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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000200005 

    BRASIL
    CONSTRUÇÃO CIVIL

     

    Brasil não consegue dar o destino adequado para resíduos

     

     

    Patricia Piacentini

     

     

    Apesar da desaceleração do mercado da construção civil devido à crise econômica, 2017 foi um ano de retomada do setor. Segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 82.508 imóveis novos foram lançados no país em 2017, uma alta de 18,2% em relação a 2016.

    Se a notícia anima as empreiteiras e o setor imobiliário, a destinação dos resíduos desses empreendimentos preocupa. São os chamados resíduos da construção e demolição (RCD) ou resíduos da construção civil (RCC). Segundo a Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), esses materiais são gerados no processo construtivo, de reforma, escavação ou demolição e são popularmente compostos por entulho, fragmentos ou restos de tijolo, concreto, argamassa, aço, madeira, entre outros.

    Informações da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apontam que, em 2015, foram coletados cerca de 45 milhões de toneladas desses resíduos no Brasil. Entretanto, esse dado é subestimado visto que os municípios, responsáveis por recolher esse material, em geral coletam apenas aqueles lançados ou abandonados nos logradouros públicos. Em cidades brasileiras de médio e grande porte, os originados de construção e demolição representam de 40% a 70% de todos os resíduos. "Infelizmente, o Brasil não consegue dar o destino adequado aos resíduos da construção civil. Precisaríamos de uma maior conscientização e de legislação municipal. Temos legislação federal e resolução com força de lei, mas são poucos municípios que possuem legislação própria", comenta Débora de Gois Santos, professora do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipe (UFS). "Na verdade, a engenharia empregada no Brasil é uma das melhores do mundo; o que está mal resolvido é a saída, é aí que entra a discussão sobre sustentabilidade", observa José da Costa Marques Neto, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

    Quando descartados inadequadamente, os RCC contaminam o meio ambiente, o que pode inviabilizar o uso do solo para nova construção ou mesmo causar doenças pelo acúmulo indevido. "Para os resíduos classe A (concreto, argamassa, cerâmica, solo, pavimentação), são vários riscos: atração de vetores, como ratos, que podem transmitir doenças; comprometimento dos recursos não renováveis e geração de solos estéreis; assoreamento; destruição da flora e da fauna no local e marginalização de determinada área, o que compromete o convívio social", enumera Santos.

     


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    APROVEITAMENTO

    Segundo o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), o aproveitamento dos resíduos sólidos da construção civil é feito quando se usa o material sem transformá-lo, ou seja, sem realizar um beneficiamento. Já quando se fala em reciclagem, esse beneficiamento é promovido. Conforme explica Santos, resíduos de blocos podem ser usados como formas em fundações; resíduos de revestimento cerâmico ou de mármore e granito podem compor mosaicos em pisos e paredes; portas, telhas, janelas e louças sanitárias podem ser aproveitadas como material de demolição; resíduos de telhas e de revestimentos cerâmicos podem ser usados como taliscas em revestimentos argamassados; sobras de concreto e argamassas podem ser usados em outros locais desde que ainda possam ser trabalhados. "Todos esses mesmos materiais, quando triturados, podem ser transformados em agregado e compor novas misturas de concreto e argamassas sem função estrutural", esclarece.

    No caso de resíduos de gesso não contaminados, podem ser usados para estabilizar o solo na agricultura. "Existem estudos, ainda não conclusivos, para converter o resíduo de gesso em nova mistura ou como matéria-prima para produção de cimento, já que é usada uma pequena quantidade no processo de fabricação", acrescenta Santos.

    Para destinação correta desses materiais, existem os trituradores de mandíbula para os resíduos classe A. "Com o uso de peneiras, é feita a separação desses materiais em agregados graúdos ou miúdos, segundo a granulometria definida pela ABNT. Algumas empresas construtoras em Sergipe possuem trituradores portáteis e uma delas, em sua usina de reciclagem, tem um triturador de larga escala. Podem ser usados como base e sub-base na pavimentação, em aterros e para compor argamassas e concretos sem função estrutural". Santos é líder de um grupo de pesquisa sobre construção civil da UFS e estuda a reciclagem de resíduos da construção civil ou de outras indústrias na composição de argamassas e concretos, bem como para produção de materiais de construção que usem essas misturas, como blocos para vedação e pavimentação. "Estudamos ainda como reduzir a quantidade de resíduos de construção civil no próprio canteiro de obras e, antes disso, na concepção de projetos. Isso é possível ao se estudar falhas nos projetos e técnicas inadequadas, que levam à geração de resíduos, e no planejamento, que ocasiona retrabalho, gerando mais resíduos. Pesquisamos também como acondicionar adequadamente os resíduos por tipo, permitindo assim o reaproveitamento ou reciclagem", explica.

     

    RESISTÊNCIAS

    Na opinião de Marques Neto, uma das peculiaridades do setor de construção civil no Brasil é um certo descompasso entre a tecnologia disponível e a utilizada, que o usuário recebe como produto final. Isso porque o setor conta com excelentes engenheiros e materiais de boa qualidade, mas o método construtivo ainda é semiartesanal. "O setor é resistente às mudanças tecnológicas, tem dificuldade de implantar soluções mais sustentáveis; há uma certa inércia e os processos produtivos são pouco mecanizados e padronizados, o que compromete a qualidade do produto final. Há certa acomodação a uma determinada margem de lucro. É um setor que não percebe que a inserção de tecnologias que tornem os processos mais sustentáveis pode agregar valor e gerar maiores lucros", diz.

    Ainda segundo ele, outro aspecto importante na construção civil brasileira é seu caráter nômade, que compromete a produção em escala. Isto porque em cada lugar é preciso estabelecer novos procedimentos de trabalho, o que dificulta o planejamento e a padronização. Em países com uma indústria mais consolidada, a padronização gera menos perdas e menos resíduos", aponta.

    Em outros países, a própria tecnologia adotada para a construção contribui para a redução de resíduos gerados, com isso é possível a diminuição de descarte e da necessidade de tratamento dos materiais. Nos Estados Unidos, há incentivos para o envio de resíduos de construção civil para usinas de reciclagem. "Lá existem construções de aço (edifícios) e de madeira (casas) que priorizam instalações elétricas e hidrossanitárias não embutidas nas paredes. Isso facilita a manutenção e evita o quebra-quebra. Na Inglaterra, a desconstrução é praticada. Assim, os projetos são concebidos para facilitar a desmontagem e a realocação das estruturas em outro local, o que minimiza a geração de resíduos", aponta Santos.

     

    MELHORIA DOS MÉTODOS CONSTRUTIVOS

    A redução de resíduos só é possível por meio da melhoria dos métodos construtivos. "Quanto melhor o método de execução, melhores os materiais e menor o índice de perdas incorporadas. A reciclagem viria em segundo lugar, como variável da boa gestão de resíduos. Mas é preciso considerar a relação custo-benefício em termos de gasto energético e as vantagens econômicas e sociais", acredita Marques Neto. "Agregados reciclados têm que ser bem direcionados para não comprometer a segurança da edificação. Em muitos casos a reciclagem é mais uma opção política, uma bandeira, que deixa em segundo plano a qualidade do material agregado e o controle dos parâmetros de desempenho desses materiais", complementa.

    A Abrecon mapeou, em todo o Brasil, 350 usinas recicladoras desse tipo de resíduo, um número pequeno para absorver o que é gerado em todo o país. O estado de São Paulo possui o maior número de usinas de produção de agregados reciclados, seja pela maior atividade de construção civil que gera maior volume de RCD, pelo preço mais elevado dos agregados naturais ou pela maior fiscalização quanto à destinação do RCD. Mas os agregados reciclados ainda são pouco usados porque muitos não passam por ensaios técnicos.