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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100008 

    MUNDO
    SERVIÇOS AMBIENTAIS

     

    Quem deve pagar para conservar as florestas?

     

     

    Patricia Santos

     

     

     

    As florestas cobrem 30% da superfície terrestre. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 25% da população mundial depende diretamente dessa biodiversidade para viver. Foi para lembrar da importância das florestas que a ONU estabeleceu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Florestas.

    O Brasil é o principal guardião da maior floresta tropical do mundo, a floresta amazônica. Na média, o esforço para reduzir o desmatamento tem tido melhores resultados do que em décadas passadas, mas o bioma permanece vulnerável. Um exemplo recente é o caso da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) localizada entre os estados do Pará e Amapá. Em agosto de 2017, por meio de um decreto presidencial, o governo federal pretendia abrir a área para ser explorada por mineradoras, setor que foi responsável por 9% do desmatamento ocorrido entre 2005 e 2015 na Amazônia brasileira, como aponta estudo publicado no periódico Nature Communications em outubro de 2017 (volume 8, edição 1013). Após forte resistência de diversos setores da sociedade, em âmbito nacional e internacional (incluindo uma manifestação da modelo Gisele Bündchen), o governo recuou.

    A mineração é apenas uma das ameaças à preservação da floresta amazônica que, ao lado de queimadas, construção de hidrelétricas, avanço do plantio de soja e uso da terra para pecuária rondam a Amazônia e os povos da floresta. Um dos pontos críticos entre as medidas para a proteção das florestas é encontrar formas de financiamento que viabilizem mantê-las de pé. Esse é um dos desafios elencados no Plano Estratégico das Nações Unidas para as Florestas, elaborado durante reunião do Fórum das Nações Unidas sobre as Florestas em 2017. Segundo o documento, é papel de todas as nações e seus parceiros - organizações internacionais, da sociedade civil e do setor privado - se mobilizarem para financiar o manejo sustentável das florestas.

     

    VALOR DE MERCADO

    Manoel Sobral Filho, diretor do Fórum sobre Florestas da ONU, ressalta que, globalmente, as maiores perdas acontecem nas áreas tropicais, onde as florestas também têm menor valor de mercado. O desafio, portanto, é tornar essas florestas mais valiosas para quem detém o poder sobre elas, sejam governos, setor privado ou mesmo comunidades locais e indígenas. A saída seria pagar pelos serviços oferecidos pelas florestas, como a captação do CO² da atmosfera que promove o equilíbrio do clima afetando todo o planeta. Para Sobral Filho, essa fatura caberia à comunidade internacional e agentes privados. "Os indígenas brasileiros têm quase 100 milhões de hectares de florestas e a maior parte vive na pobreza. Eles não recebem compensação financeira nem podem usar os recursos florestais, e nem a gente quer que use a não ser com um manejo sustentável. É um problema seríssimo", exemplifica.

    Para o diretor, o pagamento pelos serviços oferecidos pelas florestas é mais importante do que mecanismos de ajuda como o Fundo Amazônia, que capta doações para investimentos não-reembolsáveis para conservação e uso sustentável na Amazônia Legal ou projetos pontuais. "Dá-se um valor tremendo para esses recursos principalmente porque as ONGs dependem desses subsídios estrangeiros, quando na verdade eles não têm grande importância para o país porque o valor é irrisório e demoram anos para serem usados. Nós precisamos de um programa de 20 bilhões de dólares anuais. Não de 100 milhões, 200 milhões", declara.

     

     

    De acordo com Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia do meio ambiente e dos recursos naturais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), existem experiências bem-sucedidas com outros mecanismos financeiros para a manutenção das florestas. No caso brasileiro, são exemplos o crédito rural e o Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC). Porém, segundo ele, é necessário que esses programas sejam mais diversificados e tenham maior escala.

    Em um artigo publicado na revista Science de junho de 2014 (volume 344, edição 6188), juntamente com colaboradores, Motta analisou políticas públicas e intervenções na cadeia de produção de carne e soja, dois dos principais motivadores do desmatamento na Amazônia. Essas medidas contribuíram para a queda do desmatamento amazônico, mas para que isso se mantenha será preciso, entre outros fatores, uma percepção de risco associado à perda da floresta, o que por sua vez tem relação com a vontade política de impor medidas restritivas. Em momentos de crise econômica são propostas que tendem a se enfraquecer.

     

    CÓDIGO FLORESTAL

    No fim de fevereiro o Supremo Tribunal Federal colocou fim a um impasse que já durava seis anos, votando pela constitucionalidade de um conjunto de artigos do Código Florestal (Lei 12.651/2012). Um dos artigos mais polêmicos concede anistia aos proprietários que desmataram áreas de floresta acima do permitido. Em entrevista para o Globo Rural (04/03), o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justos, declarou que a decisão regulariza a situação dos produtores e traz segurança jurídica. Já o Instituto Socioambiental, em editorial (01/03), considerou que o julgamento foi um retrocesso ao legitimar a anistia a desmatamentos ilegais ocorridos antes de 2008, permitindo que a maior parte das áreas indevidamente desflorestadas no passado continue sendo utilizada nas atividades agropecuárias.