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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.69 no.4 São Paulo out./dez. 2017

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000400019 

    CULTURA
    REDES SOCIAIS

     

    Algoritmo das emoções

     

     

    Chris Bueno

     

     

    Você está se sentindo feliz. Então decide acessar uma rede social e postar uma foto. Num instante, recebe uma série de sugestões de filmes e viagens que combinam com seu estado de humor. Ou então está triste e posta um comentário expressando seu abatimento, e passa a receber indicações de livros de autoajuda e mensagens de apoio. Isso pode até parecer parte de um conto de ficção científica futurista, mas já é realidade. Algoritmos de análise de emoções já são utilizados rotineiramente por várias empresas em diversos setores.

    A análise de emoções por computador é uma combinação interessante de psicologia e tecnologia. Os algoritmos (sequência de instruções que mostra os procedimentos necessários para a resolução de uma tarefa) de análise de sentimentos processam a linguagem - tanto verbal, como em um texto, quanto não verbal, como a expressão facial em uma foto - para determinar seu teor emocional. A princípio pode-se analisar se um texto ou uma foto expressam algo positivo, negativo ou neutro em relação a uma situação ou evento. Porém, análises mais detalhadas podem detectar estados emocionais como tristeza, felicidade, surpresa ou raiva.

    Aplicações de inteligência artificial como essa se baseiam em um conjunto de técnicas chamadas genericamente de machine learning ("aprendizado de máquina", em português). Por meio dessa técnica, são utilizados algoritmos que aprendem interativamente a partir de dados, ou seja, conforme os modelos são expostos a novos dados, eles são capazes de se adaptar de forma independente. Assim, eles "aprendem" com os cálculos anteriores para produzir decisões e resultados confiáveis e reproduzíveis. "De uma forma geral, nessa categoria de algoritmos, um certo conjunto de exemplos do que se quer determinar (por exemplo, estado emocional feliz) são apresentados ao algoritmo, que determina as características que indicam esse estado. Podem ser padrões da face (boca entreaberta é um indicativo), de voz (fala mais rápida, frequência elevada) ou de texto (palavras como 'ótimo', 'férias' etc.)", explica o engenheiro mecânico Marcos Pereira-Barretto, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

     

    SEM FRONTEIRAS

    A detecção de emoções por meio de algoritmos é um campo que vem crescendo velozmente e que pode ter enormes consequências não apenas na publicidade, mas também nas áreas de saúde, educação e segurança. Em aeroportos, por exemplo, esses algoritmos podem ser utilizados para interpretar a reação não verbal das pessoas e detectar possíveis ameaças. No setor empresarial, essa tecnologia pode detectar o nível de satisfação ou de estresse de funcionários, identificando a necessidade de ações de melhoria como promoções ou incentivos. Na educação a distância, pode ser aplicada para oferecer incentivo quando um aluno está desmotivado. E, na área da saúde, esses algoritmos podem ser utilizados para detectar o grau de ansiedade do paciente e até mesmo captar indícios de depressão. "Em um futuro não tão remoto, é possível que os sensores de um carro "percebam" uma condição de embriaguez do motorista, impedindo que ele ligue o carro", diz o cientista da computação José Fernando Rodrigues Júnior, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos.

    Mas a área na qual a tecnologia tem encontrado terreno mais fértil é, notadamente, a publicidade. As empresas de propaganda e marketing vêm investindo pesadamente no desenvolvimento de algoritmos que podem detectar emoções para maximizar suas campanhas publicitárias e de pesquisa de mercado. "Medir a reação do público a uma campanha/produto recentemente lançados, direcionar campanhas políticas a partir da opinião dos eleitores são alguns exemplos de aplicações", explica Fernanda Andaló, pesquisadora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esses algoritmos também são empregados para recomendar filmes, livros, músicas ou outros produtos que possam interessar aos usuários de diversas redes sociais. Várias empresas, principalmente as de comércio eletrônico e de entretenimento, como Amazon e Netflix, investem em algoritmos de aprendizado de máquina. "Elas fazem isso para otimizar as recomendações aos usuários, aumentando seu nível de satisfação e, é claro, as vendas", diz o cientista da computação André Carlos Carvalho, outro pesquisador do ICMC da USP.

     

     

    DE OLHO NO FUTURO

    Algoritmos de detecção de emoções, e todo o aprendizado de máquina de forma geral, é uma área que vem crescendo muito e atraindo investimentos de diversos setores. "O desenvolvimento dessa tecnologia está crescendo em taxas muito elevadas. No mundo existem polos de desenvolvimento em muitos países. Os principais são Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e China", afirma Barretto.

    É certo, portanto, que esses algoritmos estarão cada vez mais presentes na vida das pessoas, em todas as áreas. O próximo passo é torná-los mais precisos e detalhados. "O futuro da tecnologia está exatamente nisso: a busca por algoritmos que se adequem a cenários mais desafiadores e que possam relacionar o conteúdo, produzido por pessoas, a escalas multidimensionais e contínuas de sentimentos e emoções e não somente em categorias, como 'positivo' e 'negativo'. Isso garante que qualquer tipo de sentimento/opinião, por mais sutil que seja, possa ser compreendido, em textos e imagens", aponta Andaló.

     

    QUESTÕES ÉTICAS

    Qual o limite para o uso de técnicas de detecção de emoções? Documentos vazados da sede do Facebook na Austrália, no começo do ano, mostram como a rede social se aproveitou da vulnerabilidade emocional de usuários jovens para promover publicidade em algumas ocasiões. Esse episódio tornou-se emblemático de que há claramente uma linha tênue na questão ética quando se fala de algoritmos de análise de sentimento e políticas de proteção à privacidade. "Os computadores conectados, especialmente os celulares com seus inúmeros sensores, suscitam questões éticas de toda natureza. A detecção de emoções de uma pessoa é mais uma pois representa uma forte invasão da privacidade caso ocorra sem o consentimento do indivíduo. Trata-se de um nível mais elaborado e profundo de coleta de informações do usuário, já que extrapola o que ele pretende expressar usando apenas palavras. Tentar inferir os sentimentos de alguém só pode ser feito com explícito consentimento e para fins muito bem definidos", alerta Rodrigues.

    Casos de mau uso de dados de usuários de internet não são raros e podem se tornar cada vez mais frequentes se os devidos cuidados não forem tomados. O principal é colocar a questão em pauta e exigir políticas que garantam cada vez mais a proteção à privacidade dos usuários. Igualmente essencial é se conscientizar da importância de ler os contratos de uso antes de instalar qualquer aplicativo ou software - e de exigir que esses contratos sejam compreensíveis, para saber realmente com o que se está concordando.