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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo jan./mar. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100019 

    CULTURA
    POESIA

     

    Poesia

     

     

    Wassily Chuck

    Graduou-se em engenharia e filosofia, é mestre em filosofia e diplomata de carreira

     

     

    POÉTICA DA SOMBRA

    Noite branca,
    a página em branco e o cansaço de todos os começos.

    E teces, não as letras,
    os vazios entre elas; não os sons,
    os silêncios das ondas quebrando no sono,
    silêncios entre ti e tua voz.

    Mais que um fazer, um desfazer,
    as mãos tocam a transparência,
    o lado de lá das palavras. E vaza o signo
    entre os dedos,
    a forma, apaga-a o vento,
    o que fica, a sombra do tempo nas águas - o poema.

    (poema cedido para publicação no livro Andaimes, de Milton Torres - Ateliê Editorial, 2007 - a pedido do próprio Milton).

     

    A CIDADE E O POETA

    A cidade se despe da tarde e se oferece, lírio
    aberto às mãos do poeta. E os dedos tocam os
    silêncios das casas e a vasta pobreza do vento
    pelas ruas.

    Nenhuma posse, nada retém para si, mas,
    suave, o toque liberta, como o pássaro liberta
    o ar no voo mais denso.

    (de Silêncios de água e pedra)

     

    VERÃO

    Sol a prumo sobre o mar. A água madura,
    fruta aberta ao céu, o sumo azulado
    escorrendo, doçura e desejo.

    E um torpor se ergue da espuma, a luz nos
    degraus da tarde. Sobre o corpo, o sabor
    da onda, o gosto de sal e a carne a sorver a
    limpidez do efêmero.

    (de Silêncios de água e pedra)

     

    POÉTICA DA SOMBRA II

    O poema - gesto extremo
    dos que não têm vida bastante
    para morrer.
    Em cada letra, cada sílaba,
    uma gota a menos de sangue
    nas veias tuas
    e de tua sombra.

    No poema, se apagam teu rosto,
    teu nome e o riso
    das jovens que conheceste.
    No verso, morre teu mundo,
    a pele obscura das águas,
    o corpo desnudo da terra -
    beleza e dor
    e solidão sumindo.

    A poesia não diz o que és,
    mas o que deixas de ser, ausência
    tingida de rubros remorsos.
    Quem versos escreve
    escande a morte, quem
    adentra o poema
    não regressa,
    ou regressa sem vida
    e sem voz.

    (de O outro lado do vento)

     

    LE BATEAU FOU

    Mais que vela ou ave
    a nave se revela
    um verso
    ao sétimo abismo
    do mar. Nau de noites
    apagadas, sua pegada é só
    presságio - não ser o naufrágio
    má sorte, mas o rumo, o norte,
    o próprio ser da viagem
    à miragem de ser.

    (de Rumo à vertigem ou a Arte de naufragar-se)

     

    MENSAGEM NA GARRAFA I

    Mais triste, talvez, que o fim, os restos,
    nos cantos da alma. Um nome, dizia
    tanto, e nem lembras o quê; cartas
    retratos, cobertos de tempo,
    a imagem da onda, após a noite
    apagar a onda, migalhas
    na mudez da mesa,
    durando.

    Mais triste, talvez, que resto qualquer,
    restos do que não foi. A frase cortada,
    suspensa na voz, viagens sonhadas,
    a estrada, ficou para depois (como
    se houvesse um depois), tanta
    coisa que deixa de ser, sem
    nunca ter sido.

    Mais triste, talvez, que tudo é saber:
    o que fica, o que resta, também
    perdido, restando só como perda,
    ausência ou leve
    silêncio.

    (de Rumo à vertigem ou a Arte de naufragar-se)

     

    MENSAGEM NA GARRAFA II

    O sargaço no ocaso,
    à janela aberta de um verão
    perdido, e tentas
    reter a cena
    em verso,
    em vão.

    O verso não diz a imagem
    se abrindo à alma, só
    as margens que a limitam;
    o verso
    não salva o sonho
    que se recolhe
    e recua, a passos largos, lá
    onde a voz se esvai, onde moram o silêncio
    e seu eco. (E o verso escrito, outro engano
    no engano da vida)

    (de Rumo à vertigem ou a Arte de naufragar-se)

     

     

    Wassily Chuck graduou-se em engenharia e filosofia, é mestre em filosofia e diplomata de carreira. Publicou os livros de poesia Sombras (Tessitura, 2006), Silêncios de água e pedra (Ateliê Editorial, 2008), O outro lado do vento (Ateliê Editorial, 2010) e Rumo à vertigem ou a Arte de naufragar-se (Ateliê Editorial, 2016).