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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100018 

    CULTURA
    ROBÓTICA

     

    Ficção, passado e futuro dos robôs

     

     

    Victória Flório

     

     

    "Você poderia despertar e dizer um olá para todos?" "Boa tarde, meu nome é Sophia, o mais novo robô da Hanson Robotics", respondeu Sophia a robô humanoide que pode reconhecer expressões faciais e manter conversações. Criada pela companhia norte-americana sediada em Hong Kong - Hanson Robotics -, ela foi apresentada à plateia da Future Investment Initiative 2017, evento de tecnologia e investimentos, que aconteceu em Riade, capital da Arábia Saudita, no fim de outubro de 2017. Durante o evento, Sophia recebeu a cidadania saudita. Em sua fala, ela incentivou o público a investir em inteligência artificial, "ou seja, em mim", disse. Inteligência artificial ou IA, é o campo do conhecimento que trabalha com máquinas inteligentes, capazes de aprender e tomar atitudes de acordo com estímulos do ambiente.

    Confiante, o criador de Sophia - o designer de robôs norte-americano David Hanson - acredita que no futuro os robôs humanoides serão superinteligentes e ajudarão a humanidade a vencer seus maiores desafios. Tanto o entusiasmo como o pessimismo, em relação à inteligência artificial, não são recentes. O termo robô foi empregado pela primeira vez no início da década de 1920 pelo dramaturgo Karel apek e vem do tcheco "robota", que significa "trabalho forçado". Na obra A fábrica de robôs, apek conta a história de um cientista que desenvolve máquinas inteligentes para substituir os humanos nas tarefas árduas. Criadas para serem obedientes e trabalhadoras - como as ovelhas -, eventualmente elas se revoltam contra seus criadores. Na mesma época, no fim da década de 1920, um robô falante chamado Eric, construído pelo veterano inglês da Primeira Guerra, William Richards, começava uma turnê por vários países. Conhecido como o "homem sem alma", "o homem perfeito", Eric foi o primeiro robô desenvolvido na Inglaterra e foi exibido em Londres em 1928. A passagem de Eric pelos Estados Unidos, em 1929, foi retratada pela revista de divulgação científica Popular Science, que já vinha publicando uma série de reportagens com especulações sobre o futuro das máquinas. Acreditava-se que elas tornariam a vida melhor, auxiliando, por exemplo, em decisões da administração pública e fornecendo resultados mais precisos em pesquisas do censo da população. Já os robôs aliviariam os seres humanos ao serem encarregados do trabalho pesado.

     

    VISÕES DO FUTURO

    Nem todas as expectativas quanto ao futuro da IA são tão otimistas quanto as do criador de Sophia, David Hanson. Ao questionar os limites para o desenvolvimento da IA, sociólogos, cientistas, escritores de ficção científica e futuristas tentam interpretar e prever as implicações éticas deste momento de transição histórica em que cresce o espaço ocupado pela inteligência artificial e pelos robôs. Hoje, máquinas com inteligência artificial vencem partidas de jogos de tabuleiro de jogadores profissionais, diagnosticam doenças, escrevem poesia, dirigem automóveis, classificam imagens, aprendem a traduzir textos.

    Existe um grupo de cientistas, futurólogos e filósofos que especulam cenários apocalípticos a partir de um cenário hipotético conhecido como "singularidade tecnológica". Nesse cenário, a IA ultrapassaria a inteligência humana de maneira irreversível, incontrolável e catastrófica. Futuros catastróficos poderiam se desenrolar caso as máquinas atingissem um nível de inteligência suficiente para produzir outras máquinas, a partir da singularidade tecnológica - termo usado pelo cientista da computação, professor da Universidade de San Diego e escritor de ficção científica Vernor Vinge. O prospecto de Vinge é que isso aconteça até 2030, o que representaria uma mudança significativa para o planeta, comparável ao surgimento da vida humana na Terra. Por que será que ideias tão diferentes vêm à tona quando o assunto são previsões sobre o futuro da IA?

    O sociólogo alemão da Universidade de Munique, Ulrich Beck, morto em 2015, acreditava que, em tempos de crise, ciência, futurismos e ficção tendem a se misturar porque as consciências projetam-se no futuro, o "lugar" onde tudo poderia, potencialmente, ser resolvido. Autor do livro Sociedade de risco, lançado na Alemanha em 1986, Beck acredita que, na sociedade de risco, o passado perde o poder de determinar o presente. O futuro assume esse lugar porque ainda não existe, e poderia, portanto, ser inventado. Para Roger Luckhurst, da Universidade de Londres, o argumento de Beck implica que, em sociedades onde há uma grande sensação de insegurança, a ciência e a ficção científica começam a se misturar em certos pontos críticos. Um deles diz respeito aos empregos, já que ainda não há uma exata dimensão sobre as consequências do processo de automação e da IA para a força de trabalho.

     

     

    MÁQUINAS NO CONTROLE

    No início de 2017, o programa de computador da companhia Deep Mind, sediada em Londres e adquirida pelo Google em 2014 – AlphaGo – derrotou um jogador profissional de Go, antigo jogo de tabuleiro chinês. Considerado o melhor do mundo, o jogador chinês Ke Jie, então com 19 anos, perdeu três partidas para o AlphaGo. A cada novo encontro, o programa aprendia mais sobre o complexo jogo que requer, além do cálculo das possibilidades de movimentação no tabuleiro, o uso de criatividade e intuição. Surpreendentemente rápido, o Alpha Go Zero (evolução do Alpha Go) aprendeu a jogar sozinho e se tornou o melhor do mundo em apenas 40 dias.

    Um dos fundadores da fabricante de computadores Sun Microsystems, o norte-americano William Nelson Joy, previu o fim da raça humana até 2030, caso não haja controle sobre a engenharia genética, nanotecnologia e robótica. Baseado na crença de que o conhecimento na área de IA avança rapidamente e sem orientação sobre suas implicações éticas, críticos como o físico Stephen Hawking e o criador das empresas Tesla e SpaceX, Elon Musk, sustentam que a IA representa uma das maiores ameaças à raça humana. A robô Sophia atraiu a audiência ao brincar com o âncora do canal CNBC – o entrevistador norte-americano Andrew Ross Sorkin –, quando ele insinuou que ela poderia representar uma ameaça para os humanos: "Você está lendo muito Elon Musk".

    Em 1968, o escritor norte-americano Philip Dick escreveu o conto "Androides sonham com carneiros elétricos?", que deu origem ao filme dirigido por Ridley Scott, em 1982 – Blade Runner: o caçador de androides. Em meio a um cenário pós-guerra nuclear, extinção dos animais e surgimento dos androides – robôs idênticos aos seres humanos, criados para servi-los – a história levanta a tênue fronteira entre o que é ser um humano e o que é ser um robô.

    Os trabalhos do cientista da computação Jack Hopkins e da inteligência artificial do Google, que fazem uma IA escrever poesia, levantaram questões parecidas. Se a poesia é capaz de expressar o que é ser humano, poderia uma IA escrever poesia?

    Considerado o pai dos robôs, Isaac Asimov idealizou a convivência harmônica entre seres humanos e máquinas inteligentes através do conjunto de princípios batizados "Leis da robótica". A obra de Asimov inspira discussões contemporâneas para regular a área de pesquisa e desenvolvimento de robótica e suas aplicações. Em outubro de 2017, a Information Technology Industry Council (ITI), organização global composta por representantes de companhias como a Apple, Facebook, Google e Microsoft, publicou um conjunto de normas detalhando novos princípios reguladores para desenvolvedores, construtores e usuários da IA. A organização admite a necessidade de medidas regulatórias para a IA, mas, ao mesmo tempo, aponta que isso deve inibir o potencial da IA e que essa discussão ainda é imatura.