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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo oct./dic. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400006 

    BRASIL
    RESENHA/SOCIOLOGIA

     

    Desmistificando a riqueza

     

     

    Patrícia Mariuzzo

     

     

     

    Em tempos de operação Lava Jato, e de outros tantos escândalos envolvendo políticos e empresários, é bastante oportuna a publicação do livro Ricos, podres de ricos, do sociólogo Antonio David Cattani, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Destinado ao grande público, o texto foi publicado pelas editoras Marcavisual e Tomo Editorial. Um dos méritos do livro é adotar uma linguagem simples para tratar de um fenômeno social sobre o qual a literatura nacional ainda é escassa: a concentração da riqueza. "Nunca na história da humanidade foi possível gerar tanta riqueza como nas últimas quatro ou cinco décadas. Nunca na história da humanidade a riqueza foi apropriada por tão poucos", afirma o autor. Em pouco mais de 50 páginas, Cattani busca apontar os aspectos mais relevantes da concentração de renda e suas consequências nas vidas de pessoas comuns: "quanto maiores forem as diferenças entre os ricos e os outros, maior será a violência, a incidência de problemas físicos e mentais, o número de crimes e comportamentos incivilizados. O aumento desmedido na concentração de renda favorece os preconceitos e a discriminação, além de estar diretamente envolvido com a desagregação social. Por fim, debilita a democracia e a eficiência econômica", diz.

     

    DE ONDE VEM O DINHEIRO

    Na primeira parte do livro, Cattani discute a importância de qualificar as grandes fortunas. Isso significa identificar os muito ricos e a origem de suas fortunas, um grande desafio diante de vários subterfúgios utilizados para ocultar renda, patrimônio e capital. A subestimação da riqueza ocorre, por exemplo, quando magnatas têm suas fortunas espalhadas em intricadas estruturas acionárias envolvendo holdings, empresas de fachada, sucursais no exterior etc. A utilização de contas secretas em paraísos fiscais é outro meio largamente utilizado, como ficou explícito no vazamento dos Panama Papers, em 2016.

    Em seguida, o autor se ocupa de determinar a origem das fortunas. A partir de um referencial marxista, Cattani define riqueza como o valor acumulado do trabalho não pago aos produtores diretos, mas diferencia esse conceito de outro, o de riqueza substantiva: "riqueza que gera mais riqueza em volume suficiente para o exercício do poder". E é esse poder que gera condições para manutenção e expansão das fortunas dos super ricos por meio de instrumentos como sonegação fiscal e obtenção de privilégios que se traduzem em financiamentos subsidiados, isenções de todo tipo e regalias tributárias. Um trabalhador assalariado que recebe R$ 5000,00 líquidos por mês paga compulsoriamente R$ 506,00, ou 10,1% de imposto. Um rentista que recebe R$ 5 milhões de dividendos no mês não paga um único centavo. Pelos princípios da equidade e da justa tributação conforme a capacidade contributiva, este segundo indivíduo deveria pagar R$ 1.374.000,00 de imposto sobre a renda, exemplifica o sociólogo.

    Uma das consequências da concentração da riqueza, de acordo com Cattani, é a corrupção da política pelas grandes corporações que financiam campanhas de políticos para assegurar vantagens, privilégios e impunidade, algo que conhecemos tão bem.

     

    MITIFICAÇÃO

    Por que não protestamos? Segundo o autor, "não existe uma resposta única e sim um conjunto de fatores e processos articulados em diferentes graus de complexidade, levando a uma grande mistificação sobre a posse de riqueza desmedida, garantindo a sua naturalização como se fosse um processo natural e espontâneo. Isso leva à legitimidade social e ideológica da desigualdade ao mesmo tempo em que enseja a criminalização da crítica e do inconformismo".

    De acordo com o autor, duas ideias colaboram para legitimar a desigualdade: o elitismo e a meritocracia. A primeira concepção considera que sempre deverá haver chefes, grandes homens (nunca mulheres) capazes de guiar os ignorantes para o progresso. Já a meritocracia serviria como desculpa para a posse de riqueza, que, para Cattani, trata-se de uma adulteração das virtudes da inteligência e do bom uso do talento.

     

    OUSE SABER

    No capítulo que fecha o livro, o autor aponta que o caminho para uma mudança é indissociável do conhecimento, "que permitirá desfazer a dominação ideológica que glorifica a riqueza e seus detentores, criminalizando a resistência dos subalternos", afirma. E acrescenta que esse conhecimento é do tipo abrangente, que alia a vivência popular e a ciência para orientar a ação coletiva institucionalizada nos sindicados autênticos, cooperativas, na economia solidária e colaborativa. Portanto, nada que se consolide em médio prazo. O que fazer antes: que os ricos paguem impostos, defende o autor. Ou seja, a regulação do Estado é fundamental para regular a acumulação do capital e das rendas. "O importante é o Estado necessário, Estado democrático que promova a equidade, o pacifismo, a igualdade de oportunidades e equilíbrio ecológico", finaliza.