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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo out./dez. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400005 

    BRASIL
    MEIO AMBIENTE

     

    Aproveitamento de resíduos do setor sucroalcooleiro desafia empresas e pesquisadores

     

     

    Leonor Assad

     

     

    O setor sucroalcooleiro é um dos segmentos mais importantes da economia brasileira. Segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar, com cerca de 630 milhões de toneladas processadas na safra 2014/2015, gerando uma riqueza equivalente a US$ 43 bilhões, cerca de 2% do PIB brasileiro. Apenas no setor produtivo, são 900 mil empregos formais diretos e outros 70 mil produtores rurais independentes. No entanto, paralelamente à geração de riquezas e empregos, o setor é responsável por impactos ambientais importantes, pelo uso intensivo de recursos naturais e pela produção de grandes quantidades de resíduos. Nos 108.706,47 km2 com cana plantada no Brasil em 2015 (safra 2015/2016), equivalente a quase cinco vezes a área do estado de Sergipe, foram produzidos mais de 30 bilhões de litros de álcool e 34 milhões de toneladas de açúcar. Em contrapartida, foram gerados de 10 a 14 litros de vinhaça para cada litro de álcool produzido, dependendo das condições tecnológicas da destilaria; 280 kg de palha e de bagaço por tonelada de colmo de cana colhida; e de 30 a 40 kg de torta de filtro por tonelada de cana moída, entre outros resíduos como cinzas, águas de lavagem e melaço.

     

     

    ELETRICIDADE A PARTIR DE VINHAÇA

    A vinhaça, que algumas vezes ainda é lançada em cursos d'água causando poluição, é comumente utilizada como fertilizante na cultura de cana-de-açúcar, por ser rica em matéria orgânica e potássio. Mas quando aplicada em excesso, dado o elevado volume produzido, acarreta sérios impactos no solo. Uma alternativa é transformar a matéria orgânica presente na vinhaça em biogás, por meio de uma cultura de microrganismos. Após tratamento adequado, esse biogás composto principalmente por metano pode gerar energia elétrica ao movimentar a turbina de um gerador. E mais, a vinhaça biodigerida, que contém menos matéria orgânica, ainda pode ser usada como fertilizante, minimizando o impacto ambiental do resíduo.

    O engenheiro químico Marcelo Zaiat, professor da Universidade de São Paulo (USP), campus São Carlos, afirma que o processo de transformação da vinhaça em bioenergia já está bem estudado em escala de laboratório: "O aproveitamento da vinhaça na produção de energia aumentaria a eficiência econômica de usinas e evitaria o lançamento sistemático desse resíduo no ambiente, ampliando a sustentabilidade do setor". Zaiat desenvolve pesquisas sobre o processo anaeróbio em reatores que transformam a matéria orgânica da vinhaça em hidrogênio e metano. Em artigo de 2017, publicado no Applied Energy (vol. 189), ele e mais seis colaboradores apontam que o potencial energético da tecnologia de extração de gases da vinhaça permite a geração de 181,5 megajoules de energia por metro cúbico de vinhaça. Entretanto, a recuperação de bioenergia na produção de etanol ainda é pouco usada em usinas sucroalcooleiras e o número de reatores anaeróbios em escala plena para geração de biogás e energia é inexpressivo.

    Segundo Felipe Colturato, engenheiro ambiental da Methanum Resíduos e Energia, empresa que desenvolve soluções que associem o tratamento de efluentes e resíduos orgânicos à geração de energia, com sede em Belo Horizonte (MG), existem vários entraves para produção de biogás nas muitas usinas sucroalcooleiras do país: "Há um enorme potencial na vinhaça, mas não é fácil metanizar". Metanização é o nome dado ao processo de digestão anaeróbia de resíduos orgânicos. Dentre as barreiras, Colturato cita a produção sazonal da cana; a concentração de antibióticos largamente utilizados na etapa de fermentação; a alta variabilidade na concentração de matéria orgânica na vinhaça, que varia de acordo com o tipo de produto (caldo, caldo misto, melaço) utilizado na fabricação do etanol; o baixo pH, devido principalmente à formação de sulfato; e a alta concentração no biogás de sulfeto de hidrogênio (H2S), um gás muito tóxico com odor bastante desagradável. Mesmo assim, o engenheiro se mostra otimista: "embora algumas iniciativas não tenham tido êxito, dado o preço da energia e a possibilidade de utilizar o biometano, há uma corrida para implantação de usinas de biogás".

    A Usina Monte Alegre operou, em parceria com a Methanum, uma planta em escala piloto por cinco safras consecutivas, o que propiciou a ampliação para uma planta industrial de 1,4MW, em Ivinhema (MS). No interior de São Paulo, as usinas São Martinho, em Pradópolis, e Iracema, em Iracemápolis, utilizam biogás, a primeira para secagem de levedura. Na segunda foi instalado um reator pela empresa holandesa Paques que funciona ainda em escala piloto.

     

     

    A Usina da Pedra, em Serrana (SP), também possui um sistema piloto. O projeto é da BioProj Tecnologia Ambiental Ltda., empresa de São Carlos (SP) que desenvolve tecnologias para tratamento de águas residuárias e é apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Pipe/Fapesp). De acordo com a engenheira química da empresa, Valéria Del Nery, os testes preliminares foram bem-sucedidos, permitindo que as atividades fossem iniciadas em maio deste ano. Ela concorda com Colturato em relação aos desafios para o uso eficiente de reatores anaeróbios de grande porte e acrescenta: "apesar do número de trabalhos científicos sobre a geração de energia a partir da vinhaça ter aumentado significativamente nos últimos anos em escala laboratorial, ainda há muito para ser entendido sobre a estabilidade do processo anaeróbio da degradação da vinhaça em reatores de alta taxa em grandes escalas".

     

    QUASE NADA SE PERDE

    Grande parte dos resíduos gerados no cultivo da cana e na produção de açúcar e de álcool é reutilizada no processo produtivo. Destaque especial cabe ao bagaço gerado na moagem da cana que vem sendo totalmente reaproveitado para cogeração de energia, como biocombustível, na produção de papel e na indústria de cosméticos. Estima-se que 90% de todo o bagaço gerado no Brasil é queimado em caldeiras para a geração de energia. Mas, nessa queima, forma-se outro subproduto, as cinzas residuais, numa proporção estimada em 25 kg de cinzas para cada tonelada de bagaço queimado.

    Bagaço e cinzas também podem ser usados na construção civil, outro setor que gera grandes volumes de resíduos. Em artigo de 2016, na revista Construction and Building Materials (vol. 113), o engenheiro civil Almir Sales, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e mais quatro colaboradores constataram que o concreto produzido com resíduos de construção e areia de cinzas de bagaço de cana-de-açúcar apresentou 93% da resistência à compressão do concreto de referência, produzido sem resíduos. Considerando que a mineração de areia é uma atividade de alto impacto ambiental, esse trabalho abre importantes perspectivas, ao mostrar que é possível substituir até 50% da areia convencional retirada da natureza pela cinza de bagaço de cana.

     

    PESQUISAS ENCONTRAM NOVOS USOS PARA A CASCA DO COCO

    A cana-de-açúcar é apenas um dos produtos agrícolas cujos resíduos podem ser reaproveitados, ampliando a viabilidade econômica de culturas agrícolas e minimizando impactos ambientais. Pesquisas brasileiras estão permitindo aproveitar a casca do coco na produção de fibras vegetais que podem ser usadas na fabricação de estofados de automóveis, móveis, vasos de xaxim, além de possibilitar a produção de um tipo de pó que ajuda no desenvolvimento de plantas cultivadas em vasos e servir de cobertura para a proteção do solo. As cascas, quando jogadas sem tratamento em aterros sanitários ou lixões, levam em média dez anos para serem decompostas, servem de abrigo para ratos e favorecem a reprodução de insetos, como o Aedes aegypti. Para cada 300 ml de água de coco consumidos, são gerados cerca de um quilo e meio de casca de coco. O Brasil tem um potencial de produção de 804 mil toneladas de casca que, após processamento, resultariam em mais de 240 mil toneladas de fibra e mais de 560 mil toneladas de pó.