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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo oct./dic. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400004 

    BRASIL
    CULTURA CIENTÍFICA

     

    A ciência e a tecnologia no olhar dos brasileiros

     

     

    Raphaela Velho

     

     

    Você se interessa por ciência e tecnologia? O quanto se informa a respeito desses assuntos? Visitou um museu ou centro de ciência e tecnologia nos últimos doze meses? O que acha dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil? Estas são algumas perguntas feitas na última enquete a nível nacional sobre percepção pública da ciência e tecnologia, realizada em 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Trata-se da quarta de uma série de enquetes realizadas em 1986, 2006 e 2010, que tiveram como objetivo saber o que pensam e como agem os brasileiros em relação a temas científicos e tecnológicos. Os resultados da última pesquisa e sua comparação com as enquetes anteriores foram organizados na forma de livro e publicados na última reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em julho deste ano, sob o título "A ciência e a tecnologia no olhar dos brasileiros: percepção pública da C&T no Brasil - 2015".

    A pesquisa consultou por telefone uma amostra de aproximadamente duas mil pessoas da população brasileira adulta, respeitando as proporções de gênero, idade e classe socioeconômica. Para garantir comparabilidade dos resultados, inclusive a nível internacional, foram utilizados os questionários das edições de 2006 e 2010, com algumas modificações. Uma delas foi coletar informações pessoais dos participantes, como religião e participação política, além da percepção da qualidade da vida no seu local de moradia. Isso possibilitou o cruzamento dessas informações com as respostas do questionário e apontar relações entre as categorias pesquisadas e os perfis demográficos. Foram feitas ao todo 105 perguntas, abertas e fechadas, abrangendo temas como o interesse em ciência e tecnologia, grau de acesso à informação, hábitos informativos, atitudes, valorações e visão dos brasileiros frente à C&T e aos cientistas.

     

     

    INTERESSE E GRAU DE INFORMAÇÃO

    61% dos entrevistados declararam-se interessados ou muito interessados em C&T. É um índice alto. Para termos de comparação, 53% dos habitantes da União Europeia declararam interesse no tema. Os fatores que mais parecem influenciar o grau de interesse são renda e nível de escolaridade: quanto mais escolarizada e rica for uma pessoa, maiores as chances de ela se interessar pelo tema.

    Os mesmos fatores também afetam o grau de informação científica, medida pelo número de cientistas e instituições de pesquisa brasileiros que os entrevistados conseguiam citar. Apenas 13% dos entrevistados conhecem alguma instituição de pesquisa e só 7% sabem o nome de pelo menos um cientista. Além disso, a maioria não sabe que o Estado é o maior financiador da ciência no Brasil. Para Ildeu de Castro Moreira, atual presidente da SBPC e um dos coordenadores do estudo, essa lacuna entre interesse e informação relaciona-se com a pouca oferta de espaços científico-culturais abertos ao público."Os espaços que ofertam esse tipo de atividade são muito reduzidos e isso se traduz no desconhecimento dos brasileiros sobre cientistas e instituições de pesquisa. Estamos falhando gravemente nesse aspecto e na educação formal", afirma ele.

     

    ATITUDES FRENTE À C&T

    Já em relação às atitudes, notou-se que a maioria dos brasileiros acredita que a ciência traz mais benefícios do que malefícios para a humanidade. Essa opinião prevalece em todas as faixas de escolaridade e vem crescendo desde 1986. Também é uma maioria que concorda que os governantes devem seguir as orientações dos cientistas. No entanto, esse otimismo não é acrítico, já que 50% concordam totalmente (e 30% concordam em parte) que é necessário que os cientistas exponham os riscos da ciência e tecnologia que produzem e 57% concordam, pelo menos em parte, que a ciência e a tecnologia são responsáveis pela maior parte dos problemas ambientais atuais.

     

     

     

     

    Alguns assuntos ainda dividem muito as opiniões, como é o caso da responsabilização (ou não) dos cientistas pelo mau uso das suas descobertas e de qual deveria ser o grau de liberdade do cientista na condução da sua pesquisa. Quanto à sua imagem, os cientistas são retratados por metade dos entrevistados como "pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade", e como "pessoas comuns que têm tratamentos especiais" por 14% deles. Eles seriam motivados pelo ideal de "ajudar a humanidade" (de acordo com 34%) e de "contribuir para o avanço do conhecimento" (17%).

    A enquete também mostrou que os brasileiros têm uma grande vontade de se envolver mais ativamente com C&T: 76% acreditam que a maioria das pessoas é capaz de entender o conhecimento científico se ele for bem explicado e 84% concordam, ao menos em parte, que a população deve ser ouvida nas grandes decisões sobre o rumo do desenvolvimento científico/tecnológico. Isso significa que a maior parte dos brasileiros crê que é possível informar-se razoavelmente bem a ponto de participar de decisões públicas sobre o tema.

    O estudo sondou ainda as principais preocupações dos brasileiros relacionadas à C&T. De uma escala em que zero é um assunto nada preocupante e dez um tema muito preocupante, tópicos como desmatamento da Amazônia, mudanças climáticas, uso de pesticidas na agricultura e uso da energia nuclear pontuaram acima de oito.

     

    CIÊNCIA NACIONAL

    A grande maioria dos brasileiros (78%) apoia o aumento dos investimentos públicos em C&T. As áreas apontadas como prioritárias para o desenvolvimento científico nacional (era possível marcar mais de uma opção) foram a medicina, com 52% dos votos, o investimento em energias alternativas (37% dos votos) e a agricultura (27% dos votos). Mudanças climáticas e exploração dos recursos da Amazônia aparecem logo em seguida.

    Um ponto que chamou a atenção dos pesquisadores foi a piora na avaliação dos brasileiros sobre a ciência no país: apenas 12% consideram a ciência nacional avançada, enquanto 43% dos entrevistados a classificam como atrasada. Estes índices são piores do que os das enquetes anteriores. Na enquete de 2010, 20% consideravam a ciência avançada e 28% atrasada. Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos organizadores do estudo, aponta duas razões para isso: "De um lado, é óbvio que a maioria dos brasileiros percebeu claramente o impacto dos cortes no orçamento da educação, das universidades e da pesquisa, que foi se agravando desde meados do governo Dilma. De outro lado, esses indicadores (avaliação da qualidade do funcionamento de uma instituição, grau de confiança em políticos e atores institucionais) não dependem tanto do conhecimento sobre o assunto, mas, principalmente, refletem a insatisfação e a desconfiança das pessoas em geral", avalia.

     

    USOS DO ESTUDO

    O estudo contém dados importantes para todos que trabalham com a produção e a divulgação de conhecimento científico no país, como aponta Moreira. Segundo ele, "a comunicação pública da ciência envolve a interação entre quem faz ciência e o público, por isso todas as pessoas que trabalham com comunicação científica - em museus de ciência, pesquisadores da área, divulgadores, jornalistas de ciência - poderiam se beneficiar dessa publicação". O pesquisador elege ainda professores de ciência, pesquisadores de modo geral e formuladores de políticas públicas como público-alvo do livro. Castelfranchi concorda, sugerindo que uma parceria com o Ministério da Educação (MEC), o MCTIC e outras instituições científicas seria importante "de um lado, para elaborar pesquisas em conjunto que incluam mais variáveis que auxiliem a avaliação do impacto de práticas ou políticas de divulgação. De outro, para mostrarmos as implicações práticas de nossos dados, que são muitas e podem contribuir para inovar as políticas de inclusão e a divulgação científica", finaliza.