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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo out./dez. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400008 

    MUNDO
    REVOLUÇÃO RUSSA

     

    Superpotência exerce papel central na geopolítica mundial

     

     

    Patricia Piacentini

     

     

    Em outubro deste ano, comemora-se o centenário de um dos marcos da história do século XX: a revolução russa, momento ímpar pela quebra de um paradigma que instaurou a primeira experiência socialista da humanidade. Foi uma iniciativa da massa popular pela busca de liberdade e justiça social. "O maior legado da revolução russa foi a mensagem de que os homens podem mudar as condições de sua existência, desde que imbuídos da vontade de lutar pela utopia de um mundo melhor, mais justo", afirma Lenina Pomeranz, professora de economia política contemporânea da Universidade de São Paulo (USP).

     

     

    Cem anos depois da revolução de 1917 (ver box) e 26 anos depois da dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e do fim da Guerra Fria, a Federação Russa segue como superpotência com grande capacidade de adaptação. Rico em recursos naturais como petróleo, gás natural e madeira, o país é uma das maiores economias do mundo, o que lhe assegura um lugar no G20. É um dos cinco Estados com armas nucleares (EAN), ao lado de Estados Unidos, China, França e Reino Unido, além de abrigar o maior arsenal de armas de destruição de massa do planeta. "A partir da reestruturação de suas forças militares nos anos 2000, passou a exercer importante papel em conflitos que vão do leste da Europa ao Oriente Médio", destaca Fabiano Pellin Mielniczuk, professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). A Rússia tenta ocupar o espaço que a China está abrindo pela incapacidade de administrar seu aliado norte-coreano. "Isso pode conferir mais poder em negociações internacionais envolvendo países como a Síria e Ucrânia, por exemplo", diz.

    A importância geopolítica russa é muito grande, por isso não é raro que os movimentos do país no cenário internacional despertem a atenção - e tensão - no resto do mundo. Segundo Pomeranz, é essa característica que, mais recentemente, tem colocado Estados Unidos e Rússia mais uma vez em campos opostos. "Isso se deve a vários fatores como a Rússia ser a porta voz de uma ordem internacional multipolarizada, de certa forma desafiando a hegemonia decrescente dos Estados Unidos". Para exemplificar, a professora cita o protagonismo russo na solução de conflitos em vários países, como o acordo obtido com o governo sírio - durante a gestão de Barack Obama - de eliminação das armas químicas; a oferta de ficar com o lixo nuclear do Irã no acordo fechado para suspender as sanções contra esse país; a participação no grupo de países que tentam resolver pacificamente o conflito Israel-Palestina e a participação no combate ao terrorismo na Síria. "Não faltaram elementos de cooperação com os Estados Unidos, como a cobertura da retirada de suas tropas do Afeganistão. Por outro lado, embora a difusão do domínio da tecnologia nuclear não seja mais restrita aos dois países - Estados Unidos e Rússia - estes são detentores dos maiores arsenais nucleares do mundo, tornando a sua relação especialmente estratégica e preocupante", conclui.

     

    RECUPERAÇÃO

    Por trás desses movimentos no xadrez internacional está o polêmico governante Vladimir Putin, hoje no terceiro mandato como presidente da Rússia e, mesmo com vários problemas sociais e a crise econômica da qual o país ainda se recupera, tem chance de vencer as próximas eleições. "Os anos 1990 foram marcados pela pior crise econômica da história russa e por sucessivas crises políticas. No entanto, ao que parece, o orgulho perdido pela Rússia foi resgatado nos anos 2000 quando a política centralizadora de Putin evitou a dissolução da Federação Russa por guerras separatistas, ao mesmo tempo em que a reorganização econômica resultou em um aumento de mais de 150% no poder de compra dos russos", explica Mielniczuk. Apesar da crise momentânea da economia, em função das sanções econômicas impostas pelos ocidentais por conta das ações militares na Ucrânia, o professor afirma que a população ainda vê em Putin a figura do político que resgatou a Rússia do abismo dos anos 1990.

    Pomeranz salienta que é da tradição do povo russo, reforçada pelos anos vividos no sistema soviético, esperar a solução dos seus problemas pelas autoridades superiores do país. Segundo ele, o exemplo mais conspícuo é o famoso Domingo Sangrento, quando o povo foi ao czar pedir apoio contra os maus tratos que atribuía aos burocratas, não a ele, o czar. "Foram massacrados, mas o que quero demonstrar é a esperança, a perspectiva da solução dos seus problemas na figura do czar", justifica.

    Além disso, o regime soviético, com a universalidade do sistema de bem-estar, mesmo com todos os seus problemas, dava ao povo a segurança do emprego e outros benefícios. "Nesta perspectiva, uma 'mão forte' do mandante era não só tolerada como desejada. Utilizando esse expediente, Putin restabeleceu a dignidade que o povo considerava perdida quando Gorbachev eliminou o Pacto de Varsóvia, estabeleceu a política de não intervenção nos ex países membros dessa organização e propiciou a união das duas Alemanhas", afirma Pomeranz.

    A popularidade do presidente russo se deve ainda a outros fatores: "No seu primeiro mandato, Putin reconstituiu os símbolos do país (brasão, a bandeira e o hino) e atacou firmemente os oligarcas, odiados pelo povo, eliminando sua interferência/influência nos negócios de Estado, embora rumores mais recentes o acusem de manter ligação com magnatas russos", acrescenta a professora. Durante os demais mandatos, conseguiu elevar consideravelmente o padrão de vida dos trabalhadores e pensionistas, multiplicando os seus rendimentos. Ao mesmo tempo, busca manter diálogo com a população por meio de programas de televisão organizados anualmente e, em seu discurso, insiste em mostrar que as dificuldades pelas quais o país está passando são resultado das sanções impostas à Rússia. "Cabe ressaltar que Putin enfrentou as sanções, não somente através de contra sanções, como também por um bem-sucedido programa de substituição de importações e de acordos de comércio e investimentos significativos com a China. Com relação ao petróleo, mesmo não sendo um membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), negocia os preços do barril com esses países para impedir a queda dos preços", explica Pomeranz.

     

    MULTIPOLARIDADE

    Recentemente, chama atenção a aproximação entre Putin e o presidente norte-americano Donald Trump. De acordo com Mielniczuk, Rússia e os Estados Unidos têm muitos interesses divergentes e a maioria deles resulta em conflitos armados, como nas guerras da Síria e da Ucrânia, ou em posições diplomáticas explícitas, como as críticas de Washington ao caráter autoritário do regime de Putin e as críticas russas à participação dos EUA em movimentos políticos anti-russos no espaço da antiga URSS. "Por isso, temos a sensação de que há uma bipolaridade semelhante à Guerra Fria. Enquanto essa afirmação carrega uma grande parcela de verdade, não podemos nos esquecer de que o mundo tende hoje para um cenário multipolar. O relacionamento entre os dois presidentes ainda é uma incógnita e a suposta aproximação pode mudar de acordo com as investigações no Congresso norte-americano sobre a interferência russa nas últimas eleições presidenciais e a participação de aliados de Trump nesse processo", ressalta.

    Segundo Pomeranz, Trump tem interesses econômicos pessoais na Rússia e Putin busca a manutenção de um clima de paz e do eventual cancelamento das sanções econômicas infligidas pelos EUA e seus aliados a seu país, aventado por Trump. "O mundo tem todo o interesse que as relações entre os dois líderes se façam num clima de paz e segurança internacional".

     

    PARA COMEÇAR A ENTENDER UMA REVOLUÇÃO

    Descrever e analisar os paradoxos da história da revolução soviética é o objetivo do professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Fagundes Vicentini, no livro Os paradoxos da revolução russa: ascensão e queda do socialismo soviético (1917/1991), publicado este ano pela Alta Books. "A Revolução Russa de 1917 foi a mais impactante da história por seu alcance mundial e por sua duração (74 anos), pois foi o elemento catalisador de todo o século XX", escreve Vicentini. No entanto, segundo ele, a revolução e o regime soviético foram marcados por paradoxos ainda não suficientemente analisados com isenção e objetividade. Assim, ao longo do livro, que tem como público-alvo tanto leigos quanto estudantes, o autor identifica sete paradoxos da história da URSS. Em linguagem acessível e didática, o texto recupera conceitos básicos, como o significado de socialismo e comunismo, e descreve desde a formação do Estado russo no começo do século XX até a desintegração da União Soviética, nos anos noventa, marcada pelo sétimo paradoxo: como uma nação poderosa, sem guerra civil e sem ser derrotada em um conflito externo, sofreu um colapso completo.