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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.3 São Paulo July/Sept. 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000300006 

    BRASIL
    DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

     

    Revista Ciência & Cultura, 69 anos

     

     

    Mariana Castro Alves

     

     


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    A longevidade de uma publicação tem a ver com sua capacidade de se reinventar. A Ciência & Cultura, que teve seu primeiro número publicado em 1949, ano seguinte ao da criação da SBPC, revela a disposição constante de fazer valer a divulgação e comunicação para o fortalecimento da ciência no país. É o que se vê quando se entra em contato com seu acervo, no "Centro de Memória SBPC Amélia I. Hamburger", localizado no edifício da rua Maria Antonia, em São Paulo. O prédio guarda registros da história da SBPC em sua relação com a própria Universidade de São Paulo (USP) - na medida em que surge no seio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Apesar da experiência de manusear as transformações pelas quais a publicação passou, o acesso aos documentos não mais dependerá de visita in loco: todos os números da revista já estão acessíveis na internet (veja box).

    Disponível em versão impressa e on-line a partir de 2002, ano em que passa a ser produzida no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), na Unicamp, a revista é um marco para a institucionalização da ciência no país. De acordo com Carlos Vogt, seu atual editor chefe, trata-se de "uma das publicações mais antigas e importantes para a grande virada que a ciência brasileira conhece a partir dos anos 1950". No cenário de pós-guerra, do ponto de vista do financiamento e de formação de pesquisadores, divulgar os resultados das pesquisas era fundamental. Assim, desde sua concepção, a revista foi um veículo que expressou a importância da pesquisa científica para a sociedade.

    Idealizada por José Reis (1907-2002), que a dirigiu de 1949 a 1954 e de 1972 a 1985, a Ciência & Cultura não é considerada "apenas" uma revista, mas um órgão da SBPC, uma associação "aberta não apenas a cientistas, mas a todos os que se interessem pela ciência, por suas aplicações e pelas consequências destas", conforme se lê na contracapa de sua primeira edição. Nesse sentido, seu objetivo "como órgão que é da SBPC, servir de aproximação dos cientistas entre si, e destes com o público, entre todos desenvolvendo forte e indispensável sentimento de solidariedade e compreensão", registra seu primeiro editorial.

     

    JOSÉ REIS

    No início, a revista Ciência & Cultura era feita com muita dificuldade, inclusive financeira. É o que conta Paulo Sawaya (1903-1995), cientista e um dos três "cavaleiros andantes da ciência" junto com José Reis e Maurício Rocha e Silva, todos fundadores da SBPC, em depoimento gravado em vídeo sobre o histórico da associação. A revista começou a ser feita dentro de seu laboratório, na Alameda Glette, 463. A casa abrigou os Departamentos de Botânica, Zoologia, Genética, Geologia, Mineralogia, Química e Biologia até 1956, ano em que ocorre a transferência para a cidade universitária.

    O primeiro número, de 1949, já trazia ilustrações e fotos. A capa, escolhida pela diretoria da SBPC "dentre originais que examinou", era de autoria do arquiteto Ernest de Carvalho Mange, sócio que tinha acabado de fazer estágio no ateliê de Le Corbusier. Com propagandas de material técnico e dentifrício, o primeiro número registra a subvenção anual de 50 mil cruzeiros feita pelo industrial Francisco Pignatari para a revista se tornar realidade.

    Nessa fase, era dividida nas sessões: pesquisas recentes, notas originais, comentários, homens e instituições, livros e revistas e noticiário. Seu formato já dava conta das tendências e das novidades da produção científica brasileira e mundial. "José Reis remodelou a revista, deu um impulso, acompanhando mais ou menos o que Maurício (Rocha e Silva) pensava que devia ser, do tipo da Nature, de Londres", afirmou Sawaya. "Sob a direção editorial de José Reis, os objetivos históricos de comunicação e divulgação científica foram afirmados", considera Vogt.

    Em 1968, a Ciência & Cultura é remodelada. A lombada passa a ser em formato brochura, e não mais em "canoa" feita com grampos. O papel passa a ter mais brilho. As ilustrações das capas mostram um cuidado visual primoroso, com destaque aos trabalhos do artista uruguaio Luis Diaz. A partir dos anos 1970, junto com esse tratamento artístico apurado, estavam as críticas ao regime militar. A crítica volta-se principalmente à concepção da ciência somente como tecnologia e à destinação pelo Estado de verbas apenas a parques industriais e não à pesquisa básica realizada nas universidades.

    Em 1972, José Reis posiciona-se na revista: "Se em tempos idos a tecnologia cresceu paralelamente à ciência e mesmo à sua revelia, isso não ocorre com a atual, que nasce da ciência e a partir dela se constitui com velocidade de transformação cada vez maior. Infelizmente, os que governam financeiramente a pesquisa nem sempre se dão conta dessa relação". Dessa forma, ao firmar sua posição, a SBPC "assumiu um papel importante no processo de democratização, aumentou sua independência e conquistou maior reconhecimento pelo governo", segundo Ana Maria Fernandes, em "A construção da ciência no Brasil e a SBPC" (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p. 243).

     

    INTERNACIONALIZAÇÃO

    Nos anos 1990, uma grande transformação. Em consonância com os ares da época, de 1991 a 2001, a revista passa a ser publicada integralmente em inglês. Em editorial assinado por Cesar Timo-Iaria, da área de neurofisiologia, a justificativa: "A vantagem de usar o inglês é que essa língua, falada em países predominantes em escala mundial, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, passou a ser a língua franca em todos os continentes, e dessa forma intermediando todos os tipos de comunicação humana, prevalecendo sobre todas as outras línguas". Deste modo, a partir do volume 43, tendo como editor Luiz Rodolpho Travassos, a Ciência & Cultura torna-se "Journal of the Brazilian Association for the Advancement of Science", com espírito de reinvenção que a caracteriza na tentativa de dar respostas aos problemas postos aos cientistas.

     

    TEMAS E TENDÊNCIAS

    Entretanto, após a reunião anual de julho de 2000, em Brasília, o conselho deliberativo da SBPC define que a revista deve voltar a ser publicada em português. Em seu 54º número, o tema "Violência" é escolhido. A revista continua a contar com apoio do CNPq, da Fapesp, passa a ter suporte técnico do Labjor e do Instituto Uniemp para desenvolvimento gráfico. Carlos Vogt, então vice-presidente da SBPC na gestão de Glaci Zancan, toma a frente da publicação, repensando seu formato e renovando seus princípios. Sob o binômio "Temas e tendências", desde então, o mote "são artigos com núcleo temático e o acompanhamento do desenvolvimento científico, sendo sensível às tendências, numa linguagem acadêmica mais aberta ao leitor", explica Vogt. Marcelo Knobel é editor chefe da revista de 2008 a 2017, e acompanha esse formato. Quando se torna reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a revista volta então a ser dirigida por Vogt.

    O dinamismo que marca sua história continua vivo. Em homenagem ao seu idealizador, editorial assinado por Vogt em 2002, quando do falecimento de José Reis, indica: "Possamos nós, todos os que integram o corpo editorial da revista, cientistas e jornalistas, cumprir, retomando-o do início e renovando-o sempre, o papel que José Reis e seus colaboradores tão bem desenharam (...)".

     

    CIÊNCIA & CULTURA DIGITAL

    Uma parceria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com a Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional, viabilizou a digitalização de toda a coleção da revista Ciência & Cultura. A revista teve seu primeiro número publicado em 1949, ano seguinte ao da criação da SBPC. Desde 2002, quando a revista passou a ser produzida no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, Labjor Unicamp, além da versão impressa, a Ciência & Cultura conta com uma versão digital no portal Scielo. Os números anteriores a 2002, no entanto, eram de difícil acesso. Com a digitalização, as 456 edições e suplementos da revista podem ser consultados no site: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Segundo Vinícius Martins, coordenador da Hemeroteca Digital, a consulta ao acervo pode ser feita por título, período, edição, local de publicação e palavra. "A busca por palavras é possível devido à utilização da tecnologia de reconhecimento ótico de caracteres (optical character recognition - OCR), que proporciona aos pesquisadores maior alcance na pesquisa textual em periódicos. Todo o texto reconhecível é indexado e pode ser recuperado", explicou. Para Ildeu Moreira, como boa parte dos registros históricos sobre a SBPC está documentada justamente nas páginas da Ciência & Cultura, a digitalização foi muito importante, "tanto para recuperar como para preservar a história da instituição", disse.