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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo enero/marzo 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100017 

    CULTURA
    CIDADES

     

    Bancas, impressos e leituras em transformação

     

     

    Beatriz Guimarães de Carvalho

     

     

     

    Há anos, frases como "o jornal impresso vai morrer" fazem parte de qualquer discussão sobre jornalismo. No entanto, o cenário é mais complexo do que isso e mostra uma profunda transformação em todas as etapas da cadeia de produção e do consumo do jornalismo impresso. Prova disso é que as bancas de jornais e revistas, ainda que cada vez mais parecidas com lojas de conveniência, continuam a expor uma grande diversidade de capas e, assim como seus comandantes jornaleiros, seguem fazendo parte da vida de nossas cidades.

    Também chamadas de quiosques, as bancas de jornal cresceram, se popularizaram e se tornaram espaços fundamentais de sociabilidade ao longo do século XX.

    Nas décadas de 1970 e 1980, principalmente, era nas bancas que pessoas das mais variadas classes sociais tinham acesso à informação de um modo mais fácil e barato do que nas livrarias. Dos gibis e figurinhas às revistas sobre carros e costura, havia opções para a família inteira. Muitas vezes, o jornaleiro era visto como uma extensão do círculo familiar, um personagem do cotidiano, como explica Tania Regina de Luca, docente do Departamento de História, da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp-Assis e coautora de obras como Imprensa e cidade (Editora Unesp, 2006) e História da imprensa no Brasil (Editora Contexto, 2008). Até hoje ela se recorda de Teodomiro, de quem ela comprava o periódico Movimento nos tempos da ditadura militar. Essas relações começaram a se modificar nos anos 1990, quando o avanço digital deu início a uma revolução do suporte da leitura. Para a historiadora, o códice, que um dia libertou a humanidade do texto em rolos e possibilitou o livro, está sendo desafiado pelo computador, o que afeta não só a sobrevivência dos jornais e revistas, mas também a forma como recebemos a informação.

     

    QUIOSQUES DE METAL

    Nos últimos anos, a capital paulistana perdeu 30% de suas bancas. Entre 2007 e 2017, o número caiu de aproximadamente cinco mil para perto de 3,5 mil, segundo dados do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo (SindJor-SP). Apesar do declínio, que se repete em outros cantos do país, esses estabelecimentos ainda cumprem um papel importante por alcançarem regiões que não dispõem de livrarias, cinemas, museus ou mesmo acesso à internet, como defende Viktor Chagas, docente do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

    Em grande parte do mundo, as primeiras bancas de jornal eram caixotes onde se expunham os jornais, depois surgiram os barracos de madeira e, por fim, as estruturas de metal. Antes disso, especialmente na segunda metade do século XIX, as notícias eram vendidas aos gritos de "extra! extra!" por crianças e jovens. Conhecidos nos Estados Unidos como newsboys, esses pequenos jornaleiros foram eternizados pelo filme Newsies (Kenny Ortega,1992). Entretanto, foi atrás dos balcões dos quiosques que a figura do "amigo jornaleiro" se constituiu, do modo como ainda conhecemos hoje, mesmo que sua presença tenha se tornado mais discreta.

    Salvador Neves, dono de uma das mais tradicionais bancas de São Paulo, no viaduto Nove de Julho, é um símbolo desse processo de transformações. Jornaleiro há quase 60 anos, ele viu o mercado de impressos atingir o pico e se reinventar de diversas maneiras. Hoje, em nome da sobrevivência dos negócios, "Seu Salvador" busca atrair a freguesia com doces, salgadinhos e brinquedos, já que os jornais e revistas não vendem mais como antigamente. Apesar disso, e mesmo que sem intenção, ele contribui para que se mantenha vivo o personagem jornaleiro, pois não são poucos os que param em seu quiosque para bater papo sobre a política, pedir informações ou usar os fósforos, colocados propositalmente ao alcance da rua. "O papel dos jornaleiros na cadeia produtiva do jornal sempre foi menosprezado, tanto pelos jornalistas quanto pelos acadêmicos que investigam as mudanças econômicas e políticas no setor. Ainda assim, devemos entender esse impacto como considerável na medida em que a posição ocupada pelas bancas é o elo final na cadeia de produção - ou o inicial na cadeia de consumo", afirma Chagas.

     

    ALÉM DAS NOTÍCIAS

    De acordo com a 4ª edição da pesquisa "Retratos da leitura no Brasil", realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL) em 2015 e divulgada em 2016, a população tem lido menos jornais e revistas. Em 2007, 36% dos entrevistados responderam que sempre usavam o tempo livre para ler jornais, revistas e outras fontes de notícia. Em 2011, o número caiu para 28% e, em 2015, para 24%. Enquanto isso, a porcentagem de entrevistados que disseram sempre navegar na internet nas horas vagas subiu de 18% para 24% e depois para 47%, também levando em conta os resultados de 2007, 2011 e 2015, respectivamente. Ao mesmo tempo, a circulação dos veículos impressos como O Globo (RJ), Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo (SP) cai ano após ano, conforme índices do Instituto Verificador de Comunicação (IVC).

    Em meio a essas transformações, pouco se fala sobre as razões de considerável grupo de leitores ainda preferir o papel à tela. Esse é um dos principais questionamentos trabalhados no livro Os sentidos do impresso (UFG/FIC, 2016), de Simone Antoniaci Tuzzo, professora e pesquisadora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ela aponta que a relação estabelecida entre os periódicos impressos e seus leitores extrapola a simples transmissão de notícias, abrangendo os cinco sentidos da percepção. O tato é estimulado pelo toque do papel, com o passar de folhas; os mesmos movimentos das mãos com as páginas agradam à audição; a disposição gráfica desperta o olhar; o cheiro de papel e tinta se ocupa do olfato; por fim, o paladar fica por conta da xícara de café que acompanha boa parte dessas leituras. Para Tuzzo, os leitores também buscam nos jornais impressos um "algo mais" para as notícias do cotidiano, ou seja, textos "crítico-analítico-opinativos" que ajudem a compreender os assuntos em maior profundidade.

     

     

    Levando em conta as diferentes camadas que compõem o consumo do jornal impresso, mesmo que o cenário seja de intensas dificuldades, parece fazer mais sentido falar em readequação do que em morte.