu R$ 40 milhões no reator multipropósito brasileiro (RMB) para que o país tenha autonomia em radiofármacos. Pode-se dizer que essa é uma das áreas de investimento estratégico da Finep? Além dessa, que outras áreas de pesquisa receberam os maiores investimentos nos últimos anos?

    O reator brasileiro é um projeto muito estratégico para o país. Ele visa produzir radioisótopos (especialmente o molibdênio-99) que têm aplicações em áreas diversas, como a saúde, especialmente para o diagnóstico do câncer e doenças cardíacas, além da indústria e agricultura. Atualmente, todo o Mo-99 utilizado no Brasil é importado e a instabilidade de seu fornecimento deixa o país vulnerável para atender mais de três mil pacientes por dia. Por ser tão estratégico é certo que o projeto seja uma prioridade para a Finep.

    Também é importante citar os casos recentes do apoio aos projetos Sirius, Navio de Pesquisa Hidroceanográfico "Vital de Oliveira" (NPqHo), Torre Alta de Observação da Amazônia (Atto/Inpa), Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), o projeto "Andar de Novo" (exoesqueleto de Miguel Nicolelis), as pesquisas sobre o vírus da Zika, as pesquisas e infraestrutura para produção da vacina da dengue no Instituto Butantan, o supercomputador Santos Dumont, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (Inpe), Tanque Oceânico (Coppe), Navio Polar Almirante Maximiano, o Laboratório Multiusuário de Sequenciamento de DNA da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), dentre muitos outros.

    Em relação às ICTs, a maior parte dos recursos foi direcionada para projetos multidisciplinares, depois para a área da saúde, meio ambiente e ciências biológicas.

    Em relação às empresas, os principais setores-alvo têm sido os seguintes nos últimos cinco anos: i) saúde, especialmente para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos medicamentos e processos hospitalares; ii) energias renováveis, especialmente para o desenvolvimento do etanol de 2ª geração, novas variedades de cana-de-açúcar, cadeia produtiva da geração solar e eólica, além da produção de energia a partir de resíduos agroindustriais; iii) setor metal-mecânico, com projetos relacionados à melhoria da produtividade e competitividade das nossas empresas; e iv) setor agrícola e de alimentos, com pesquisas para o aumento da produtividade agrícola.

    Qual o impacto da PEC do teto de gastos públicos (PEC 55/2016) na Finep e quais estratégias têm sido adotadas para lidar com esse contingenciamento em relação aos projetos em andamento e futuros?

    O impacto da PEC 55/2016 é muito grande sobre todas as ações de investimento do governo e a Finep não fica imune a isso. Temos trabalhado em defesa da elevação do orçamento para a CT&I defendendo principalmente a adoção do chamado orçamento base zero, que difere do atual processo orçamentário brasileiro, que é incremental. No nosso atual sistema orçamentário, adota-se a premissa de que gastos e ações em andamento são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou reduções. Os orçamentos tornam-se rígidos, inflexíveis e com inúmeras vinculações obrigatórias.

    Orçamentos de base zero invertem a lógica atual. Têm a grande qualidade de partirem a cada ano de uma página orçamentária em branco. A manutenção de programas e atividades preexistentes, a exclusão ou alteração, bem como a criação de novas ações e gastos, exigem criteriosas avaliações anuais, a partir de avaliações dos custos e dos benefícios das ações. E como sabemos, não há investimento que gere maior retorno que o investimento em CT&I. Algumas pesquisas internacionais mostram que cada dólar investido em ciência chega a oito dólares em retorno à sociedade.

    Por isso a importância de avançarmos cada vez mais na agenda da avaliação de resultados. No fim de agosto, por exemplo, organizamos um grande seminário para tratar desse tema, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Também temos estudado e implantado alguns instrumentos para apoiar os investimentos e que não gerem impacto fiscal. Um dos exemplos é o Finep Conecta por meio do qual as empresas que tiverem projetos em parceria com ICTs terão excelentes condições de apoio via mecanismo reembolsável, com prazos de pagamento que chegarão até 16 anos. Isso certamente estimulará que muitas empresas realizem projetos em parceria com as ICTs, auxiliando, assim, no financiamento da atividade. Estamos atentos e estudando outras alternativas, como o próprio fundo financeiro.

    No Brasil ainda há uma defasagem muito grande entre o investimento público e privado em pesquisa, desenvolvimento e inovação. O que é necessário para criar um "ecossistema favorável" ao investimento privado em ciência e tecnologia no país?

     

     

    A insuficiência no investimento privado em inovação advém de diversos fatores, como o nosso mercado altamente protegido, que diminui a concorrência e dificulta a importação de insumos necessários à inovação; os nossos investimentos em educação, que apesar de altos em nível mundial, ainda deixam grandes lacunas principalmente na formação de engenheiros e nos resultados da educação básica; o nosso ambiente econômico e de negócios instável e, até mesmo, um nível de cooperação ICT-empresa aquém do desejado.

    O programa Finep Startup, lançado recentemente pela agência, é um dos caminhos para reduzir esse gap? Como funciona o programa?

    Sim, tanto por apoiarmos diretamente o investimento em inovação de uma empresa startup, como por estimularmos que investidores-anjo se associem à Finep nos investimentos. O Finep Startup busca investir em empresas com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões. A startup selecionada poderá receber até R$ 1 milhão da Finep via um contrato de opção de compra. No processo seletivo, serão aceitas empresas que tenham pelo menos um protótipo desenvolvido. As áreas contempladas são agritech (ramo de startups que unem tecnologia e agricultura), biotecnologia, cidades sustentáveis, defesa, economia criativa, educação, energia, fintechs (empresas startups que desenvolvem inovações tecnológicas voltadas para o mercado financeiro), além das relacionadas à mineração, petróleo e química.

    As startups serão avaliadas nos quesitos inovação do projeto, potencial do mercado e pela experiências dos fundadores da empresa. Se a proposta vier associada a investidores-anjo, a chance de a companhia ser selecionada aumenta.

    Com o investimento realizado, a Finep se tornará sócia minoritária na empresa. O percentual é variável e será definido posteriormente, com base no valor futuro da empresa e no valor do aporte da Finep.

    O senhor já declarou o desejo de "copiar" experiências internacionais, especialmente as norte-americanas, para criar novos instrumentos de estímulo à inovação no Brasil. Além do Finep Startup, existem outros exemplos a serem implementados?

    Temos feito vários estudos sobre experiências internacionais no apoio à ciência, tecnologia e inovação. Certamente cada modelo tem suas virtudes e problemas e mesmo as experiências positivas não podem ser perfeitamente replicadas em outros países, em razão das diferentes características institucionais e culturais de cada país. No entanto, estudar as experiências internacionais é fundamental para que consigamos desenvolver melhores ações e programas. Por conta disso, temos realizado diversas parcerias com agências de CT&I internacionais. Além do Finep Startup, o Finep Conecta também surgiu a partir de estudos de modelos internacionais. Outros estudos que estão mais avançados são os relativos aos instrumentos híbridos, como as subvenções conversíveis e os empréstimos mezanino ou quasi-equity (um tipo de financiamento que funciona como um híbrido de dívida e participação porque dá ao credor direitos de converter a dívida em participação societária na empresa investida).

    Um dos marcos da atuação da Finep é o apoio a projetos nas universidades, especialmente as federais. Nesse sentido, em sua opinião qual seria a contribuição do Marco Legal da Ciência e Tecnologia (Lei 13.243/2016), aprovado no ano passado?

    A aprovação do novo Marco Legal foi um passo muito importante, tanto para a pesquisa universitária como um todo, que se vê agora menos burocratizada, como pela possibilidade de maior cooperação entre ICTs e empresas. Em relação ao primeiro ponto, destaco, por exemplo, a dispensa da necessidade de licitação para a "aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento", que agilizará bastante as pesquisas. Afinal, nossos pesquisadores têm de se concentrar nas pesquisas, não em burocracias. Em relação à possibilidade de maior cooperação, ressalto que conforme previsto na Lei nº 13.243/16, professores em regime de dedicação integral poderão, por exemplo, desenvolver pesquisas dentro de empresas e laboratórios públicos poderão ser usados pelas empresas para a pesquisa de novas tecnologias - em ambos os casos, com remuneração. Essa ação, complementada por outras, como o Finep Conecta, poderão trazer mais esperança para a situação da pesquisa e da inovação tecnológica no país, que, como sabemos, não é nada confortável.