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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100006 

    MUNDO
    JOSÉ ANTÔNIO LOPEZ CEREZO

     

    O conhecimento social da ciência empodera os cidadãos

     

     

    Ana Paula Morales

     

     

    A ciência e a tecnologia (C&T) estão amplamente presentes na vida cotidiana da nossa sociedade, como no uso de smartphones e aplicativos que calculam trajetos e a intensidade do trânsito, por exemplo. E também estão presentes em decisões mais complexas, como aquelas que envolvem a saúde pública, políticas relacionadas ao aquecimento global, o uso de inteligência artificial em nossas relações sociais, ou questões éticas, como a experimentação animal. Há um aparente consenso de que uma sociedade democrática deve promover debates sobre questões de ciência e tecnologia que afetam a população. Mas como fomentar a participação dos cidadãos em decisões científicas? Para José Antônio Lopez Cerezo, professor de lógica e filosofia da ciência da Universidade de Oviedo, Espanha, "na medida em que os temas de interesse social têm uma relação crescente com a ciência e a tecnologia, fomentar o conhecimento social da ciência significa empoderar e capacitar os cidadãos para que possam exercer um protagonismo público". Cerezo também é coordenador da rede temática CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) do programa científico da Organização dos Estados Ibero-Americanos para Educação, Ciência e Cultura (OEI) e coordenador de pesquisa da Unidade de Cultura Científica do Centro de Pesquisa Energética, Ambiental e Tecnológica (Ciemat) em Madri.

    Ciência & Cultura (C&C): O que é a cultura científica?

    José Antônio Lopez Cerezo (JALC): Eu penso que a cultura científica não é apenas saber muita ciência. Ter cultura científica é algo mais que saber muita ciência, é também praticar a ciência. Na verdade, entendo que o conceito de cultura científica é multidimensional, é um conceito complexo, que não se pode medir unicamente com escalas onde se faça perguntas do tipo alternativa acerca dos fatos da ciência escolar. Considero que a cultura científica tem ao menos três grandes dimensões: a dimensão cognitiva, que tem a ver com o conhecimento, a dimensão das atitudes e valores, e a dimensão do comportamento. Na dimensão cognitiva, ou a que tem a ver com conhecimento, ser cientificamente culto é saber que a temperatura da Terra está muito elevada, é saber que não se pode usar antibióticos para todos os tipos de enfermidades, as coisas básicas da ciência escolar. Mas, também, ser cientificamente culto é ser consciente dos dilemas éticos que contemplam algumas linhas de pesquisa, ou que podem contemplar a experimentação animal, por exemplo. Ser consciente também das condições políticas e econômicas de algumas linhas de pesquisa que estão em desenvolvimento, como as que estão vinculadas à indústria farmacêutica. Não somente saber muita ciência, mas também saber coisas referentes ao fazer científico.

    Outro elemento importante, entendo, dessa dimensão cognitiva, tem a ver com o conhecimento dos riscos e dos efeitos negativos. A ciência e a tecnologia são na realidade muito benéficas para a humanidade, sem ciência e tecnologia não poderíamos viver neste planeta com mais de 7 bilhões de habitantes. Mas também é verdade que a ciência e a tecnologia têm sido a base de alguns danos, ou de impactos negativos da indústria baseados em desenvolvimentos tecnológicos, que todos conhecemos - podemos falar dos acidentes nucleares, ou dos derramamentos de petróleo, ou de algumas contaminações farmacêuticas que ocorreram. Há riscos, há efeitos negativos, e algo tem que pagar por isso. Ser cientificamente culto, entendemos que é também ser consciente desses riscos e impactos negativos, ter uma avaliação mais equilibrada. Ainda que se apoie e se respalde decididamente a ciência, buscar não perder a consciência desses possíveis problemas que podem aparecer com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia em alguns campos particulares. Tudo isso tem a ver com a dimensão cognitiva, com a dimensão do conhecimento.

    Creio que ser cientificamente culto tem algo a ver também com as atitudes e com os interesses. Ser cientificamente culto é ter um interesse pelo conhecimento científico, é ter uma valorização positiva da profissão científica, é também ter uma atitude favorável ao investimento público na ciência e tecnologia. Esses não são componentes cognitivos, são componentes chamados de volitivos ou atitudinais, que têm a ver com as atitudes.

    E, por último, entendo que ser cientificamente culto tem algo a ver também com comportamento, porque como dizia John Dewey, um filósofo pragmatista norte-americano há cerca de 100 anos, ser cientificamente culto não é apenas saber muita ciência, mas também praticar a ciência. É levar esse consumo de informação científica à vida cotidiana. Não se pode ser cientificamente culto se se consulta o homeopata, ou se se crê na veracidade do horóscopo. Ser cientificamente culto é também utilizar essa informação para se fazer uma compra muito mais equilibrada ou mais sensata no supermercado, é também uma informação que temos que ter em conta na hora de decidirmos por um tratamento para um problema de saúde, é uma informação que devemos ter em conta como profissionais. Ser cientificamente culto é comportar-se de certas maneiras sobre a base de consumo de informação científica. Por isso pensamos que ser cientificamente culto é saber, e saber muitas coisas, é também querer apoiar a ciência, a parte atitudinal, e é também comportar-se de certos modos de acordo com os mandatos da ciência.

     

     

    C&C: A ciência e a tecnologia são mensuradas por indicadores, como o financiamento, patentes e publicações científicas. Há como mensurar a cultura científica também?

    JALC: Bom, os questionários que são utilizados para as pesquisas de percepção pública da ciência ou da cultura científica contêm grupos de perguntas muito diversas. Algumas delas tratam de medir o nível de conhecimento, de resultados, de fatos científicos, como por exemplo as perguntas mais tradicionais que indagam se os seres humanos viveram concomitante aos dinossauros, se o Sol gira ao redor da Terra ou se a Terra gira ao redor do Sol etc. São perguntas alternativas que tratam de medir a cultura científica escolar básica. Em alguns questionários também são introduzidas perguntas alternativas que tratam de medir o conhecimento da ciência de vanguarda, não dos feitos clássicos da ciência, mas sim da ciência de vanguarda. Por exemplo a familiarização ou não com os problemas éticos associados à experimentação animal, esse tipo de coisa que é a ciência dos periódicos, que contempla a polêmica pública e o debate social. Portanto, os questionários utilizados para essas pesquisas possuem instrumentos para medir o nível de conhecimento científico.

    Existem alguns questionários que também incluem perguntas sobre o conhecimento que chamamos metacientífico, como por exemplo se se sabe ou não que a pesquisa de medicamentos depende da indústria farmacêutica, se se conhece ou não os debates relacionados aos experimentos de células-tronco, essas coisas. Mas são poucas as pesquisas. Neste momento temos uma pesquisa experimental da Fundação Espanhola para Ciência (FECyT) que inclui esse tipo de conhecimento metacientífico. E depois, praticamente todas as pesquisas incluem a parte de atitudes, que mencionei, que perguntam pela apreciação e posicionamento científico, se estaria ou não disposto a aumentar o financiamento da ciência, por exemplo. E algumas pesquisas também incluem perguntas sobre inclinação comportamental, o que chamamos de apropriação. Não são muitas as pesquisas que medem a apropriação, no entanto. Até onde eu sei, isso começou a partir da década dos anos 2000, quando houve uma série de pesquisas... uma experimental que foi lançada pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) em parceria com a FECyT e com a RICyT (Red de Indicadores de Ciencia y Tecnología Iberoamericana e Interamericana), da Argentina; uma pesquisa colombiana também muito interessante de 2004, que incluía perguntas de apropriação, que contemplavam a questão da incidência da ciência na vida cotidiana das pessoas. Obviamente nós não podemos medir isso diretamente, pois faltariam estudos etnográficos de campo. Porém, podemos medir a inclinação a se fazer uso da informação científica em nossas tomadas de decisão como consumidor, como pai, como profissional, ou como quiser. Portanto, nem todas as pesquisas incluem medições de todas as dimensões, são raras as que incluem todas, mas essas dimensões estão presentes nos questionários que andam circulando a nível internacional desde meados dos anos 2000.

     

     

    C&C: De que forma esses resultados são, ou poderiam ser, usados em termos de política pública ou ações de divulgação da ciência, ou pelos diversos agentes envolvidos na cultura científica?

    JALC: Bom, eu acredito que as pesquisas são instrumentos valiosos para orientar melhor as políticas públicas de promoção da cultura científica e de comunicação social da ciência. Por exemplo, podem nos mostrar diferenças importantes no viés de gênero em temas de interesse pela ciência ou pela tecnologia - por exemplo, as mulheres além de estarem menos presentes nas carreiras de engenharia, normalmente têm menos interesse por questões científico-tecnológicas relacionadas com engenharia ou tecnologia. E, por outro lado, as mulheres manifestam maior interesse que os homens em temas relacionados com a aplicação da ciência nos âmbitos de alimentação e saúde. Isso contribui para ajustar melhor as campanhas aos tipos distintos de público. Também, por exemplo, as pesquisas às vezes nos mostram oportunidades de promoção da divulgação científica quando há um forte diferencial entre o interesse atribuído a um tema e a opinião acerca da presença desse tema nos meios de comunicação. Por exemplo, no caso da ciência geralmente observa-se um maior interesse da população do que o espaço dedicado ao tema nos meios de comunicação. Enquanto para outros temas como política ou celebridades pode ser o contrário: se considera que os meios de comunicação dedicam muito tempo falando sobre famosos ou política pelo pouco interesse que têm as pessoas que respondem a essas pesquisas. Também é necessário ser consciente de que as pesquisas são instrumentos imperfeitos, e refletem uma certa tendenciosidade, uma inclinação de serem politicamente corretas. Mas pode-se corrigir isso. Sempre que há uma inclinação que se mantenha estável entre os elementos populacionais ou entre diferentes edições da mesma pesquisa, podemos apreciar alterações na evolução dessas variáveis: interesse, atitudes, grau de conhecimento etc. Por isso, eu creio que as pesquisas são instrumentos políticos úteis para orientar melhor as políticas de comunicação e as de difusão do conhecimento científico. E, às vezes, podem ser úteis em sentidos muito específicos. Por exemplo, se detectamos que uma proporção muito importante da população desconhece os tipos de doenças que podem ser combatidas eficazmente por antibióticos - há um grupo populacional importante em países como a Espanha, dependendo do nível de escolaridade, de pessoas que creem que os antibióticos não somente combatem as bactérias, mas também os vírus. Nesse caso, há uma oportunidade de formação. Temos que ensinar que não, que os antibióticos são inócuos para os vírus, e tem que haver um esforço com relação a isso.

    C&C: Para direcionar a educação...

    JALC: Claro. Direcionar um pouco os esforços, o desenvolvimento das políticas de comunicação, no sentido da informação que está sendo levada à população a respeito do que desconhecem e deveriam conhecer, e de oportunidades de satisfazer os seus interesses pelas informações presentes nos meios de comunicação. Diferenças entre comunidades autônomas ou regiões que podem ser corrigidas, diferenças entre gêneros, pautas de consumo de informação científica em diferentes meios.... Por exemplo, jovens fazem grande uso da internet; se há interesse em gerar acesso para essa população, tem que haver apoio à difusão da informação científica pela internet. Mas se o interesse é alcançar a terceira idade, o apoio deve ser direcionado para outro meio de comunicação, porque segundo as pesquisas a terceira idade consome a maior parte da informação científica a partir da televisão. Portanto, é importante ter um mapa mais preciso da percepção social da ciência, do estado da cultura científica, considerada a diversidade de públicos sobre os quais se pode atuar de modos diferentes.

    C&C: A maior parte da população se informa sobre temas científicos pela grande mídia, seja pela TV, pelo jornal, pelas revistas semanais. Qual a importância dos meios de comunicação na construção da cultura científica, ou seja, de uma visão crítica da ciência por parte da população?

    JALC: Utilizando uma questão que mencionei antes, a homeopatia... às vezes nos fazemos a pergunta: o que podemos fazer para recuperar os pacientes da homeopatia, para trazê-los novamente à ciência? E creio que a pergunta importante nem é tanto essa, mas sim o que podemos fazer para evitar seguir perdendo clientes da medicina científica? É como no caso das vocações científicas - um tema que sempre teve um grande eco social -, o que podemos fazer para melhorar o interesse dos jovens pelos estudos das ciências, já que não temos estudantes suficientes em carreiras de ciências e engenharias? E eu creio que o problema principal não é estimular as vocações, mas sim o contrário: combater o desincentivo pela ciência. Crianças que estão nos primeiros anos do ensino escolar têm uma curiosidade lógica pelo mundo natural, os encanta aprender coisas de ciências adaptadas para a sua idade, 4, 5, 6 anos; mas quando chegam aos 12, 13, 14 anos, o que acontece? Perdem toda a ilusão, parece algo espantoso, a física, a matemática. Aí perdemos as vocações. Mais que lutar por ganhar vocações, o temos que fazer é lutar para não perder vocações. Está aí algo que falha no sistema de ensino, e creio que no mundo da comunicação social da ciência acontece algo similar. O problema não é tanto recuperar os que se consultam com os homeopatas, ou com os astrólogos, ou com os curandeiros, o problema é a medicina científica deixar de perder clientes. O que estamos fazendo de errado? O que o médico está fazendo de errado? Que imagem os especialistas estão transmitindo? Que imagem pública da ciência estamos transmitindo, que faz com que as pessoas desconfiem e busquem outras respostas? Essa é a grande pergunta para a comunicação social da ciência. Perguntarmo-nos os motivos pelos quais se está gerando desconfiança com respeito à ciência na população.

    No meu ponto de vista, essa imagem mais tradicional da ciência que é transmitida nos meios de comunicação é uma imagem que acaba resultando nisso; ela acaba voltando como um bumerangue e causando danos. Essa imagem de que a ciência tem resposta para tudo; de que há apenas uma classe de resposta, que é a resposta da ciência; de que a ciência não se equivoca.... essa imagem deformada, irreal da ciência que se transmite nos meios de comunicação - às vezes de um modo bem-intencionado, dizendo "queremos conseguir apoio social para a ciência, vamos ressaltar todos os pontos positivos". É importante apoiar a ciência, mas não enganando as pessoas. A ciência também é incerta às vezes, é fonte de riscos, tem limitações, e isso não é desqualificar a ciência, isso é humanizar e desmistificar, que não é o mesmo que desqualificar. Creio que desmistificar e humanizar ajuda as pessoas a não se iludirem. Que não leiam notícias dizendo que pesquisadores descobriram uma proteína que promete a cura para o Alzheimer em poucos anos, e que depois apresenta resultados negativos. E, então, temos que entender que há os interesses da indústria farmacêutica, que há também interesses lógicos dos investigadores para conseguirem financiamento. Ainda mais por se estar dizendo às pessoas por um lado que "a ciência é como uma só voz", "a ciência não se equivoca", e por outro lado, há debates nos jornais ou na televisão, onde a ciência fala através de muitas vozes, que também se contradizem entre si. Estamos passando mensagens contraditórias, o que faz com que as pessoas percam a confiança. E se se perde a confiança é muito perigoso. A imagem da ciência nos meios de comunicação muitas vezes tenta ilusionar, mas pode causar desilusão e perda de confiança, e esse efeito rebote. Eu creio que aí os meios têm uma responsabilidade muito importante.

    C&C: Há alguma relação entre educação ou conhecimento e apoio à ciência por parte da população?

    JALC: Há uma relação muito clara, que aparece em todas as pesquisas. Atitudes mais favoráveis à ciência estão associadas a um maior grau de conhecimento. Quando falo de atitudes favoráveis, falo de equilíbrio, riscos e benefícios. Normalmente todas as pesquisas norte-americanas, europeias, ibero-americanas, têm uma pergunta generalista, que é uma pergunta referente ao equilíbrio, formulada mais ou menos assim: com respeito aos efeitos futuros dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, você considera que os benefícios superarão os prejuízos, que estarão equilibrados, ou não tem ideia? É uma pergunta generalista, então esse balanço torna-se mais favorável à medida que aumenta o nível de conhecimento das pessoas, em todos os países. Isso é invariável. Porém, há uma exceção que é muito eloquente, muito importante. Nos países pós-industriais, essa linha ascendente alcança um teto em determinado momento. A partir de certo nível de conhecimento, digamos as pessoas com formação universitária, esse teto é alcançado, e a curva começa a baixar. O que quer dizer quando começa a baixar? Que a atitude já não é mais tão otimista, e que deve haver cautelas. Porque as pessoas com muita formação têm mais familiaridade com a ciência, são mais conscientes da diversidade de campos que integram a ciência, sabem que alguns deles apresentam riscos ou prejuízos. Esse tipo de curva, que até agora só havia sido documentada em sociedades pós-industriais do norte da Europa, como Holanda, Dinamarca, Suécia etc., também é detectável em grandes cidades ibero-americanas. Pudemos identificar isso em uma pesquisa realizada por volta de 2007, na qual houve a participação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Fizeram parte da pesquisa sete grandes cidades ibero-americanas, dentre elas São Paulo, Buenos Aires, Bogotá, Santiago do Chile etc., e o estudo mostrou aumento do apoio e de atitude favorável em relação à ciência à medida que aumenta o nível de conhecimento. Mas a partir de certo nível, essas pessoas começam a ser mais conscientes de que também existem riscos e, portanto, adotam um certo ceticismo, uma certa cautela. Acreditamos que essa população com um alto nível de conhecimento, que apoia a ciência e é consciente de seu grande benefício, mas que também apresenta algumas cautelas, é politicamente muito valiosa, porque é uma população muito inclinada a participar, muito inclinada ao protagonismo, que se move nos meios, que escreve cartas aos diretores de jornais, por exemplo, expondo as inquietudes sociais nos meios de comunicação e, desse modo, podem indicar àqueles que tomam as decisões como conduzir as políticas de ciência e tecnologia.

     

     

    C&C: A cultura científica melhora a democracia?

    JALC: Eu acredito que sim, que melhora, por um motivo muito simples. Porque a cultura científica não somente oferece oportunidades de participação, mas também induz a participação. E para isso o melhor seria assumir esse argumento, que é um argumento clássico a favor da promoção da cultura científica. Para que uma democracia funcione corretamente, necessitamos dessa participação através de liberdade de expressão, de meios de comunicação que também sejam livres, de liberdade de opinião etc. Mas também precisamos de cidadãos que possam entender os termos do que se está discutindo, do que se está debatendo nos parlamentos. São assuntos de debate social, que de um modo crescente têm a ver com a ciência e com a tecnologia. Portanto, oferecer à população conhecimento científico e tecnológico é capacitá-la para entender os termos das discussões dos problemas mais importantes de um país, e, portanto, colocá-la em posição de poder formar um julgamento e poder expressá-lo. Por isso, a cultura científica é boa para a democracia. Na medida em que os temas de interesse social têm uma relação crescente com a ciência e com a tecnologia, fomentar o conhecimento social da ciência significa empoderar e capacitar os cidadãos para que possam exercer um protagonismo público, que de outro modo não poderiam. É um pouco fomentar em cada pessoa o julgamento próprio, de forma que não tenha que depender do que dizem nas redes sociais, do que dizem os agentes que lutam pelos seus próprios interesses, de fazer com que esse cidadão perca a inibição e se manifeste. Encontramos, em um estudo que fizemos, que os chamados céticos leais, as pessoas que apoiam a ciência, mas que também são conscientes dos riscos, são as pessoas que tomam partido em perguntas relacionadas à ciência, não ficam em cima do muro, sabem e querem responder. Isso é muito interessante. Não se inibem, a mensagem é essa - e combater a inibição, capacitá-los para formar um julgamento próprio para que não sejam reféns de grupos sociais que defendem seus próprios interesses, é um efeito extraordinário da difusão da cultura científica.