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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000200015 

    CULTURA
    ARTES VISUAIS

     

    Com amor, Van Gogh: um novo capítulo da pintura no cinema

     

     

    Armando Martinelli Neto

     

     

    Vincent van Gogh, um dos pintores mais influentes da história da arte, já recebeu algumas homenagens no universo cinematográfico, em especial, por meio de três filmes: Sede de viver (Vincente Minnelli, 1956), em que foi interpretado por Kirk Douglas; Vincent & Theo (1990), dirigido por Robert Altman; e Van Gogh (1991), escrito e dirigido por Maurice Pialat. Essas obras, além de enaltecerem a genialidade e importância de Van Gogh para a pintura moderna, ressaltam a biografia do artista trágico, que concentra em poucos anos a essência da sua arte e possui comportamento fora dos padrões.

    Em termos de recursos estéticos, entretanto, nenhuma das produções citadas se compara com a animação Com amor, Van Gogh, lançada no final de 2017. A obra, dirigida por Dorota Kobiela e Hugh Welchman, transfere para a tela o universo pictórico do mestre pós-impressionista, uma vez que praticamente todos os frames do filme são resultantes de 62.450 telas a óleo. Graduada em belas artes e cinema de animação, Kobiela queria combinar pintura e animação em um curta-metragem sobre a vida do pintor holandês. Graças à influência do parceiro Hugh Welchman, ganhador do Oscar de melhor animação em 2008, com Pedro e o lobo, o projeto resultou no longa Com amor, Van Gogh.

     

    ROTOSCOPIA

    Foram oito anos de produção artesanal para que mais de 100 artistas transformassem as cenas gravadas pelos atores em pinturas, em um processo conhecido como rotoscopia - técnica utilizada por animadores para criar desenhos baseados em movimentos de atores captados em vídeo.

    Rafael Ghiraldelli, ilustrador e realizador de cinema de animação, exalta o caráter inovador da pintura a óleo em composição com a rotoscopia. "A presença da pintura a óleo na animação é explorada principalmente em trabalhos via stop motion (técnica que utiliza a disposição sequencial de fotografias diferentes de um mesmo objeto inanimado para simular o seu movimento), com óleo sobre vidro e óleo sobre acetato. Ambos os suportes foram experimentados por animadores como o russo Alexander Petrov. Por sua vez, a rotoscopia traduzida por intermédios digitais é recorrente nas obras de cineastas como o norte-americano Richard Linklater (Boyhood: da infância à juventude, 2014). No entanto, usar a pintura a óleo como base para a técnica, é pioneiro", afirma.

    Para Renato Brolezzi, antropólogo e professor de história da arte das Faculdades de Campinas (Facamp), há que se valorizar o caráter vanguardista da produção, porém, com a consciência dos limites que a adequação a uma indústria cultural impõe. "Os diretores criaram um produto novo a partir de misturas formais inusitadas, mas sem fugir de uma estética da indústria cultural. Os resultados são excelentes, a obra é tecnicamente bela, sedutora, vendável - mesmo com o atreladamento ao cinema de entretenimento que impede um maior aprofundamento sobre o tema -, e tem o mérito de inserir a pintura do século XIX em uma tradição narrativa contemporânea", pontua.

     

     

    UNIVERSOS DISTINTOS

    O filme é baseado em um roteiro original do escritor polonês Jacek Dehen. O protagonista é Armand Roulin (Douglas Booth), filho do carteiro Joseph Roulin (Chris O'Dowd), de quem o mestre holandês se tornou grande amigo quando se mudou para Arles. A trama se inicia um ano após a morte do pintor, quando o jovem Armand decide realizar sua própria investigação por duvidar da hipótese do suicídio do artista. A busca pela verdade dá vida às personagens que posaram para o pintor e flashbacks em preto em branco que não existem nos quadros do artista. A unidade visual e a linguagem de vanguarda são os grandes méritos do filme, na opinião de Ghiraldelli. "A pintura como alegoria promove um encontro com a arte de Van Gogh, ultrapassando, inclusive, problemas de roteiro que, em alguns momentos, aceleram demasiadamente alguns fatos. Mas nada que comprometa o impressionante resultado estético do filme", comenta. Problemas narrativos são também observados por Brolezzi. Para ele, "o fato de quadros pintados à mão constituírem o corpo do filme, sem dúvida, trouxe resultados muito bons e inovadores. Porém, a forma choca-se com a pobreza da narrativa. Na verdade, tentou-se criar um enredo policial, mas que se dissolve em fórmulas banais, gestos das personagens que repetem os clichês dos filmes comerciais", opina o historiador. "O filme procura ser o mais correto possível no que tange à trajetória do pintor. Mas o espírito das telas de Van Gogh não pode ser captado apenas colocando seus quadros em movimento. Essa estratégia pode ser enganosa para aqueles que procuram não somente belas imagens, mas uma compreensão da singularidade de sua poética. Se não fosse Van Gogh, poderia ter sido Gauguin, Matisse ou qualquer outro pintor a ser tratado da mesma forma. Há, portanto, o perigo da homogeneização", assinala.

     


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    Sem minimizar a vanguarda do filme, em termos de estética no cinema, Brolezzi pondera sobre o relacionamento das duas linguagens artísticas. "No episódio "Corvos" do filme Sonhos (1990), Akira Kurosawa tenta estabelecer relações entre o cinema e a pintura de Van Gogh, mas de modo totalmente diferente. Lá o intraduzível permanece. Uma pintura não supõe movimento, o olho do observador é que deve se movimentar diante dela. Pintura e cinema pertencem a universos distintos, embora não incomunicáveis. Correspondências entre artes distintas são extremamente difíceis de serem feitas", finaliza.